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sábado, 9 de fevereiro de 2013

A minha esposa, 27 anos com alzheimer, chora e emociona-se com a missa da televisão


Quase 3 décadas de amor na enfermidade

Actualizado 2 Fevereiro 2013

ReL


Manuel Díez, leonês de 87 anos, leva 27 cuidando da sua esposa Basilia García, enferma de alzheimer. Há uns anos o seu caso foi eleito pelo Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais para protagonizar um grande poster que seria a campanha nacional da famosa e controvertida Lei de Dependência. Também protagonizou alguns documentários sobre a grave realidade desta enfermidade.

Os médicos estão assombrados com a resistência da anciã Basilia. Mas ao mundo o que o assombra é o testemunho de fidelidade e constância do seu marido.

Há poucos anos o recolhia assim o jornalista Fulgencio Fernández em La Crónica de León.

“Passava todas as noites olhando-a enquanto uivava, dava bofetadas e pontapés”. É uma frase textual que escreveu Manuel numa espécie de diário no qual vai anotando todos os avatares da longa enfermidade da sua mulher, desde o ano 1984 que teve os primeiros sintomas até ao passado mês de Fevereiro quando já não podia aguentar mais, já não conseguia, ele mesmo estava enfermo.

Assim o conta: “Quantas vezes quando a ia deitar me quedava sem forças e tinha que me sentar um pedaço”.

Depois de levá-la a Sanyres escreve: “Tive que ingressar no Hospital para curar-me do que não me havia curado antes, mas agora já vou tranquilo porque a minha mulher está recolhida”.

Algo que não ocorria uns meses antes, quando os médicos disseram ao Manuel que tinha que entrar: “Entrar? Não sabem que não posso? Que faço com a minha mulher?” Perguntava no seu caderno em 25 de Setembro de 2008.

Não foi nada fácil para este homem nascido em Llamas de la Ribera e que passou toda a sua jubilação atado à enfermidade da sua mulher. Nos primeiros sintomas se sabia muito pouco desta enfermidade, ia de médico em médico e ninguém lhe dava nem soluções, nem explicações.

“Todavia não se conhecia o do alzheimer e eu tampouco tinha dados, tardaram mais de seis anos, até 91, em falar algo desta enfermidade”. Foi um rosário de médicos e Basilia também jogava alguns truques quando Manuel explicava ao psiquiatra que passava as noites gritando. Ela estava em silêncio, como ausente, e de repente dizia ao médico muito alterada: “Quem disse que grito pela noite! Que sabe ele se vai para a farra todas as noites e não pára em casa!”.
Para desesperação de Manuel o médico parecia fazer caso a ela e lhes receitava “darem-se bem”.

— Quantas vezes saí chorando do psiquiatra!

Tive que urdir um plano para demonstrar que não mentia.

“Para demonstrar-lhes o que era aquela enfermidade comprei uma cassete e gravava pelas noites os gritos que dava. Tenho guardadas as fitas mas é hoje o dia que não as posso escutar, se me põe os pelos em pé só de recordá-lo”.

Explico-te mas guarda as fitas. Guarda tudo aquilo no que Basilia García Canseco possa aparecer ‘desairada’ ou agressiva das muitas fitas de vídeo que ao longo de vinte aos lhe foi gravando. “Olha que guapa estava aqui”, insiste, mas sobretudo se emociona com dois troços, um no qual Basilia se abraça com a sua neta e outro, de 6 de Janeiro de 2008.

Estava a televisão ligada, retransmitiam a missa de Reis e cantam nela. Manuel está convencido de que Basilia reconhece aqueles cânticos, “pois foi muito de igreja” e rompe a chorar, seca as lágrimas (algo que não fazia nunca). “Apago a televisão e deixa de chorar, acendo-a e volta a chorar”.

Emociona-se Manuel, como se emociona quando aperta a mano à sua mulher e ele sente como ela também a aperta, como está convencido de que distingue perfeitamente o sumo natural que ele leva de casa, feito com as maçãs da sua horta, do ‘de garrafa’. “Claro que o noto, eu vejo bem como torce o gesto”.

É como um menino, há que atendê-la mas ela sente. Já sei que dizem que não se inteira de nada mas o que se passa com esta enfermidade não o pode saber nada, eu a vivi dia-a-dia e vi coisas, como o da missa. E aperto-lhe a mão e olho-a...

Volta a acariciá-la. Penteia-a, põe-na direita.

Seguramente recorda aqueles anos duros, nos que estava agressiva, não queria ao seu lado ninguém que não fosse o Manuel, gritava. Em 13 de Dezembro de 2005 Manuel escreve: “Este ano deixou de dar vozes e de ser agressiva. Agora é como um menino”.

— Se pudesse voltar a trazê-la para casa, como em casa...


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