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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

As 9 coisas que há que saber sobre a «profecia dos Papas» de São Malaquias

Segundo ela, o próximo Papa será o último?

Desde o verdadeiro São Malaquias até à lista supostamente profética passam 450 anos. E curiosamente, desde a aparição da lista, não acerta quase nenhuma predição.

Actualizado 26 Fevereiro 2013

J. Ginés/ReL


Com o anúncio da renúncia de Bento XVI, muita gente fala de "a profecia dos Papas" atribuída a São Malaquias. Mas que importância tem isto? É algo que deva inquietar o tirar a paz aos crentes? Analisamo-lo em 9 pontos, que continuam bastante de próximo uma análise do popular bloguero e evangelizador Jimmy Akin.

1. Que é a "profecia dos Papas"?
É um documento que publicou em 1595 um beneditino chamado Arnoldo de Wyon dentro de uma história da ordem beneditina que estava escrevendo.

Trata-se de uma lista de 112 frases curtíssimas e enigmáticas em latim, que se supõe que representam papas desde a época do bispo irlandês São Malaquias, do século XII, em frente. É Wyon quem disse que o autor é São Malaquias. Também ele disse que não lhe consta que nunca antes se tivessem publicado em forma impressa.

Além da listagem de frases enigmáticas, Wyon acrescenta uma série de interpretações e análises que ele atribui ao historiador e dominicano espanhol em Roma Alfonso Chacón (c.1530-1599).

2. Quem foi São Malaquias? É fiável?
São Malaquias (1094-1148) foi o arcebispo de Armagh, na Irlanda. Foi monge, abade, bispo e finalmente Primado da Irlanda, um grande reformador da Igreja e avivador da fé. Morreu em Claraval, França, nos braços de São Bernardo de Claraval, em 1148, que o admirava e escreveu dele, das suas obras e dos seus milagres. Por ele sabemos que em 1139 o irlandês visitou Roma e entrevistou-se com o Papa.

Que São Malaquias é santo e modelo de pastor e reformador não o dúvida a Igreja. Mas São Bernardo, que tanto o quis e que tanto escreveu sobre o seu amigo, milagres incluídos, nunca escreveu nada sobre nenhuma profecia, visão, nem lista enigmática que houvesse deixado este santo. Nem rastro desta lista profética até 450 anos depois.

3. Porque as pessoas falam de São Malaquias e a suposta profecia estes dias?
Porque a lista se acaba com o papa 112º. Bento XVI seria o número 111 da "lista de São Malaquias". E para o 112, a última anotação, em vez de um par de palavras, encontramos esta frase:
"Pedro o Romano, que nutrirá as ovelhas em muitas tribulações; quando acabem, a cidade das 7 colinas será destruída, e o juiz terrível julgará a sua gente. Final."

Assim, o Papa que surgirá do Conclave actual seria o último, Roma seria destruída, chegaria o juízo final, etc...

Por isso as pessoas repassam listas de papáveis que se chamem "Pedro", a saber: Péter Erdo (arcebispo de Budapeste), Peter Turkson (africano, do Gana, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz) e, como segundo nome, Odilo Pedro Scherer (arcebispo de São Paulo).

4. Mas, que credibilidade dá o Magistério da Igreja a esta "profecia"?
Nenhum documento do Magistério aprovou de nenhuma maneira nada desta profecia nem se lhe deu nenhum reconhecimento.

5. Até que ponto podemos falar de que seja "autêntica"?
São Malaquias morreu em 1148, era um personagem bem conhecido e popularizado pelo seu amigo, São Bernardo de Claraval, o eclesiástico mais influente da sua época. Mas nem São Bernardo nem ninguém falou jamais de nenhuma profecia de São Malaquias até que em 1595 a publicou Arnoldo de Wyon, quase 450 anos depois.

Talvez Arnoldo de Wyon a inventou. Ou talvez um brincalhão ou vigarista falsificador criou efectivamente a lista misteriosa no século XVI, a pôs num arquivo romano e aí a encontrou Arnoldo, documentando-se para a sua história beneditina.


6. Mas a profecia acerta nos 111 papas que já cobriu?
Os investigadores deram-se conta que acerta muito com os papas anteriores a 1590. E acerta pouco com os papas posteriores. Isso reforça a ideia de que o autor a escreveu em 1590. Isto já o via o historiador e beneditino galego Benito Jerónimo Felijóo no seu Teatro Crítico Universal (1724–1739).

Jimmy Akin, popular bloguero e apologista católico, fez recentemente a experiência pessoal de repassar cada papa com a sua "profecia": até 1590, 95% das profecias acertam claramente, e só 5% são vagas ou duvidosas. Desde 1590, só 8% acertam claramente (41% falham e 51% são vagas e indemonstráveis).

Curiosamente, os acertos (e sobretudo os falhanços!) das frases anteriores a 1590 coincidem suspeitosamente com um livro de história dos Papas que escreveu em 1557 o historiador agostinho Onofrio Panvinio, bibliotecário do cardeal Alejandro Farnesio. Parece que o verdadeiro autor das profecias usou esse livro.

7. Exemplos de "profecias" que acertam?
"Ex castro Tiberis" (de um castelo no Tiber) refere-se evidentemente a Celestino II (1143-1144), nascido em Citta di Castello, ao lado do rio Tiber. "Frigidus abbas" é Bento XII (1334-1342), que foi abade de Fontfroide (Fuentefría). "De parvo homine" (De um homenzinho), é Pio III (1503), cujo apelido era Piccolomini (em italiano, de piccolo e uomo, homem pequeno).

8. Exemplos de "profecias" que encaixam só forçadas?
"Aquila rapax" (águia rapace) corresponderia a Pio VII (1800-1823). Por coincidir com o reinado de Napoleão? Mas então a frase não define o Papa mas sim a alguém mais ou algo mais que actua durante o seu papado… e então qualquer coisa seria aplicável: sempre haverá algum governante rapace como uma águia no mundo! As profecias anteriores a 1590 referem-se aos Papas, não a eventos do seu tempo.

"Religio depopulata" (religião destruída) corresponderia a Bento XV (1914-1922); de novo, não fala do Papa. Se, a Revolução Russa em 1917 estragou a religião na Rússia (mas não em Itália). Sempre há algum poder que estraga a fé em alguma parte do mundo.

9. E Jesus e a Igreja que dizem de tudo isto?
Da lista supostamente profética, como de tantas outras superstições ou enganos, a Igreja não diz nada.

Jesus, a respeito de calcular dias do fim do mundo ou o Juízo Final disse, basicamente: "Velai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora" (Mateo 25,13); e sobre como viver tendo em conta o futuro Jesus Cristo ensina isto: "Não estejam ansiosos sobre o futuro, que tem as suas próprias ansiedades. Cada dia já traz a sua própria preocupação" (Mateo 6, 34).

O Catecismo da Igreja, no seu parágrafo 67, fala das "chamadas revelações privadas, algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja". Inclusive as reconhecidas cumprem uma condição: "o seu papel não é melhorar ou completar a Revelação definitiva de Cristo, mas sim ajudar a viver mais plenamente num certo período da história".

Tratar de ligar papas e frases enigmáticas é uma curiosidade intelectual ou inclusive supersticiosa, não algo que ajude a viver a fé com plenitude. Seria mais útil, por exemplo, conhecer o verdadeiro São Malaquias, ver as suas obras e zelo evangelizador na Irlanda do século XII e tomá-lo como modelo, em vez de perder o tempo com o que com toda a segurança é uma falsificação do século XVI.



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