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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Joaquim Carreira, o padre de Fátima que salvou dos nazis 42 pessoas em Roma

Piloto de aviões e pioneiro da rádio

Desde judeus a pessoas vinculadas ao partido socialista: não fazia distinções, e muitas eram de grande relevância.

Actualizado 19 Fevereiro 2013

C.L. / ReL


Pelo menos quarenta pessoas salvaram a sua vida graças à intervenção e aos riscos assumidos pelo sacerdote português Joaquim Carreira (1908-1981).

Foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Cidade Eterna foi ocupada pelos nazis. Era o reitor do Pontifício Colégio Português de Roma, e as portas do seu centro estiveram sempre abertas para quem pudesse necessitá-lo.

"Éramos 42 párias da sociedade no período compreendido entre Setembro de 1943 e Junho de 1944", recorda um antigo coronel de infantaria: estudantes, soldados, políticos "que passaram nove meses protegidos" debaixo dessa instituição graças ao "diligente e zeloso monsenhor Carreira".

Um homem notável
Por causa do centenário do seu nascimento publicou-se uma biografia e a sua diocese original de Leiria (nasceu próximo de Fátima) rendeu-lhe uma homenagem que serviu para solicitar este e outros testemunhos da "bondade e altruísmo" que destaca outro refugiado. A biografia, realizada pelo seu sobrinho e também sacerdote Joaquim Carreira das Neves, teria contado com um prólogo do protagonista se este não se tivesse negado no seu momento a dar-se à lisonja: "As coisas fazem-se, não se contam", respondeu ao pedido formulado ainda em vida.

Mas Joaquim Carreira não foi só um sacerdote notável por aquele comportamento heróico. Depois de ordenar-se em 1931, tinha sido o primeiro padre português a conseguir licença de piloto, e disfrutava voando antes e depois da guerra. Foi também o primeiro eclesiástico luso a criar uma emissora de rádio. E com toda essa bagagem, mudou-se para Roma em 1940, onde viveu resto da sua vida, exercendo entre outras coisas como conselheiro religioso da embaixada de Lisboa perante a Santa Sé, e onde morreu.

Setembro de 1943: começa o pior
Aparte da biografia do seu sobrinho há cinco anos, acaba de aparecer uma memória oficial das suas actuações durante o ano académico 1943-44, onde conta que até Setembro de 1943, quando a cidade foi invadida pelos alemães, a situação era "quase normal", mas que a partir de então pôs-se progressivamente em marcha a "caça ao judeu".

Monsenhor Carreira reagiu em seguida, como muitas outras instituições eclesiásticas: "Ofereci asilo a pessoas perseguidas por leis injustas e inumanas", escreve, sendo a sua alimentação o primeiro problema, que resolveu sempre para que nada faltasse aos seus hóspedes.

"Nunca faltou nada", afirmou em 1946 Francesco Santostefano, médico, um dos refugiados. Outro deles, Elio Cittone, que vive ainda, recorda que os nazis chamaram à porta do Pontifício Colégio Português de Roma em finais daquele ano, mas Dom Joaquim já tinha preparado esconderijos no edifício, que foram ocupados. Ele tinha 16 anos e achava-se ali junto com o seu tio Isaac, antiquário judeu. "Estou-lhe muito agradecido" - evoca o hoje ancião a respeito de monsenhor Carreira - "e sempre recordarei que me salvou a vida".

A lista das pessoas que se acolheram à sua hospitalidade e refúgio é muito notável, entre eles Giuseppe Caronia (1884-1977), médico líder do Partido Popular e reitor da Universidade de Roma ao finalizar a contenda; Cesare Frugoni (1881-1978), judeu, também médico de prestígio porque o tinha sido tanto do dirigente comunista Palmiro Togliatti como do mesmo Benito Mussolini; Vincenzo Agado, partisan; o filho do advogado socialista Antonio Priolo, alcaide de Reggio Calabria debaixo da ocupação aliada; Angelo Venturelli, membro do partido socialista e futuro organizador de um encontro entre o histórico líder socialista italiano Pietro Nenni e monsenhor Giovanni Battista Montini, futuro Paulo VI; Mario Jacopetti, professor da Universidade de Nápoles; os irmãos Francesco e Marcelo Cavaletti, funcionários do Ministério de Assuntos Exteriores.

Estes últimos sintetizam o que foi, em palavras do partisan citado, o "oásis" criado por Joaquim Carreira: "Os sacerdotes arriscavam muito, e sabiam-no".


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