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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

De poeta trostkista ateu, a monge dominicano e filósofo tomista

O partido comunista parecia-lhe brando

Nasceu numa família sem fé, militava pela Revolução em Chicago, mas estudava Grandes Livros e São Tomás cativou-o.

Actualizado 28 Fevereiro 2013

P. J. Ginés/ReL


Benedict Ashley acaba de morrer, o 23 de Fevereiro de 2013. Tinha 97 anos, era frade dominicano, filósofo e professor, e os seus companheiros dizem que há poucos dias ainda estava sentado no seu computador, com o clássico hábito dominicano de cor branco e negro, queixando-se de que necessitava de um novo tinteiro.

Por suposto, Ashley não nasceu monge. De facto, nasceu numa família ateia. Foi a filosofia o que o levou a Cristo.


Ateus da pradaria
Nasceu em Neodesha, Kansas, durante a Primeira Guerra Mundial, em 1915; foi inscrito como Winston Norman Ashley, e cresceu num povoado da pradaria de Oklahoma. Os seus pais não tinham muita educação, mas acreditavam que formar-se era importante e tinham em casa uma Enciclopédia Britânica.

O menino não era bom nos desportos, assim dedicava-se a ler sem cessar. Pelas suas limitações físicas, desenvolveu "grande simpatia pelas minorias oprimidas" e pelo pacifismo.

Os seus pais estavam convencidos de que a ciência havia refutado a religião. Ashley dizia que de menino foi "ateu humanista".

 
Comunista é pouco; melhor trostkista
No instituto Ashley já tinha claro que queria ser escritor. Os seus pais, em plena Grande Depressão, não podiam enviá-lo à universidade, mas ele ganhou num concurso uma bolsa de estudos e desembarcou em Chicago em 1933, assombrado pela vida da grande cidade.

Ali conheceu primeiro o Sindicato de Estudantes Americanos, contrários aos recrutamentos militares. Depois, juntou-se à Liga dos Jovens Comunistas. Com eles desfilou no 1 de Maio de 1934 com bandeiras vermelhas. Mas então disseram-lhe que a Liga era de brandos, que não eram marxistas de verdade, que os que de verdade trabalhavam pela Revolução eram os trostkistas da Liga Juvenil Socialista Popular, que logo seria o Partido Socialista dos Trabalhadores (que no campus universitário eram uma centena).

Juntou-se a eles e logo teve o seu carnet do partido.


Nasce o Seminário ´Grandes Livros´
Entretanto, nesse momento o presidente da Universidade, Robert Maynard, e o professor de Direito Mortimer Adler estavam criando algo novo que ainda hoje triunfa nas universidades: uma educação clássica baseada em ler e debater as grandes obras clássicas, o seminário de Grandes Livros do Mundo Ocidental. Cada semana, os estudantes liam e debatiam um livro: Santo Agostinho, Karl Marx, Sigmund Freud, Aristóteles, Tomás de Aquino...

Ashley estudava estes livros, língua inglesa e militava no partido. Também escrevia poesia, ainda que o seu professor o novelista Thornton Wilder lhe dissesse que "um poeta tem a sua própria vocação e não deve atá-la à política".

"Eu lia os grandes livros, especialmente a São Tomás, e via-me forçado a pensar em Deus. E por outro lado, eu era um marxista pensando na revolução mundial. Gradualmente, a minha reflexão sobre São Tomás de Aquino convenceu-me de que a sua defesa do teísmo era melhor que a postura contrária de Marx ou Darwin", recorda.

Ainda queria viver como escritor e organizador político, quando começou a pensar em categorias espirituais. Veja que a postura católica tinha consistência lógica, mas que pensar da sua pretensão de "saber a verdade"? Um dia perguntou-se: o que faria falta para demonstrar a verdade da proposta católica? Um milagre, por exemplo, bastaria. Mas, pensou, "com que direito esperas tal coisa?" Deus não tinha obrigação de revelar-lhe verdades sobrenaturais.


Dar-lhe uma oportunidade à Igreja

Decidiu dar-lhe uma oportunidade à Igreja e começou a estudar a fé com um dominicano, a ordem a que pertenceu Santo Tomás. A razão o convenceu. E em 1937, recuperando-se de uma operação de apendicite complicada no hospital, começou a rezar. Assistia já à missa diária nos dominicanos. E em 1938 baptizou-se, um jovem intelectual de 23 anos.


Expulso do Partido por baptizar-se
"O Partido Socialista dos Trabalhadores expulsou-me pelo escândalo de baptizar-me, e tive que repensar o meu marxismo", recorda.

A busca da igualdade e a justiça social interessavam-no, mas os dogmas do marxismo não encaixavam com a sua fé. Acabou os seus estudos na Universidade de Notre Dame e em 1941 tomou os votos de dominicano e adoptou o nome Benedict. Queimou as suas novelas juvenis (por serem "carnais") e dedicou-se já então, sem parar, a escrever de teologia e ética.

Em 2006 recompilou e sintetizou toda a sua metafísica tomista no livro The Way Toward Wisdom. Recomendava lê-lo para ter uma base em metafísica antes de entrar no mundo dos "Grandes Livros" que hoje, aos estudantes desligados dessa cultura clássica, tornam-se pouco compreensíveis.

Em tempos recentes teve êxito também o seu livro "Answering Angry Atheists" ("Respondendo aos ateus zangados"). Foi amigo da síntese e o diálogo fé-razão e um estudioso da teologia do corpo e os desafios da bioética moderna.



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