Exercícios espirituais: cardeal Ravasi homenageia o papa renunciante com uma célebre passagem bíblica
Roma, 19 de Fevereiro de 2013
Moisés
na montanha em oração, enquanto o povo combate no vale. Com esta imagem
da bíblia, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício
Conselho para a Cultura, prestou homenagem ao papa Bento XVI antes de
começar os exercícios espirituais para o Santo Padre e para a cúria
romana. Os exercícios começaram na noite deste domingo, na Capela
Redemptoris Mater do Palácio Apostólico Vaticano.
Falando em nome de todos os presentes, o cardeal Ravasi expressou
palavras de carinho, gratidão e admiração pelo papa renunciante e, com
referência ao episódio do Antigo Testamento (cf. Ex 17), afirmou: "Nós
vamos permanecer no vale, onde está Amaleque, onde existe poeira, medos,
terrores, pesadelos, mas também esperanças. Onde Sua Santidade ficou
nos últimos oito anos. A partir de agora, no entanto, sabemos que, do
alto da montanha, vem a sua intercessão por nós".
O tema dos exercícios espirituais da quaresma deste ano, pregados
pelo cardeal Ravasi, é “Ars orandi, ars credendi [arte de orar, arte de
crer; ndr]: o rosto de Deus e o rosto do homem na oração dos Salmos”.
Ravasi recordou, mencionando Santo Inácio de Loyola, que a função dos
exercícios espirituais é a de "examinar a consciência", meditar e
"descartar todos os afectos desordenados".
O cardeal citou a experiência da escritora judia Etty Hillesum,
vítima do holocausto nazista, já mencionada por Bento XVI na audiência
geral de quarta-feira passada. Ela escreveu em seu diário de Auschwitz
sobre a necessidade de encontrar em si mesma "aquela fonte muito
profunda", muitas vezes submersa em pedra e areia, onde Deus residia.
Da mesma forma, para os católicos, os exercícios espirituais são uma
oportunidade para "libertar a alma da lama do pecado, da areia das
banalidades, das urtigas daquelas conversas que, especialmente nestes
dias, ocupam continuamente os nossos ouvidos", disse Ravasi.
Os exercícios espirituais, continuou o biblista, implicam "ascese",
palavra grega que significa precisamente "exercício", e, ao mesmo tempo,
podem ser alimentados pela "criatividade" da oração, unida sempre ao
rigor teológico.
Os momentos centrais do ato de orar foram identificados por Ravasi com quatro verbos: 1) respirar, 2) pensar, 3) lutar, 4) amar.
A oração, em primeiro lugar, é respiração: um ato essencial para a
fé, assim como a respiração o é para a vida. Como afirmava o cardeal
Yves Congar, a respiração é a oração, enquanto os sacramentos são o
alimento.
Pensar é um ato não menos essencial na oração, que não é apenas
"emoção" ou "instinto", mas "envolvimento pessoal na nossa busca de
Deus". São Tomás de Aquino, citado por Ravasi, afirmou que "a oração é
um ato da razão que aplica o desejo da vontade naquele que não está sob o
nosso poder, mas é superior a nós": Deus.
O verbo lutar, disse Ravasi, sugere a luta entre Jacó e o anjo, "que
Oseias, séculos mais tarde, interpreta como uma oração". De acordo com o
profeta, Jacó lutou com o anjo, "venceu, chorou e pediu a graça" (Os
12,5).
A oração, especialmente quando é autêntica, envolve sofrimento e
súplica a Deus. Na oração há um componente de luta que nasce da
dificuldade de entender a vontade de Deus e que, às vezes, "raia a
blasfémia". Mas Deus, que "lê no profundo", escuta mais facilmente uma
blasfémia desabafada com fé e de coração do que "tantas orações
mecânicas de domingo de manhã".
O quarto verbo é amar. A experiência do Deus-amor é distintamente
cristã. Em outras religiões, "ele não está perto de nós o suficiente
para poder ser abraçado". Longe de ser um "motor imóvel", como
Aristóteles afirmava, o Deus cristão "não é um Deus do qual se quer
falar, mas um Deus a quem se quer falar".
É por isso que, para o cristão, "a oração deve ter essa dimensão de
intimidade festiva, de colóquio", sempre compatível com as três
dimensões já citadas: a respiração, o pensamento e a luta.
Um quinto componente, que, em certo sentido, envolve os quatro verbos
da oração, é o silêncio. “Dois verdadeiros enamorados”, exemplifica
Ravasi, “quando já esgotaram todo o arsenal de clichés e estereótipos do
amor, se realmente estão enamorados, se olham nos olhos e não dizem
nada”.
A oração não é diferente: é um "cruzar silencioso dos olhares, que
derrama a verdadeira contemplação orante”, disse, em conclusão, o
biblista.
Os exercícios espirituais para o papa e para os membros da cúria
romana terminam na manhã de sábado, 23 de Fevereiro. Ficam suspensas,
até lá, todas as audiências com o papa, inclusive a audiência geral da
quarta-feira.
in
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