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quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Ecologia integral: o Homem no Centro da Criação


O clero das Dioceses de Évora, Setúbal, Beja e Algarve, reunido no Hotel Alísios, Albufeira, Algarve, nas Jornadas de Actualização do Clero, promovidas pelo Instituto Superior de Teologia de Évora, nos dias 20 a 23 de Janeiro de 2020, subordinadas ao Tema – Ecologia integral: o homem no centro da criação - em ambiente de recolhimento, estudo e convívio, tendo como documento de referência a Carta Encíclica do Papa Francisco Laudato Si, com a colaboração de vários especialistas nestas áreas do saber, partilha as seguintes conclusões:
1. No início do terceiro milénio, as nações concordaram em promover o desenvolvimento sustentável, que inclui a economia, o social a governança e o ambiente. Estes objectivos, traçados, em primeiro lugar, para os países em vias de desenvolvimento, foram, em 2015, data da publicação da Laudato Si e do Acordo de Paris, alargados a todos os países, tendo como suportes essenciais as pessoas, a prosperidade, a paz, a parceria e o planeta (os chamados 5 p`s). A questão climática ganhou então mais relevância e é hoje uma das coordenadas essenciais no cumprimento das metas que os países assumiram.
2. Em contraste com a Doutrina Social da Igreja, o desenvolvimento confunde-se, muitas vezes, com o crescimento económico. Mas, o desenvolvimento humano integral não pode limitar-se ao crescimento da riqueza de um indivíduo, de um grupo ou de uma nação. Há hoje uma obrigação moral de cuidarmos uns dos outros pelo facto de todos fazermos parte da única família humana. Quando cinquenta por cento da riqueza produzida no mundo está nas mãos de um por cento da população, compreende-se que o Papa Francisco diga que “esta economia mata” pois, muitos dos outros noventa e nove por cento são excluídos, são “resíduos”, são “sobras” (Evangeli Gaudium, 53). Não se equivalem o “nível de vida” e a “qualidade de vida”.
3. Deus confiou ao homem a tarefa de “guardar o jardim” (Gn 2,15), de cuidar da casa comum. Pela sua inteligência e pelo seu trabalho, o homem torna-se colaborador da criação não no sentido de se servir dos bens no seu próprio interesse mas, cultivando o sentido da “sociabilidade”. É necessário passar de uma “ética consequencialista”, que legitima o interesse do indivíduo e conduz ao individualismo e ao domínio despótico, para a responsabilidade da “guarda do jardim”, que passa pela adopção de um estilo de vida mais simples, de saber viver com o suficiente e partilhar, renunciando a fazer da realidade um mero objecto de uso e de domínio. “O desenvolvimento será sustentável quando cada um satisfizer as necessidades de hoje sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as próprias necessidades” (NAÇÕES UNIDAS, World Commission on Environment and Development: Our Common Future, New York 1983, p.49).
4. A grave crise ecológica que o mundo está a enfrentar, obriga, como tantas outras crises da história da humanidade, a rever conceitos filosóficos e antropológicos porque, como diz a Laudato Si, “não há ecologia sem uma adequada antropologia” (nº118). É necessário superar os dualismos entre o ôntico e o ontológico. Isto não significa que se passe do antropocentrismo para o biocentrismo, que considera todos os seres vivos ao mesmo nível. Importa, acima de tudo, reconhecer que tudo está conectado, que dependemos uns dos outros e ninguém se basta a si próprio; que todas as criaturas têm o seu valor próprio e a relação entre elas é uma das chaves da ecologia integral.
5. A Sagrada Escritura fala do homem de maneira dinâmica, nas suas relações com a terra em que vive, com a cultura, a sociedade e a economia. A fé na criação é um motivo teológico que está presente nos vários livros e é um dos temas que liga o Antigo ao Novo Testamento. Deus criou os céus e a terra, os homens e todas as criaturas, e a obra criada é sempre acompanhada pela interacção de Deus e do homem. Este assume-se como participante, destinatário e sujeito de intervenção, em cumplicidade com todo o decorrer da acção criadora.
6. A beleza da criação é constantemente celebrada na Liturgia da Igreja, onde se proclama a Palavra de Deus e onde são retomados os cânticos mais expressivos como o Sl 8; 104; 148; o louvor das criaturas de Dn 3,57-88. Várias orações do Missal Romano, Colectas e Prefácios, permitem-nos a nós, presbíteros, que presidimos à Eucaristia, desenvolver uma genuína “espiritualidade ecológica” proposta pela Laudato Si (nº216), que ultrapassa a contínua “auto-referencialidade” e o “individualismo”, para reconhecer a exigência de uma conversão interior, que leva a afirmar o primado do encontro com Cristo e o estabelecimento de novas relações com o mundo como guardiães da criação.
7. Também o compromisso com a Nova Evangelização deve adoptar um paradigma mais relacional. Exige de nós mais interactividade e mais dinamismo na relação com Deus, com os outros, connosco próprios e com a natureza. Comunicar a alegria do Evangelho exige proximidade, diálogo, paciência, acolhimento cordial. Nesta sociedade mediática e global, evangelizar é entrar em contacto.
8. Depois das grandes descobertas científicas do século XIX, no século XX, a ciência reconheceu os seus limites na procura da verdade, admitindo conviver com a incerteza experimental, a incerteza lógica e a incerteza do início do mundo. A própria teoria evolucionista é hoje interpretada como desenvolvimento por cooperação e não por confronto e destruição. Mas, um dos problemas maiores colocados à ciência é o da possibilidade de conflito entre os seres nascidos e os seres fabricados. Os fluxos de consciência são diferentes e, a consciência dos seres fabricados pode sobrepor-se aos nascidos. O conhecimento do homem é um conhecimento envenenado. A ciência estuda as probabilidades, entendidas como a medida de quão certo cada um está; estas probabilidades obtêm-se pela combinação dos argumentos e do seu peso; ora, é a relação destes dois elementos que dá origem ao sistema de crenças que a própria ciência não pode descurar.

9. Algumas leis recentes, em Portugal, situam-se no âmbito da “doutrina do bem-estar animal” sem lhes reconhecer a qualidade de sujeitos de direitos. Mas, há quem lhes queira atribuir um estatuto comparável ao das pessoas, argumentando que somos todos animais e, portanto, todos iguais. Ora, o direito supõe atributos de liberdade e responsabilidade, que são prerrogativas exclusivas dos seres humanos. Deve falar-se, antes, em normas de protecção dos animais, e isto são “deveres do homem”, não “direitos dos animais”. A mensagem bíblica convida-nos a respeitar a integridade da criação e, ao mesmo tempo, a distinguir o estatuto ontológico e ético da pessoa humana e dos outros animais. A pessoa humana não pode nunca, como podem os outros animais, em certas condições, ser tratada como meio em relação a um fim que lhe é alheio; deve ser sempre tratada como fim em si mesma.




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