O clero das Dioceses de Évora, Setúbal,
Beja e Algarve, reunido no Hotel Alísios, Albufeira, Algarve, nas Jornadas de
Actualização do Clero, promovidas pelo Instituto Superior de Teologia de Évora,
nos dias 20 a 23 de Janeiro de 2020, subordinadas ao Tema – Ecologia
integral: o homem no centro da criação - em ambiente de recolhimento,
estudo e convívio, tendo como documento de referência a Carta Encíclica do Papa
Francisco Laudato Si, com a colaboração de vários especialistas nestas
áreas do saber, partilha as seguintes conclusões:
1. No início do terceiro milénio, as nações concordaram em promover
o desenvolvimento sustentável, que inclui a economia, o social a governança e o
ambiente. Estes objectivos, traçados, em primeiro lugar, para os países em vias
de desenvolvimento, foram, em 2015, data da publicação da Laudato Si e
do Acordo de Paris, alargados a todos os países, tendo como suportes essenciais
as pessoas, a prosperidade, a paz, a parceria e o planeta (os chamados 5 p`s).
A questão climática ganhou então mais relevância e é hoje uma das coordenadas
essenciais no cumprimento das metas que os países assumiram.
2. Em contraste com a Doutrina Social da Igreja, o desenvolvimento
confunde-se, muitas vezes, com o crescimento económico. Mas, o desenvolvimento
humano integral não pode limitar-se ao crescimento da riqueza de um indivíduo,
de um grupo ou de uma nação. Há hoje uma obrigação moral de cuidarmos uns dos
outros pelo facto de todos fazermos parte da única família humana. Quando
cinquenta por cento da riqueza produzida no mundo está nas mãos de um por cento
da população, compreende-se que o Papa Francisco diga que “esta economia mata”
pois, muitos dos outros noventa e nove por cento são excluídos, são “resíduos”,
são “sobras” (Evangeli Gaudium, 53). Não se equivalem o “nível de vida”
e a “qualidade de vida”.
3. Deus confiou ao homem a tarefa de “guardar o jardim” (Gn 2,15),
de cuidar da casa comum. Pela sua inteligência e pelo seu trabalho, o homem
torna-se colaborador da criação não no sentido de se servir dos bens no seu
próprio interesse mas, cultivando o sentido da “sociabilidade”. É necessário
passar de uma “ética consequencialista”, que legitima o interesse do indivíduo
e conduz ao individualismo e ao domínio despótico, para a responsabilidade da “guarda
do jardim”, que passa pela adopção de um estilo de vida mais simples, de saber
viver com o suficiente e partilhar, renunciando a fazer da realidade um mero
objecto de uso e de domínio. “O desenvolvimento será sustentável quando cada um
satisfizer as necessidades de hoje sem comprometer a capacidade de as gerações
futuras satisfazerem as próprias necessidades” (NAÇÕES UNIDAS, World
Commission on Environment and Development: Our Common Future, New York
1983, p.49).
4. A grave crise ecológica que o mundo está a enfrentar, obriga,
como tantas outras crises da história da humanidade, a rever conceitos
filosóficos e antropológicos porque, como diz a Laudato Si, “não há
ecologia sem uma adequada antropologia” (nº118). É necessário superar os
dualismos entre o ôntico e o ontológico. Isto não significa que se passe do
antropocentrismo para o biocentrismo, que considera todos os seres vivos ao
mesmo nível. Importa, acima de tudo, reconhecer que tudo está conectado, que
dependemos uns dos outros e ninguém se basta a si próprio; que todas as
criaturas têm o seu valor próprio e a relação entre elas é uma das chaves da ecologia
integral.
5. A Sagrada Escritura fala do homem de maneira dinâmica, nas suas
relações com a terra em que vive, com a cultura, a sociedade e a economia. A fé
na criação é um motivo teológico que está presente nos vários livros e é um dos
temas que liga o Antigo ao Novo Testamento. Deus criou os céus e a terra, os
homens e todas as criaturas, e a obra criada é sempre acompanhada pela
interacção de Deus e do homem. Este assume-se como participante, destinatário e
sujeito de intervenção, em cumplicidade com todo o decorrer da acção criadora.
6. A beleza da criação é constantemente celebrada na Liturgia da
Igreja, onde se proclama a Palavra de Deus e onde são retomados os cânticos
mais expressivos como o Sl 8; 104; 148; o louvor das criaturas de Dn 3,57-88.
Várias orações do Missal Romano, Colectas e Prefácios, permitem-nos a nós,
presbíteros, que presidimos à Eucaristia, desenvolver uma genuína
“espiritualidade ecológica” proposta pela Laudato Si (nº216), que
ultrapassa a contínua “auto-referencialidade” e o “individualismo”, para
reconhecer a exigência de uma conversão interior, que leva a afirmar o primado
do encontro com Cristo e o estabelecimento de novas relações com o mundo como
guardiães da criação.
7. Também o compromisso com a Nova Evangelização deve adoptar um
paradigma mais relacional. Exige de nós mais interactividade e mais dinamismo
na relação com Deus, com os outros, connosco próprios e com a natureza.
Comunicar a alegria do Evangelho exige proximidade, diálogo, paciência,
acolhimento cordial. Nesta sociedade mediática e global, evangelizar é entrar
em contacto.
8. Depois das grandes descobertas científicas do século XIX, no
século XX, a ciência reconheceu os seus limites na procura da verdade,
admitindo conviver com a incerteza experimental, a incerteza lógica e a
incerteza do início do mundo. A própria teoria evolucionista é hoje
interpretada como desenvolvimento por cooperação e não por confronto e
destruição. Mas, um dos problemas maiores colocados à ciência é o da
possibilidade de conflito entre os seres nascidos e os seres fabricados. Os
fluxos de consciência são diferentes e, a consciência dos seres fabricados pode
sobrepor-se aos nascidos. O conhecimento do homem é um conhecimento envenenado.
A ciência estuda as probabilidades, entendidas como a medida de quão certo cada
um está; estas probabilidades obtêm-se pela combinação dos argumentos e do seu peso;
ora, é a relação destes dois elementos que dá origem ao sistema de crenças que
a própria ciência não pode descurar.
9. Algumas
leis recentes, em Portugal, situam-se no âmbito da “doutrina do bem-estar
animal” sem lhes reconhecer a qualidade de sujeitos de direitos. Mas, há quem
lhes queira atribuir um estatuto comparável ao das pessoas, argumentando que
somos todos animais e, portanto, todos iguais. Ora, o direito supõe atributos
de liberdade e responsabilidade, que são prerrogativas exclusivas dos seres
humanos. Deve falar-se, antes, em normas de protecção dos animais, e isto são
“deveres do homem”, não “direitos dos animais”. A mensagem bíblica convida-nos
a respeitar a integridade da criação e, ao mesmo tempo, a distinguir o estatuto
ontológico e ético da pessoa humana e dos outros animais. A pessoa humana não
pode nunca, como podem os outros animais, em certas condições, ser tratada como
meio em relação a um fim que lhe é alheio; deve ser sempre tratada como fim em
si mesma.
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