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domingo, 7 de abril de 2019

Preciso de me atualizar

Aguardávamos a chamada do médico numa clínica traumatológica, cuja freguesia é normalmente heterogénea. Engessados e mancos ombreiam pessoas com curativos na cabeça e tipoias. Com alguma imaginação é possível construir pequenas fantasias sobre os eventos que trouxeram cada um deles aquele reduto de dores e dúvidas. O senhor, sozinho, com olhar fixo, pode ter caído da escada, fraturando seu braço depois de uma discussão com a mulher. A senhora que tem uma faixa em torno da cabeça, ladeada pelo neto com escoriações no rosto, deve ter se acidentado quando o ónibus em que viajavam colidiu com um poste.

Humilde, quase em demasia, se é que se pode criticar um nível de humildade, a velhinha olhava seu neto sem nada falar. Não sei se tentava consolá-lo ou queria medir sua apreensão. Como em quase todas as salas de espera de consultórios, uma televisão impunha sua ditadura. Hoje é impossível ler alguma coisa enquanto esperamos qualquer atendimento. Ou é um celular tocando, ou um programa televisivo que mal se escuta, ou as indiscrições cada vez mais comuns, que denunciam certo despudor. Tomamos conhecimento, sem querer, de cada coisa ...

Enquanto um plantão de notícias informava que fulano de uma construtora e beltrano do governo mantinham relações nada saudáveis, cutucando nossa indignação, uma atendente aproximou-se da velhinha e, com algum constrangimento, perguntou a ela se sabia que o procedimento a que se submeteria tinha que ser pago.

- Sim, minha filha. Nós sabemos ...

Enquanto unia as mãos em prece, sentada mas com a alma de joelhos, a velhinha arrematou:

- E graças a Deus nós temos o dinheiro.

O valor, dito de tal forma que todos os circunstantes pudessem ouvir, beirava um salário-mínimo. Sem qualquer pieguice, parecia óbvio que aquela gente arrancaria de sua mesa a importância, mas o que fazer se o caso era de saúde? Nos chamaram então para a consulta, patrocinada por nosso convénio médico, que pagamos, a contragosto, por não acreditar que o sistema público possa nos socorrer de forma razoável em qualquer ponto do país. Nem nós, nem os presidentes, afinal é no Sírio Libanês que vão tratar suas mazelas, dando uma demonstração desanimadora de incoerência. Lula e Dilma faziam o mesmo, a despeito de sua incurável demagogia. Boquirrotos, juravam defender os miseráveis enquanto se hospedavam em hotéis caríssimos, viajando numa aeronave estrangeira, quando deveriam ter prestigiado a Embraer.

Entregamos ao médico os exames, que aparentemente analisou com destreza. Em segundos explicou o que ocorrera num menisco de minha esposa e a seguir informou que o procedimento recomendável era uma cirurgia. Enquanto nos entreolhávamos, com algum desapontamento diante do diagnóstico, ele disse que só havia um pequeno entrave. Logo pensei que se referia a alguma peculiaridade da lesão ou às dificuldades do período de recuperação.

- O problema é que o convénio paga muito pouco por esta cirurgia e não posso fazê-la. Meu   preço é tanto ...

Como longe estou de ser hipocondríaco, convivo pouco com a classe e confesso que mal acreditei no que escutara. Disse a ele que não pretendíamos pagar nada por fora, porquanto já despendíamos um valor bem razoável com o convénio, ao qual aliás ele pertencia. Diante desta colocação, teve a mesma sensibilidade de um rinoceronte: vocês podem procurar outro colega ...

Sei que a profissão de médico é espinhosa, mas cresci escutando que ela é um sacerdócio ... E que os formandos fazem o juramento de Hipócrates, cujo teor é tão bonito quanto, talvez, fora de época. Vai ver ando meio piegas, a acreditar em coisas que ficaram lá na Grécia, mas sugiro que o juramento seja dispensado das cerimónias. Não precisa mais. Saiu de moda.

J. B. Teixeira



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