Vivemos um tempo em
que a verdade está soterrada sob a cinza da desfaçatez. Os exemplos são
múltiplos. Ouvimos falar de governança, sustentabilidade, responsabilidade
fiscal e outros quetais cuja efetividade é algo bem perto do nada. O fenómeno embraça toda a humanidade, mas por aqui tem o viço dos trópicos. Na maltratada fauna
do Brasil há uma espécie longe da extinção, a dos papagaios políticos. Que
palram sem pudor, nos executivos e legislativos, ora sérios, ora histriônicos,
ora posando de povo, ora rezando preces que desconhecem, ora ditando bobagens
para plateias que aplaudem quando prefeririam vaiar. Dizem que somos livres,
porque podemos votar de vez em quando. Será que isto é ser livre? Traço
simbólico de liberdade, dizem que podemos protestar sem tomar borrachada da
polícia ou aspirar gás lacrimogéneo. Então somos livres? Mesmo se os que têm
poder, os que legislam e os que julgam tapam os ouvidos?
Às vezes penso
que temos a liberdade de encarcerados, num presídio de espessas paredes e altos
muros invisíveis. No nosso quadrado, relegados à insignificância, podemos
gritar à vontade, mas estamos confinados e ninguém nos dá atenção alguma. Que
liberdade placeba é esta em que você pode gritar à vontade mas o efeito é
inócuo, como se você não tivesse voz?
Vendo o povo
pelas ruas, enfeiado, empobrecido, em desalinho, desapropriado do saber,
tratado como vassalo e massa de manobra, tento entender algumas coisas, como a
onda das tatuagens. Seria o efeito manada? Parece que “Admirável gado novo”, de Zé Ramalho, mantém-se atual. “O povo foge da ignorância”, mas de fato
vive muito perto dela e contempla “a vida
numa cela”. Liberdade, em que céu te escondes deste povo marcado, povo
feliz?
Mantidas as
instituições, só o judiciário pode abater os políticos que nos levaram à
insolvência. O impostômetro da Associação Comercial de São Paulo atingiu 500
bilhões no primeiro trimestre nove dias antes do que o fez no ano passado.
Séria contradição: a economia afunda, a sonegação aumenta, mas o governo arrecada
mais. Como sair desta areia movediça se os juízes não querem sequer fazer parte
do regime previdenciário a que pertence a grande maioria?
A concentração de
renda não é um problema brasileiro, senão mundial, ainda que aqui tudo ganhe
contornos dramáticos. Os dados globais são estarrecedores: cerca de 1% da
humanidade detém metade de toda a riqueza do mundo. A comunicação acelerada e o
avanço da globalização recrudesceram isto, conduzindo o mundo a um patamar
sombrio. As grandes corporações não se contentam mais em apenas vender para todos
os quadrantes da terra. Vão muito além: querem controlar a água, a energia, o
alimento, o entretenimento e vão se apoderando dos recursos naturais dos países
periféricos. O maestro desta orquestra é o sistema financeiro. No passado os
judeus eram acusados de desgraçar o mundo. O escritor e poeta Ezra Pound, por
exemplo, criticou violentamente o capitalismo, os judeus e a usura, mas sabemos
muito bem que a exploração do homem pelo homem não tem etnia ou religião.
Petróleo, guerras e reconstrução de países constituem-se nos
grandes negócios do planeta, e o que se colhe desta semeadura é o aumento da
poluição, dos conflitos fratricidas e o avanço da cultura da morte. Eutanásia e
aborto são difundidos como pilares de libertação, a despeito de histórias
notáveis da humanidade. Händel compôs a obra Messias em idade avançada e estado
precário. Talvez não pudesse fazê-lo dentro de vinte anos, quando os velhos
talvez sejam perseguidos como estorvos sociais e abatidos por “caridosos” profissionais. Quanto à
interrupção da gravidez, é célebre o debate entre um geneticista e um
abortista: “Sabendo-se que um pai
sifilítico e uma mãe tuberculosa tiveram quatro filhos: o primeiro, cego de
nascença; o segundo, morto logo após o parto; o terceiro, surdo-mudo; o quarto,
tuberculoso, e que a mãe ficou grávida de um quinto filho, o que o senhor
faria?” “Eu interromperia essa gestação”, respondeu o abortista. “Então o
senhor teria matado Beethoven”. Liberdade não respira sem ética.
Estranha pulsão
esta a de matar e acumular sem parar. Louvados sejam os empreendedores,
desprestigiados sejam os indiferentes pela sorte alheia. Por aqui seguiremos
perguntando que liberdade é esta que nos faz viver debaixo dos tantos escroques
que nos governam, nos exploram e que seguem livres. Liberdade, quando a
teremos, de fato? Louvada seja a perspicácia de um Edu Lobo, que já na década
de sessenta pontificava: “Capoeira! Posso
ensinar. Ziquizira! Posso tirar. Valentia! Posso emprestar. Mas liberdade, só
posso esperar ...”.
J. B. Teixeira |
Sem comentários:
Enviar um comentário