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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Black Friday não traz “desconto” nos sintomas de Oniomania



A oniomania, também designada por Perturbação Compulsiva por Compras, é considerada uma doença psiquiátrica caraterizada por um desejo recorrente e descontrolado de realizar compras. Estima-se que atinja 6 por cento da população geral, e a maioria dos estudos indica que cerca de 90 por cento são mulheres.
Os principais sintomas consistem em comportamentos repetitivos, pensamentos intrusivos e preocupações relacionadas com compras e impulsos para comprar, os quais são vivenciados como irresistíveis e de difícil controlo. Os doentes descrevem uma sensação de tensão e de ansiedade crescente, que só alivia quando a compra é realizada. Posteriormente geram-se habitualmente sentimentos de culpa, angústia e preocupação. É frequente serem adquiridos objetos supérfluos e de elevado valor, conduzindo a problemas financeiros graves.
A oniomania tem início no final da adolescência ou na segunda década de vida, o que poderá estar relacionado com a emancipação do núcleo familiar, acesso a contas bancárias e uso compulsivo do computador, particularmente a utilização de sites onde é possível fazer compras online.
Estes comportamentos provocam sofrimento no indivíduo, são consumidores de tempo e podem originar problemas ao nível pessoal, familiar, legal e financeiro. Sintomas de depressão, ansiedade, distúrbios alimentares e/ou uso de substâncias são comuns nos doentes que sofrem desta doença.
É importante distinguir estes comportamentos daqueles que decorrem dentro dos padrões considerados normais. Os gastos excessivos episódicos que ocorrem em ocasiões especiais (festas, aniversários, férias, etc.) não configuram necessariamente este diagnóstico, principalmente se não estiverem associados à preocupação ou angústia, e se não implicarem consequências adversas.
Ainda não estão esclarecidas as causas desta perturbação, mas sabe-se que estão envolvidos fatores neurobiológicos, psicológicos e sociais. Traços obsessivos e impulsividade são características da personalidade que estão frequentemente associadas à doença. Alguns fatores socioculturais são reforçadores deste tipo de comportamentos, particularmente a crença de que a aquisição de bens representa ascensão social, poder, prestígio e autonomia financeira.
Para além disso, o estímulo para o consumo e a disponibilidade de uma ampla gama de produtos podem contribuir para o desenvolvimento da doença. As estratégias de marketing relacionados com promoções atrativas, como a época da “Black Friday”, podem conduzir a um aumento do risco para as compulsões por compras, agravando assim os sintomas.
O curso da doença é normalmente crónico e intermitente. O tratamento envolve acompanhamento psiquiátrico regular, psicoterapia e intervenção farmacológica. As intervenções em grupo são benéficas, dado que proporcionam um ambiente de apoio e encorajamento mútuos. A terapia de casal também pode ser necessária, caso se verifique problemática no relacionamento conjugal precipitada pela doença.
Para prevenir a compulsão por compras, os doentes são orientados no sentido de alterarem os seus comportamentos e hábitos de vida. Por exemplo, sugere-se para estes doentes: evitar épocas de promoções, evitar frequentar regularmente centros comerciais ou fazê-lo em companhia, não levar cartão de crédito ou usar crédito limitado, fazer listas previamente para adquirir apenas o que é necessário, e evitar a utilização sites de compras online.

Sobre a UPPC
A Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra tem por missão contribuir para o bem-estar da população através da oferta de cuidados de saúde, de atividades de formação e de investigação, na área da Psiquiatria e saúde mental, de acordo com padrões de referência internacionais. Para mais informações consulte: http://uppc.pt/

Dra. Luísa Lagarto



2 comentários:

  1. Fantástico, pela primeira vez eu vejo um esclarecimento honesto e com fundamento científico sobre este tema.
    Toda a sociedade apela ao consumo, é mesmo doentio…
    Tb elogio o Blog por publicar estes textos que vão um pouco contra corrente. Nem sempre os Jornais gostam deste artigos pq colidem com o comércio…
    Parafraseando o Prof. Carlos Fiolhais no seu livro A Ciência e os seus Inimigos: como é possível os jornais católicos trazerem horóscopos eu acrescento: como é possível que os jornais católicos não publiquem artigos explicando que o Halloween não tem nada de cristão, é uma brincadeira de mau gosto, pagã e perigosa, mas se pratica pq se tornou numa onda comercial...
    Parabéns Drª Luísa Lagarto e bem haja pela sua coragem

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  2. Senhora Doutora
    Venha felicitá-la pelo artigo escrito.
    A clareza da abordagem de um comportamento, que se manifesta de uma forma tão insidiosa, emergente das nossas fragilidades, pela pressão e manipulação de uma sociedade de consumo, que atinge todos os grupos sociais, tem já uma dimensão de patológica expressão, camuflada em pretensa modernidade, jovialidade e poder.
    Alargar este comportamento a outras áreas em que o factor económico está associado a campanhas que promovem a desestruturação do ser humano, nos seus conceitos e valores é algo ainda, de difícil aceitação.
    A coragem do seu artigo, mostra que dentro da saúde mental, ainda existem profissionais que primam pelo profissionalismo e verdade, denunciando como disfuncionantes, tantos comportamentos, agora já assumidos como "normais".
    AMS

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