No tradicional encontro para as felicitações de Ano Novo, o Santo
Padre analisa as causas e propõe soluções para a crise migratória
“Só uma forma ideologizada e extraviada de religião
pode pensar fazer justiça em nome do Omnipotente, massacrando
deliberadamente pessoas indefesas, como aconteceu nos sanguinários
ataques terroristas dos meses passados na África, Europa e Médio
Oriente”, destacou o Papa Francisco na manhã desta segunda-feira (11),
ao receber os membros do corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé
para as felicitações de Ano Novo.
Durante seu minucioso discurso, o Papa recordou que "toda a
experiência religiosa, vivida autenticamente, só pode promover a paz".
Aliás, ele assegurou que “o mistério da Encarnação mostra-nos o
verdadeiro rosto de Deus, para quem o poder não significa força e
destruição, mas amor; a justiça não significa vingança, mas
misericórdia”. Nesta perspectiva, Francisco destacou o Jubileu
extraordinário da Misericórdia inaugurado em Central Africano República,
durante sua viagem apostólica à África. A este respeito, o Santo Padre
disse que a abertura da Porta Santa da Catedral de Bangui foi como "um
sinal de encorajamento para erguerem o olhar, retomarem o caminho e
reencontrarem as razões do diálogo.
Francisco explicou que a misericórdia tem sido o "fio condutor" que
guiou suas viagens apostólicas ao longo do ano passado. Então, relembrou
sua visita a Sarajevo, Bolívia, Equador e Paraguai, Cuba e Estados
Unidos.
Ele também fez referência à importância da família "que é a primeira e
mais importante escola de misericórdia, na qual se aprende a descobrir o
rosto amoroso de Deus e onde cresce e se desenvolve a nossa
humanidade”. Francisco chamou a atenção para “medo generalizado à
condição definitiva que a família supõe e, quem o paga, são sobretudo os
mais novos, muitas vezes frágeis e desorientados, e os idosos que
acabam por ser esquecidos e abandonados”.
E afirmou que "um espírito individualista é terreno fértil para
medrar aquele sentido de indiferença para com o próximo, que leva a
tratá-lo como mero objecto de comércio, que impele a ignorar a humanidade
dos outros e acaba por tornar as pessoas medrosas e cínicas”.
O Santo Padre reflectiu sobre a grave emergência imigração que estamos
enfrentando. Assim, referiu-se a voz de “milhares de pessoas que choram
enquanto fogem de guerras horríveis, de perseguições e violações dos
direitos humanos, da instabilidade política ou social, que
frequentemente lhes tornam impossível a vida na própria pátria”. É
triste constatar, alertou Francisco, que muitas vezes estes migrantes
não se enquadram nos sistemas de protecção baseados nos acordos
internacionais.
Francisco alertou sobre a gravidade de “habituar-se a estas situações
de pobreza e necessidade, aos dramas de tantas pessoas, fazendo com que
se tornem «normalidade»”.
Para o Santo Padre “é preciso um compromisso comum que inverta
decididamente a cultura do descarte e da violação da vida humana, para
que ninguém se sinta negligenciado ou esquecido nem sejam sacrificadas
mais vidas pela falta de recursos e sobretudo de vontade política”.
Neste sentido, Francisco falou da arrogância dos poderosos que, para
fins egoístas ou por cálculos estratégicos e políticos,
“instrumentalizam os fracos, reduzindo-os a objectos para fins egoístas”,
referindo-se a quem prática o tráfico ou o contrabando de seres
humanos. Assim, ele reiterou o apelo “a deter o tráfico de pessoas, que
mercantiliza os seres humanos, especialmente os mais fracos e
indefesos”.
Reflectindo sobre as causas da emigração, o Santo Padre observou que
“desde há muito tempo que se poderia ter enfrentado grande parte das
causas das migrações”. E hoje, antes que seja tarde demais, “muito se
pode fazer para impedir as tragédias e construir a paz”. Mas isto
significaria “pôr em discussão hábitos e práticas consolidadas”, a
começar “pelas problemáticas relacionadas com o comércio dos armamentos,
até ao problema da conservação de matérias-primas e energia, aos
investimentos, às políticas de financiamento e apoio ao desenvolvimento,
até à grave chaga da corrupção". Por isso, é necessário “estabelecer
projectos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de
emergência”, afirmou ele.
O Santo Padre dedicou uma especial reflexão à Europa que ao longo do
ano passado, viu-se afectada por um fluxo impressionante de refugiados,
despertando “muitas dúvidas sobre as reais possibilidades de recepção e
adaptação das pessoas, sobre a mudança do meio cultural e social dos
países de acolhimento, bem como a redefinição de alguns equilíbrios
geopolíticos regionais”. Esse fluxo migratório “parece minar as bases
daquele «espírito humanista» que a Europa ama e defende desde sempre”,
destacou Francisco. “Mas não se pode dar ao luxo de perder os valores e
os princípios de humanidade, de respeito pela dignidade de cada pessoa,
de subsidiaridade e de mútua solidariedade, mesmo que, em alguns
momentos da história, possam constituir um fardo difícil de levar”.
Assim, ele reiterou a sua convicção de que a Europa, “ajudada pelo
seu grande património cultural e religioso, possui os instrumentos para
defender a centralidade da pessoa humana e encontrar o justo equilíbrio
entre estes dois deveres: o dever moral de tutelar os direitos dos seus
cidadãos e o dever de garantir a assistência e o acolhimento dos
migrantes”.
O Santo Padre expressou sua gratidão por “todas as iniciativas que
foram tomadas para favorecer uma recepção digna das pessoas”. Ele
assegurou que “as migrações constituirão uma pedra angular do futuro do
mundo, mais do que o têm sido até agora, e que as respostas só poderão
ser fruto dum trabalho comum, que respeite a dignidade humana e os
direitos das pessoas”.
Como indicado pelo Papa em seu longo discurso, para abordar a questão
da migração “é importante que seja dada atenção as suas implicações
culturais, a começar pelas relacionadas com a pertença religiosa”. A
este respeito, observou que o "extremismo e o fundamentalismo encontram
terreno fértil não só numa instrumentalização da religião para fins de
poder, mas também no vazio de ideais e na perda de identidade –
inclusive religiosa – que contra-distingue dramaticamente o chamado
Ocidente”. Para ele, “o acolhimento pode ser ocasião propícia para uma
nova compreensão e abertura de horizonte, tanto para quem é acolhido,
que tem o dever de respeitar os valores, as tradições e as leis da
comunidade que o acolhe, como para esta última chamada a valorizar
aquilo que cada imigrante pode oferecer para benefício de toda a
comunidade”.
No final do discurso, Francisco destacou “os acordos internacionais
importantes, que permitem olhar com esperança para o futuro”. Ele
mencionou o acordo sobre o programa nuclear iraniano e o acordo sobre o
clima na Conferência de Paris. E demonstrou sua preocupação com as
recentes tensões que surgiram na região do Golfo Pérsico, bem como na
preocupante experimentação militar realizada na Península Coreana.
Assim, ele expressou o desejo de que “as contra-posições dêem lugar à voz
da paz e à boa vontade de procurar acordos”.
Por fim, o Santo Padre afirmou que “o desafio maior de todos que nos
espera é o de vencer a indiferença para juntos construirmos a paz, que
permanece um bem a perseguir sem cessar”.
Clique aqui para ler o discurso completo.
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