Gotti Tedeschi fala sobre a sua saída do IOR e os começos da reforma, quando Bento XVI dizia que 'tínhamos que ser exemplares'
Roma, 03 de Abril de 2014 (Zenit.org)
Ettore Gotti Tedeschi foi o encarregado de realizar a
reforma inicial do Instituto para as Obras de Religião (IOR), que
presidiu desde 2009, cargo que ocupou até maio de 2012, quando foi
demitido pelo Conselho de Superintendência do IOR. Tedeschi foi acusado
de irregularidades na sua gestão, mas na semana passada a justiça
italiana declarou a sua inocência.
O ex-presidente concedeu uma entrevista para a revista Vida Nueva,
adiantada por Europa Press, na qual explica que se sente “amargurado”
porque “foi a justiça italiana que esclareceu a verdade sobre o que
aconteceu, enquanto que dentro da Igreja, pelo contrário, parece
prevalecer até agora a posição daqueles que me queriam marginalizar”.
Tedeschi explica que "quem impediu minha reabilitação prejudicou
muito a Igreja. Conseguiram impedir que não fosse interrogado, que não
se escute a minha versão e nem a minha verdade sobre os fatos mais
importantes destes últimos anos. Também sofro com todos os danos
relacionados com este assunto que, como consequência, sofreu a Igreja, e
agora Francisco. Quantas coisas teriam sido evitadas se não tivessem me
demitido”.
Da mesma forma expressou que espera que a decisão do judiciário mude a
atitude de uma parte da hierarquia eclesiástica com ele, e afirma que
“ao lado do Papa trabalham muitas pessoas santas, mas também estão
aqueles que não querem que saia a luz a verdade. Não desejam que seja
reabilitado porque minha reabilitação implicaria a acusação implícita de
outras pessoas".
Sobre o fato de ter guarda-costas, Tesdechi esclarece que nunca os
teve, embora reconheça que “houve um momento de fortíssima tensão,
ligado a acontecimentos anteriores à demissão”. E lembra o episódio do
documento que deixou à sua secretária. “Decidi então escrever uma breve
síntese para a minha secretária, que intitulei “Em caso de acidente”.
Disse-lhe que, se me acontecesse algo, o documento tinha que ser enviado
a três pessoas. Se não acontecesse nada, o documento e as suas
conclusões não tinham sentido. Quando esses documentos acabaram, não sei
como, nas mãos dos meios de comunicação, se considerou como uma
demonstração do meu medo ao perigo”.
Mas esclarece que em determinados momentos "é a prudência, mais do
que o medo, o que leva a elaborar uma documentação do que se está
vivendo, de modo que se acontecesse um acidente, os que ficassem,
soubessem as razões da minha prudência”. Graças a Deus e à magistratura
italiana, não aconteceu nenhum acidente, destaca o ex-presidente do IOR.
Por outro lado, explica que o Santo Padre deu-lhe a tarefa de fazer
uma serie de coisas que poderiam levar a Santa Sé a "uma disponibilidade
adequada para a transparência que os mercados financeiros
internacionais e os bancos centrais exigiam depois do 11 -S". Observa
que as dificuldades surgiram porque a Santa Sé não funciona como um
banco para terceiros, mas apoia obras religiosas. “Concentrei-me em
realizar determinados projectos para que não houvesse perda de confiança
nem de credibilidade com relação ao Santo Padre e à Igreja. A Igreja é a
maior autoridade moral no mundo e o Santo Padre é o seu mais alto
responsável. A ideia chave era de que essa autoridade moral fosse
apreciada pelo modo em que continuava esta nova disciplina financeira,
garantindo ao mesmo tempo a discrição das operações relacionadas com a
sua actividade”, indica na entrevista.
Gotti Tedeschi lembra que houve factos históricos que tinham colocado
em causa a credibilidade do IOR e que "não só me foi pedido que
conseguisse transparência e defendesse com discrição, mas também que a
Santa Sé fosse exemplar. Bento XVI dizia que tínhamos que ser
exemplares”. Depois menciona que "as leis contra a lavagem de dinheiro
sujo que propusemos estavam supervisionadas pela Autoridade de
Informação Financeira (AIF), que é um órgão interno da Igreja e cuja
presidência recaía então em um importantíssimo cardeal, Attilio Nicora” e
que “garantia que a aplicação da lei e dos procedimentos fosse
supervisionada por uma organismo da Igreja, não por um ente
externo”. Dessa forma especifica que “em caso de problemas, uma entidade
externa tinha que referir a uma autoridade interna da Igreja, o AIF.
Garantia assim a absoluta independência e autonomia. Também o direito a
discrição”.
Também lembra que o Moneyval (entidade de controle do Conselho de
Europa) visitou-os em Novembro de 2011, disse-lhes que tinham
realizado “um trabalho excelente", e que, embora tivessem que realizar
algumas correcções, se continuassem assim, poderiam entrar na White List.
Mas, observa Tedeschini, a ênfase que o cardeal Nicora e ele deram aos
controles internos, “não encontrou consenso por parte de muitos” e
mudaram a lei, levando-a a uma insatisfação da Moneyval. "Mudaram,
especialmente, o papel do AIF, que tinha que ser um organismo
independente, mas passou a depender da Secretaria de Estado. É como
fazer que o Banco da Itália dependa do Ministério do Tesouro. Moneyval o
considerou intolerável”, destaca o ex-presidente do IOR.
Ainda assim afirma que gostaria de falar com o Papa Francisco ou com
um emissário seu porque “ninguém nunca” lhe perguntou, embora o tenha
pedido “inúmeras” de vezes.
“Mentiram publicamente” ao Papa Bento XVI, revela. "Dizia-se que o
Papa sabia de tudo e era ele que tinha querido tudo dessa forma”, e
assim confirma como verdade o que disse o secretario pessoal de Bento
XVI, mons. Georg Gänswein, em entrevista ao jornal italiano 'Il
Messaggero' sobre que Ratzinger ficou surpreso com a demissão de
Tedeschi.
Por fim, ressaltou que "o pior é que hoje se reconhece que tinha
razão em tudo. De fato, teve-se que voltar às origens, aos procedimentos
de então. Tiveram até que voltar a colocar o AIF na posição que
pretendíamos. A magistratura falou que eu tinha actuado bem e que outros actuaram mal. O final do escândalo Vatileaks demonstrou que não filtrei
nenhum documento. Mas ninguém abriu uma investigação”.
[Trad.TS]
(03 de Abril de 2014) © Innovative Media Inc.
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