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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Quantos cristãos morrem como mártires cada ano: 1.200 ou cem mil? Depende como se conta…

Mártir é quem morre por dar testemunho, não por etnia 

Cristãos iraquianos refugiados na Jordânia, no coro
da noite de Páscoa, fazem o sinal da cruz
Actualizado 2 de Novembro de 2013

F.D.I / P.J.G /ReL

"Mártir" é uma palavra grega que significa "testemunha". Não há dúvida de que os cristãos estão sendo perseguidos e assassinados em muitas partes do mundo a um nível nunca visto antes.

Mas deve contar-se cada assassinato como um martírio? Pode-se falar sempre de caídos "por causa da sua fé"?

Cem mil, ou 1.200 por ano?
Em várias ocasiões, delegados da Santa Sé nas Nações Unidas e organismos internacionais falaram de que "cem mil cristãos" foram assassinados por causa da sua fé no ano 2012. Ao que parece, remitem-se a cálculos do Center for the Study of Global Christianity (CSGC).

Por outro lado, um observatório protestante que estuda a perseguição a cristão no mundo, Open Doors, apresenta uma lista (World Watch List) de 1.200 cristãos assassinados pela sua fé no ano 2012.

A que se deve esta divergência?

Um artigo publicado em Christianity Today assinala que parte da diferença procede de diferentes conceitos do que se estuda.

A definição "standard" de mártir, segundo os investigadores protestantes David Barrett e Todd Johnson, é: "Crentes em Cristo que perderam a sua vida prematuramente, dando testemunho, por perseguição humana".

Neste "dando testemunho" poderia estar a chave da divergência de cômputos.

Perseguições étnicas
Todd Johnson, director do CSGC, que estabelece umas cem mil vítimas ao ano, especifica que conta como mártires aqueles que são:
- mortos pelas suas crenças ou pela sua etnia (considerada "cristã" pelos seus assassinos),
- ou assassinados enquanto rezam na igreja
- ou assassinados porque são filhos de cristãos.

Neste sentido é preciso recordar que em muitos países as etnias se associam quase instintivamente a uma particular religião. Para Johnson, a cifra de 100.000 assassinados é uma constante anual ao longo da última década.
"Em finais do siglo XX e princípios do XXI, era sobretudo no Ruanda e no Sudão do Sul. Hoje os pontos quentes incluem a Indonésia, China ou Nigéria". Para não falar da Síria, ou Egipto.

Morrem como cristãos, mas não por evangelizar

Por outro lado, Nip Ripken, um investigador de um órgão missionário baptista, a Southern Baptist Convention´s International Mission Board, viajou ao Sudão do Sul e encontrou que muitas pessoas assassinadas pertenciam a famílias de tradição cristã, mas não constava que nas circunstâncias da sua morte houvessem dado testemunho aberto da sua fé. "Esses não deveriam ser computados como mártires", argumenta Ripken.

Ripken assegura que quando perguntava em sectores cristãos do Sudão do Sul como davam testemunho de Cristo aos muçulmanos, como lhes aproximavam a fé cristã, lhe respondiam: "Aproximar um muçulmano de Cristo? Porque teríamos que fazer tal coisa?"

Ripken põe também o exemplo dos milhares e milhares de cristãos fugidos do Iraque. "Não era perseguição por partilhar a fé com os seus vizinhos, mas sim violência sectária", argumenta. ("Sectário", em inglês, refere-se aqui a "entre facções" ou "entre grupos").

Uma zona cinzenta gigantesca

Frans Veerman, director da Open Doors, coincide com Ripken e adverte: "O número de 100.000 mártires é uma grande exageração, ainda que seja bem-intencionada".

Sem dúvida, admite que, pelo contrário, a cifra de 1.200 - que documenta o seu observatório – torna-se curta.

Veerman constata que existe uma "zona cinzenta gigantesca" neste tema.

"Muitos não são mártires no sentido estrito, mas quando as suas mortes são estudadas a fundo, podemos dizer que o são".

Põe vários exemplos: que se passa quando os cristãos são relegados às zonas insalubres, se lhes nega o acesso a água potável, se lhes nega a atenção médica, etc... Como sucede em algumas zonas do mundo? Ou se os impede de aceder a certos ofícios e se lhes limita a exercer só ofícios que minam a sua saúde prematuramente. São situações que a Open Doors documenta em amplas regiões.

Essas mortes, ligadas à discriminação e à perseguição, são martírio?

Open Doors está melhorando os seus métodos de recontagem de mártires para o ano que vêm. Jonhnson assinala que as paróquias e comunidades cristãs devem estar "atentas e orantes" perante a situação destes irmãos e que não se deve esquecer os mártires anónimos.

Letras ou números? Que edifica a fé?
Por sua parte, Ripken considera que as cifras inchadas dificultam que se conheçam bem as verdadeiras histórias de martírio.

Os números às vezes não deixam ver as histórias, e um martírio é "testemunho" quando se conhece, se narra e se medita, não quando se soma como uma cifra mais. Mas os números são necessários para marcar as realidades.

"A verdade importa", remata Ann Buwalda, directora da associação missionária protestante Jubilee: "A verdade muda a política".


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