Princípios da educação cristã
Roma, 20 de Novembro de 2013
Algo ainda pouco conhecido é que o Concílio Vaticano II,
concluído há mais de 50 anos, tenha tratado a importância da educação e a
sua grande influência no progresso dos povos. De fato foi publicada
então a declaração Gravissimum educationis exclusivamente sobre
o tema. Naquele texto constatava-se que a educação é cada vez mais
urgente, algo mencionado inclusive na Declaração universal dos direitos
humanos da ONU de 1948. E desde o século passado ocorre uma crescente
reflexão sobre os métodos pedagógicos[i]. Vejamos aqui algumas declarações dos padres conciliares naquele importante e pouco conhecido texto.
Uma das primeiras coisas ditas é em que consiste uma «educação
adequada»: é aquela que cultiva simultaneamente a verdade e a caridade,
ou seja, o amor pela verdade e a busca pelo verdadeiro bem (proémio). A
educação, pois, não se reduz a uma mera transmissão de informações, como
se insere dados num computador, mas é uma tarefa essencialmente humana e
visa a formação de homens íntegros. E isso só é possível com a
colaboração da inteligência e da liberdade do educador e do educando. Um
primeiro requisito então para uma autêntica educação é considerar cada
aluno como uma pessoa única e irrepetível, e não como uma fracção no meio
de um grupo. Isso implica o esforço por conhecer cada aluno pelo nome e
levá-lo a sair do anonimato da massa[ii]. É necessário então interpelar a responsabilidade pessoal, estimulando o jovem para que ele
se esforce em desenvolver as capacidades de que foi naturalmente dotado.
E outro desafio importante da educação é a integração dos diversos
saberes na unidade da vida pessoal. Se isso não ocorre, diversos sectores
do conhecimento disputarão entre si a primazia sobre os outros
(matemática, física, psicologia, história, sociologia, economia etc.),
como ocorre desde o início da modernidade. Como consequência, os alunos
se sentem perdidos e desestimulados. De fato, o conhecimento transmitido
deve ser assimilado e integrado, pois a pessoa é sempre uma realidade
una e nunca fragmentada[iii]. Quando ocorre a integração, as
pessoas amadurecem e se tornam preparadas para a vida social, para
trabalhar em prol do bem comum com espírito de verdadeiro respeito e
autêntico diálogo (n. 1).
E a Igreja tem a missão de anunciar o mistério da salvação e de
restaurar todas as coisas em Cristo, elevando tudo o que é humano ao
nível divino. Por isso a Igreja busca cuidar de toda a vida do homem e
desde as suas origens assume a tarefa de cultivar o progresso das
pessoas, educando-as segundo princípios próprios (proémio).
Um princípio da educação cristã afirmado é o direito inalienável de
todos os homens à educação. Isso provém da sua dignidade de pessoa, e
não de alguma concessão por parte do Estado ou de algum grupo social (n.
1).
Outro princípio importante diz que a educação deve corresponder ao
fim próprio do homem: a vida de comunhão com Deus e com o seu próximo[iv].
A verdadeira educação almeja a formação integral da pessoa em ordem ao
seu fim último o qual não exclui, mas engloba o bem das sociedades
terrenas (n. 1). De fato, dificilmente pode-se falar de uma ética sem
uma relação explícita com Deus. Os actuais modelos éticos, baseados no
chamado “pensamento débil”, conseguem ao máximo elaborar um limitado
código de conduta, uma espécie de “moral de mínimos” para evitar choques
frontais entre as liberdades individuais, mas isso é incapaz de
satisfazer as perguntas mais profundas do coração humano. Uma ética
satisfatória deve se articular ao redor da pergunta pelo bem, ou seja,
pelo que se deva fazer para ser bom e alcançar o fim último. Se não for
assim, pode-se aderir a códigos de condutas mais ou menos arbitrários,
mas não dirigir realmente a vida humana para a sua realização plena.
Para que a educação seja efectiva, diz ainda o Concílio, é preciso
considerar as contribuições das diversas ciências (psicologia e
pedagogia principalmente), de modo que os jovens sejam ajudados a
desenvolver harmonicamente as suas qualidades físicas, intelectuais e
morais, conquistando gradualmente o sentido da responsabilidade pela
própria vida e o conhecimento da autêntica liberdade (n. 1). A educação
deve então ajudar a apreciar e praticar os justos valores morais, sendo o
principal deles o conhecer e amar a Deus que criou o homem para ser seu
interlocutor. Deus criou o homem livremente, ou seja, por amor e para
amar, e nesse fato se funda a liberdade humana. Os Estados, portanto,
não podem negar aos jovens o «sagrado direito» de serem educados segundo
os valores morais e religiosos próprios e familiares.
Então o documento do Vaticano II diz que todos os cristãos têm o
direito a receber a educação cristã, a qual visa levar os jovens a
alcançar a maturidade humana e a conhecer o mistério da salvação no qual
foram inseridos. Por isso os alunos devem ter a possibilidade de
crescer na fé que receberam, de prestar culto a Deus, de levar uma vida
de justiça e santidade, colaborando com a expansão do Reino de Deus.
Desse modo os leigos se tornam conscientes da vocação que receberam de
conformar de modo cristão o mundo, o qual supõe assumir os valores
naturais na consideração integral do homem remido por Cristo. Os
cristãos sendo educados e agindo segundo a lei da liberdade cristã
cooperam ao desenvolvimento da sociedade terrena e trabalham pelo reino
de Deus para o qual foram chamados (n. 2).
[i] Gravissimum educationis, Declaração sobre a educação cristã, publicada em 28/10/1965. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_19651028_gravissimum-educationis_po.html
[ii] Horkheimer e Adorno analisaram a presumida auto-suficiência do progresso intelectual da modernidade. E denunciaram a
«triunfal desventura» causada pela hegemonia da técnica (superioridade
do «fazer» sobre o «ser»). A técnica «realiza a angústia mais antiga,
aquela de perder o próprio nome». Esse seria o custo pago quando se
trocou o antigo ideal sapiencial da educação para o moderno. Passou-se
do ideal de «saber viver» para o «saber fazer». Cfr. M. Horkheimer, T.W.
Adorno, Dialettica dell’illuminismo, Torino, Einaudi 1966, pp. 11, 36 e 37.
[iii] Cfr. C. Cardona, Etica del quehacer educativo, Rialp, Madrid 1990, cap. 1.
[iv] J. Maritain, L’educazione al bivio, Brescia, La
Scuola 1963, pp. 15-16: «Os seus meios [da educação contemporânea] não
são maus; ao contrário, são geralmente melhores daqueles da velha
pedagogia. O problema é precisamente que esses são tão bons que nos
fazem perder de vistas o fim [da educação]».
in
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