Por que o ateísmo e o relativismo são contraditórios
Roma, 29 de Abril de 2013
O absolutismo relativista exige que toleremos as mentiras
como se fossem verdades, e que não “toleremos” as verdades, como se
fossem mentiras.
Vimos anteriormente que o ateísmo e o relativismo modernos são profundamente contraditórios[i].
O ateísmo porque pretende ser verdadeiro e relativista,
“desconstruindo” todas as verdades e normas morais, a partir de uma
verdade absoluta: a inexistência de Deus; dessa verdade “divina” o
ateísmo deduz uma regra moral absoluta: é proibido ter regras. O ateísmo
relativista pretende assim negar o valor de todos os dogmas e certezas
morais a partir de um novo dogma, que cria uma nova moralidade, na qual
os valores absolutos são relativizados ou transformados.
O relativismo, por sua vez, é contraditório porque pretende afirmar
que todas as afirmações, inclusive as contraditórias, são sempre
verdadeiras (ou sempre falsas). Mas quem diz que duas afirmações
contraditórias podem ser verdadeiras, deve aceitar que duas
contraditórias não podem ser verdadeiras. Essa evidente contradição
levaria a renúncia a uma vida humana, na qual se julga, dialoga e se
vive em sociedade. Em outras palavras, quem não aceita o princípio de
não-contradição, torna-se semelhante a um vegetal. As consequências
disso é que o relativismo e o ateísmo absolutos são reciprocamente
excludentes; e o relativismo só pode ser verdadeiro quando é relativo,
ou seja, parcial, aplicado ao modo de expressar ou de conhecer uma
verdade, e não à verdade mesma.
Isso nos faz reconhecer o justo relativismo da verdade, pois essa é
sempre relativa à inteligência de quem conhece. E a verdade é única na
inteligência divina, pois Deus, ao conhecer a si mesmo, conhece todas as
coisas. A verdade humana, porém, é múltipla, pois cada coisa tem sua
verdade intrínseca, mas a conhecemos parcialmente, através de muitos
juízos verdadeiros. De fato, o conhecimento humano é discursivo e
progressivo e até hoje nenhuma ciência pode dizer que conhece totalmente
o objecto estudado. A realidade que está diante de nós é sempre mais
rica do que conhecemos. Por isso ela é como uma janela pela qual nos
chega a luz da verdade e da bondade divinas e infinitas.
Entretanto, não podemos deixar de constatar que vivemos num ambiente
cultural impregnado de relativismo. Não de um relativismo absoluto, que é
essencialmente contrário à razão humana, mas sim de um absolutismo
relativista. De fato, as filosofias relativistas ainda não conseguiram
destruir a racionalidade humana e continuamos pensando a partir da
convicção de que é possível conhecer a verdade e de que afirmações
contraditórias não podem ser ao mesmo tempo verdadeiras. Mesmo assim o
relativismo se expande na cultura actual, não através da Lógica, mas pela
força da repetição superficial de afirmações “dogmáticas”. Desse modo,
não há dúvidas de que vivemos em um ambiente onde reina não um
relativismo absoluto, mas sim um absolutismo relativista.
Absolutismo relativista significa, pois, os esforços para se impor
uma cultura mundial relativista, que tenta destruir os valores
tradicionais. Pretende-se assim convencer aos povos de que tudo é
relativo, pois a verdade não existe (ou tudo é verdade, o que dá no
mesmo) e todos os comportamentos morais são igualmente bons (ou
igualmente maus). Tudo o que é contraditório parece ser hoje válido e
tolerável. A única coisa que não se tolera é que se mostre as
contradições e a irracionalidade do mesmo relativismo. O absolutismo
relativista exige que toleremos as mentiras como se fossem verdades, e
que não “toleremos” as verdades, como se fossem mentiras.
Na Ética o absolutismo relativista se manifesta principalmente em
dois modos. No Positivismo e no chamado “pensamento débil”. Ambos dizem
que a Ética só pode ser descritiva. Embora esses sistemas sejam opostos,
as conclusões a que chegam são semelhantes.
O Positivismo diz que o método das ciências experimentais deve ser
aplicado a todas as ciências. Ora, as ciências só descrevem a realidade,
sem prescrever nada. Por isso a Ética deve apenas dizer como as pessoas
se comportam. O argumento dado é logicamente válido, mas há uma
premissa que deve ser discutida: por que a Ética deve ter o mesmo método
das ciências experimentais? Essa é uma afirmação filosófica, que só
pode ser imposta pela força, uma vez que não se sustenta racionalmente.
De fato, a dita afirmação não pode ser justificada por métodos
experimentais e a conclusão do raciocínio é autocontraditória: diz que
as ciências não devem ser normativas, mas essa afirmação é já uma norma
no âmbito científico.
Outro sistema importante é o chamado “pensamento débil”. Diz que o
filósofo moral deve descrever os modelos de comportamento para facilitar
o diálogo entre as culturas. Forma-se assim uma mesa redonda,
semelhante à de um jogo de cartas, na qual não se chega a nenhuma
conclusão. E isso se apresenta como uma exigência da “democracia”. E o
argumento dado diz: os homens são todos iguais; quando dois homens
possuem opiniões diversas, ambas devem ser aceitas, pois é
antidemocrático ou politicamente incorrecto dizer que uns homens tem
razão e outros se equivocam[ii].
Quem pensa assim deveria antes de tudo esclarecer o que significa a
afirmação de que “todos os homens são todos iguais”. Se significasse que
possuem uma mesma dignidade, estamos de acordo. Mas se quer dizer que
tudo o que os homens afirmam, em razão da dignidade comum, seja sempre
verdadeiro, isso é um absurdo. Da dignidade da natureza humana não se
deduz que o conhecimento de todos os seres humanos seja sempre
verdadeiro. E tampouco se deduz que sempre dizemos a verdade. De fato, o
homem pode, não só se equivocar, mas também mentir, manipular, tentar
dominar a quem parece ser mais fraco. E não se entende como o erro ou a
mentira pode sustentar uma “democracia”. Dito de outro modo: o principal
equívoco do “pensamento débil” está em estabelecer como critério de
verdade não a relação do juízo intelectual com a coisa conhecida, mas
sim o juízo com a dignidade de quem o profere. Da dignidade do ser
humano, de fato, não se deduz a verdade de todos os seus conhecimentos,
nem a bondade moral de todos os seus actos.
Portanto, o Positivismo e o “pensamento débil” expressam bem o actual
absolutismo relativista: a tentativa de impor pela força de repetições
afirmações contraditórias, como se fossem verdades absolutas, negando o
que realmente é verdadeiro e bom. O dito absolutismo, última forma de
pensamento universal, desrespeita as culturas verdadeiramente humanas.
Pois se a Ética fosse somente descritiva, os filósofos poderiam falar sobre as diversas culturas, mas não falar com
elas. E isso ofende a dignidade e a racionalidade humana, que como tal
está aberta ao diálogo sincero em busca de uma verdade condivisível por
todos os homens[iii].
Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil.
Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em
Roma.
[i] Cfr. http://www.zenit.org/pt/articles/o-ateismo-e-uma-escolha-racional http://www.zenit.org/pt/articles/o-relativismo-relativo-ou-a-justa-relatividade-da-verdade
[ii] Cfr. A. Vendemiati, In prima persona. Lineamenti di etica generale, 3ª ed., UUP, Città del Vaticano 2008, cap. 1.
[iii] Cfr. R. Spaemann, ¿Qué es la ética filosófica? Em Limites, acerca de la dimensión ética del actuar, Ediciones Internacionales Universitarias, Madrid 2003, pp. 19-20.
in
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