As penas latae sententiae reduzam-se a poucos casos e somente sejam irrogadas contra crimes gravíssimos
São Paulo, 16 de Maio de 2013
Neste artigo, em continuidade da reflexão sobre o código canónico, dissertarei a propósito das penas aplicadas automaticamente,
ou seja, “latae sententiae”.
Nos meios jurídicos, causa certa espécie o facto de o código canónico prescrever a inflição de punições não precedidas pelo “devido
processo legal” (“due process of law”). Por exemplo, reza o cânon 1398:
“Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão
‘latae sententiae’.” Desta feita, a penalidade de excomunhão é imposta à
católica que perpetra o aborto, independentemente de um processo
judicial, de um julgamento.
Entre o povo simples das ruas, a solução alvitrada pelo direito penal canónico soa justa. Um dia, num transporte público, ouvi uma senhora
pontificando à amiga: “Aquele sujeito matou fulano; a polícia apanhou-o na
prática do crime. Porquê a necessidade de um julgamento? O assassino
deve ir directo para a cadeia.”
Aquando da elaboração do projecto de código canónico, observaram-se 10
princípios. O princípio n.º 9 estatui o seguinte: “Com referência ao
direito de coação, a que a Igreja não pode renunciar, como sociedade
externa, visível e independente, as penas sejam geralmente ‘ferendae
sententiae’ e irrogadas e remetidas somente no foro externo. As penas
‘latae sententiae’ reduzam-se a poucos casos e somente sejam irrogadas
contra crimes gravíssimos.” A pena “ferendae sententiae” é a infligida
somente depois do julgamento judicial. Corresponde à práxis da maioria
dos países na actualidade.
Sou da opinião de que num futuro próximo, não haverá mais penas
automáticas. Embora a hediondez do delito justifique a cominação deste
jaez de reprimenda, o referido procedimento canónico repugna o bom senso
hodierno e, por conseguinte, as penas automáticas serão paulatinamente
extirpadas do ordenamento jurídico da Igreja.
As penas “latae sententiae” constituem uma peculiaridade do direito
da Igreja católica. Na próxima semana, discorrerei a respeito de uma
outra peculiaridade do direito canónico: o conselho para a interpretação
dos textos legislativos.
Edson Luiz Sampel é Doutor em Direito Canónico pela
Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano e Professor da Escola
Dominicana de Teologia (EDT).
in
Sem comentários:
Enviar um comentário