Palavras do cardeal Ouellet na abertura da Semana Paraguaia em Roma
Roma, 29 de Maio de 2013
Reproduzimos a seguir o discurso do cardeal Marc Ouellet,
presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina e prefeito da
Congregação para os Bispos, feito na abertura da semana de celebrações
organizada pela Embaixada do Paraguai junto à Santa Sé, nesta
segunda-feira, 27 de Maio, na Real Academia da Espanha em Roma.
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Eu me sinto muito honrado por presidir este ato de abertura das três
jornadas que marcarão este importante evento promovido pela Embaixada da
República do Paraguai perante a Santa Sé, com o especial auspício da
Comissão Pontifícia para a América Latina, da Real Academia da Espanha
em Roma e do Meeting para a Amizade entre os Povos. Seu objectivo é comemorar o Bicentenário da Proclamação da República do
Paraguai, o 25º aniversário da Canonização de São Roque González de
Santa Cruz e o 25º aniversário da visita de Sua Santidade, o beato João
Paulo II, com uma série de actos de importante envergadura cultural e
espiritual. Aproveito esta bela ocasião, também, para cumprimentar muito
cordialmente o director desta ilustre academia que nos hospeda, os
senhores embaixadores que nos acompanham e os sacerdotes, religiosos,
religiosas e leigos que quiseram participar do evento.
E como não poderia ser diferente, este ato de abertura do evento se
realiza conjuntamente com a inauguração da exposição “As reduções
jesuítas do Paraguai: uma aventura fascinante que perdura no tempo”.
Partir das reduções e do testemunho de santos e mártires como Roque
González de Santa Cruz é ir até as raízes da pátria paraguaia, mas não
isoladamente, e sim no mais vasto território dos povos irmãos da bacia
do Prata.
Sobre as reduções jesuítas do Paraguai foi escrito que elas “pareciam
um triunfo da humanidade”. Quem as descrevia sinteticamente desse modo?
Por acaso algum católico em euforia apologética? Não! Foram palavras,
nada menos, que de Voltaire, no geral tão virulentamente agressivo
contra a Igreja católica. Sim, as reduções foram um verdadeiro triunfo
de humanidade, porque um punhado de jesuítas foi capaz de colocar as
tribos guaranis em condições materiais, culturais e religiosas de
afirmar e valorizar a própria humanidade. No extraordinário laboratório e
na experiência fascinante das reduções, a evangelização e a promoção
humana se combinaram indissociavelmente, sem necessidade de muitas
teorizações, movidas apenas pelo amor à vida e ao destino dos povos
indígenas. Não houve, em todo o tempo colonial, qualquer experiência
semelhante de educação e de instrução dos indígenas, de edificação de
comunidades de pessoas e famílias e de comunhão de bens, de formação
técnica e cultivo das artes, de crescimento artesanal e industrial, de
produtividade no trabalho agrícola, de participação dos indígenas na
organização da vida colectiva e civil.
Os jesuítas chegaram e começaram a sua obra na vasta bacia do Prata
no alvorecer dos anos 1.600. Vinte e cinco anos depois, já existiam no
Guairá, entre as actuais províncias de San Pablo e Paraná, 13 reduções
com mais de 100.000 indígenas. Em sua fase de estabilização e de apogeu,
por volta de 1.700, os povoados misioneros do Alto Paraná e do
Alto Uruguai já eram 30, com 5.000 indígenas cada um. Mas as missões do
Paraguai não foram só o “foco de desenvolvimento” mais portentoso da
bacia do Prata. Elas serviram como centro de experimentação e como guia
para a fundação de uma rede de missões na América do Sul: nos llanos
orientais da Colômbia, no Maranhão, nas planícies do Alto e Médio
Amazonas, nas planícies de Chiquitos, no sudeste da Bolívia actual, e
ainda no nordeste boliviano.
Que extraordinária força construtiva da fé vivida, comunicada,
compartilhada! Não bastava protestar nem denunciar a opressão sofrida
pelos indígenas; era necessária uma companhia, uma amizade, capaz de
abraçar toda a sua vida, todas as dimensões da sua vida, e gerar assim
uma obra de alta qualidade humana, as experiências surpreendentes de uma
nova civilização em germe.
Eu acredito que podemos afirmar com muitas razões que a brutal
expulsão de todos os jesuítas dos territórios submetidos às coroas
espanhola e portuguesa, e a conseguinte dispersão dos povoados
missioneiros, constituiu a destruição da mais importante experiência
social de verdadeiro progresso em terras do “Novo Mundo” e uma das
causas mais graves do seu posterior atraso. O povo paraguaio, porém, e
os povos da bacia do Prata, continuam marcados no tempo por esta
profunda experiência. “Uma aventura fascinante que perdura no tempo”,
como bem diz o título da exposição que poderemos admirar aqui, graças à
gentil disposição dos amigos do Meeting de Rímini, e que ficará
ainda mais ilustrada pela experiência e pelas reflexões do reverendo
pe. Aldo Trento, que tenta nada menos que reactualizar a obra das
reduções na sua própria paróquia, ele que, ao mesmo tempo, é um grande
estudioso das reduções jesuítas guaraníticas.
As missões jesuíticas me trazem à memória o fato de que nós temos
hoje o primeiro jesuíta Sucessor de Pedro, que vem daquelas terras
platinas e que nos chama a ir a todas as periferias humanas, sociais e
culturais, para anunciar o Evangelho e difundir a força construtiva da
caridade.
Cumprimento, pois, o senhor embaixador do Paraguai diante da Santa
Sé, Sr. Esteban Kriskovic, por ter concretizado esta oportuna e
importante iniciativa, que, em meio a comemorações tão significativas,
permite voltar às melhores raízes e renovar o compromisso pelo serviço
evangelizador e pela construção de condições de fraternidade e de
justiça na vida dos povos.
in
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