Convenceu-os que cada missa era o seu lar
Ryan e Anumeha conheceram-se porque partilhavam o desejo de ajudar aos mais necessitados com a criação dos seus próprios negócios.
Actualizado 3 de Maio de 2013
C.L. / ReL
O pequeno Ezra morreu dois dias depois da data prevista para o seu nascimento. Anumeha supôs que algo ia mal porque deixou de mover-se. Logo souberam que se tinha estrangulado com o cordão umbilical. Ela e o seu marido, Ryan Galloway, puderam ao menos tê-lo um tempo nos braços quando os médicos provocaram o parto. Era a primeira grande prova para a sua fé católica, poucas semanas antes do seu ingresso formal na Igreja, na Vigília Pascal desta última Semana Santa. Mas a superaram: não acolheram a tragédia com ira ou desespero, mas sim com uma certeza no meio da dor: "No mais fundo do nosso coração cremos na ressurreição. Um dia voltaremos a ver o nosso filho", confessam num vídeo onde dão a conhecer o seu itinerário espiritual.
Dois itinerários distintos até que confluíram
Ele nasceu em Sioux City (Iowa, Estados Unidos) no seio de uma devota família baptista. O seu avô tinha sido missionário em África e os seus pais o levavam à igreja às quartas-feiras e aos domingos, inscreviam-no em acampamentos cristãos de Verão e sempre que podiam iam escutar o célebre pregador evangélico Billy Graham. "Se destilava veneno contra a fé católica", recorda Ryan, que tem agora 30 anos, porque os católicos rezavam aos santos e praticavam rituais supostamente sem base bíblica.
Anumeha Jhunjhunwala, que tem agora 27 anos, vivia em Calcutá (India) e era, como todos os seus, da religião hindu, e rezava ao levantar-se e ao deitar-se aos seus antepassados no pequeno templo doméstico. Proveniente de uma família de classe alta, ia a um prestigioso colégio privado protestante, assim conhecia bem o Pai Nosso, assim como hinos clássicos como Amazing Grace. Na Igreja, tinha ouvido falar da Madre Teresa.
Ambos jovens encontraram-se nos Estados Unidos, num café da cidade de Des Moines (Iowa), em 2009, em torno de um interesse comum. Ryan trabalhava para a auditora Ernst & Young e estava fazendo uma pós-graduação na Universidade de Drake, onde ela queria aprender o mesmo que ele: como ajudar aos mais necessitados mediante microcréditos para empreender os seus próprios negócios.
Começaram a falar da sua fé e da sua comum vocação, e procuraram uma igreja cristã não-confessional, onde ela começou a viver um sentido da comunidade na fé diferente do mais privado que se praticava no seu lar.
"Pesadelos"... Vestida como a Madre Teresa!
Quando Anu disse aos seus pais que se ia fazer cristã, para eles foi "devastador". As chamadas telefónicas da India tornaram-se menos frequentes, as conversas cortaram-se, fez-se uma distância entre ela e os seus progenitores: "Tinham pesadelos vendo-me vestida como a Madre Teresa", recorda a jovem. A sua mãe corrobora-o: "A verdade é que pensei que tinha perdido a minha filha para sempre".
Por isso não lhes fez muita graça ver aparecer esse ruivo magro do Ryan à sua porta, quando voltou com ele em 2009 para por em marcha um projecto de microcréditos em Calcutá. Mas logo gostaram da tranquilidade e amabilidade do rapaz, e em 2010, numa segunda instância, a mãe de Anu foi ao assunto: "Quando vais casar?".
Era exactamente o motivo dessa viagem, assim que depois da preceptiva permissão, contraíram matrimónio em Novembro de 2011 na catedral anglicana de São Paulo, em Calcutá, onde foram também os pais de Ryan. Para os familiares de Anu era a primeira vez que punham os pés num templo cristão.
O lar: a missa, "igual em todas as partes"
Durante a sua lua-de-mel exploraram a sua fé. Visitaram igrejas em Londres, Paris e Roma. Foi ali onde começaram a ver claro. Foram escutar o Papa Bento XVI junto com uma multidão de pessoas de todos os países, a India incluída. E algo chocou a Anu, que tinha visitado junto com o seu marido igrejas católicas em Des Moines: "A missa era a mesma em todos os lugares do mundo. Isso te fazia sentir realmente como em casa em Paris, ou em Roma. O que se dizia em francês em Paris tinha-o escutado em Des Moines umas horas antes". "Então compreendemos", acrescenta Ryan, "que formávamos uma comunidade com o resto do mundo".
Decidiram então fazer-se católicos... e tocava dizê-lo aos pais dele. Foi tão "devastador" como quando Anu fez o mesmo com os seus na sua primeira viagem até à fé. "Ryan tinha escolhido ir contra o que lhe tínhamos ensinado", lamenta o pai do jovem. A sua mãe explica a sua desilusão de forma mais teológica: os católicos crêem que para ir para o céu há que realizar certos ritos, assim como boas obras, para ganhar uma graça que os protestantes crêem que se oferece livremente a todos.
Ryan já tinha formação e rebateu os seus argumentos com a história da Reforma na mão, mas não conseguiu convencê-los. Ele arguia poderosamente: as igrejas protestantes – alegava - descansam sobre o carisma do pregador; as católicas, sobre a Eucaristia.
O jovem casal, que então trabalhava no gabinete do senador Jack Hatch, de Iowa (democrata e protestante), começou a formar-se na fé num catecismo de adultos para preparar-se para o baptismo, a comunhão e a confirmação. Foi então quando Anu ficou grávida.
Surpresa no meio da tragédia
Decidiram o nome, Ezra, e a data do baptismo: a mesma que a sua. Mas não eram os planos de Deus.
Quando os pais de Ryan e de Anu chegaram para o enterro do bebé, do seu neto, estavam destroçados e preparando-se para encontrar os seus filhos no pior estado possível. Daí a sua surpresa.
"Tínhamo-los subestimado", admite a mãe de Anu: "Recebeu-nos um par muito tranquilo e inteiro. Eu estava preocupada de que se notassem a minha debilidade, a minha ansiedade, o meu coração destroçado. E ali estavam eles: acabavam de perder todo o seu mundo, e se lhes via com paz. Perguntei:
de onde vem essa paz?".
O jovem casal, na igreja de Santo Agostinho de Des Moines, onde tinham levado e formado o pequeno Ezra.
Acabado o funeral, Ryan tomou o pequeno féretro e levou-o ele mesmo em braços até o cemitério. Todos ficaram impressionados com a missa, durante a qual não puderam deixar de contemplar o grande crucifixo que a presidiu: "Era como se os olhos de Jesus os olhassem fixamente. Sentiram-no ali, assumindo a dor de todos eles", conta Mike Kilen ao relatar a história. E sentiram também que tinha uma comunidade apoiando os seus filhos nesse terrível momento, e um amável sacerdote oficiando a missa por alguém que apenas tinha vivido: "Tudo demonstrava", explica Ryan, "que era um ser humano que merecia um enterro apropriado". Os pais de Anu e de Ryan compreenderam então um pouco melhor o catolicismo.
Ao chegar ao campo santo, a mãe de Anu entendeu que um dia a sua pequena e Ryan jazeriam debaixo da mesma terra que Ezra, debaixo da mesma cruz que agora adornava a sua tumba. E entendeu melhor o "veremos o nosso filho" que consolava os jovens.
"Toda a razão de ser da nossa fé", afirma Ryan, "é que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou de entre os mortos". Por isso sorria com o seu filho morto nos braços, sabedor de que um dia se reuniriam com ele.
O padre Zachary Kautzky, seu pároco, diria depois que ao vê-los no hospital com Ezra se recordou da Piedade de Miguel Ângelo: "Disse-lhes que o Pai sabia o que é perder um Filho, e que a Santíssima Virgem Maria sabia o que é perder um Filho. Deus sabe o que significa". O sacerdote ficou impressionado ao vê-los: "A sua ternura embalando o menino, a fortaleza de Ryan, a amabilidade de Anu... eram impactantes".
Quando traçou o sinal da Cruz sobre a frente do bebé morto, Anu compreendeu que essas mãos consagradas o tinham sido pelas mãos dos sucessores dos apóstolos, e estes pelas mãos do Redentor. De alguma forma, Jesus tinha tocado em Ezra. Isso bastava para a esperança.
Ryan e Anumeha conheceram-se porque partilhavam o desejo de ajudar aos mais necessitados com a criação dos seus próprios negócios.
Actualizado 3 de Maio de 2013
C.L. / ReL
O pequeno Ezra morreu dois dias depois da data prevista para o seu nascimento. Anumeha supôs que algo ia mal porque deixou de mover-se. Logo souberam que se tinha estrangulado com o cordão umbilical. Ela e o seu marido, Ryan Galloway, puderam ao menos tê-lo um tempo nos braços quando os médicos provocaram o parto. Era a primeira grande prova para a sua fé católica, poucas semanas antes do seu ingresso formal na Igreja, na Vigília Pascal desta última Semana Santa. Mas a superaram: não acolheram a tragédia com ira ou desespero, mas sim com uma certeza no meio da dor: "No mais fundo do nosso coração cremos na ressurreição. Um dia voltaremos a ver o nosso filho", confessam num vídeo onde dão a conhecer o seu itinerário espiritual.
Dois itinerários distintos até que confluíram
Ele nasceu em Sioux City (Iowa, Estados Unidos) no seio de uma devota família baptista. O seu avô tinha sido missionário em África e os seus pais o levavam à igreja às quartas-feiras e aos domingos, inscreviam-no em acampamentos cristãos de Verão e sempre que podiam iam escutar o célebre pregador evangélico Billy Graham. "Se destilava veneno contra a fé católica", recorda Ryan, que tem agora 30 anos, porque os católicos rezavam aos santos e praticavam rituais supostamente sem base bíblica.
Anumeha Jhunjhunwala, que tem agora 27 anos, vivia em Calcutá (India) e era, como todos os seus, da religião hindu, e rezava ao levantar-se e ao deitar-se aos seus antepassados no pequeno templo doméstico. Proveniente de uma família de classe alta, ia a um prestigioso colégio privado protestante, assim conhecia bem o Pai Nosso, assim como hinos clássicos como Amazing Grace. Na Igreja, tinha ouvido falar da Madre Teresa.
Ambos jovens encontraram-se nos Estados Unidos, num café da cidade de Des Moines (Iowa), em 2009, em torno de um interesse comum. Ryan trabalhava para a auditora Ernst & Young e estava fazendo uma pós-graduação na Universidade de Drake, onde ela queria aprender o mesmo que ele: como ajudar aos mais necessitados mediante microcréditos para empreender os seus próprios negócios.
| O dia mais feliz. |
"Pesadelos"... Vestida como a Madre Teresa!
Quando Anu disse aos seus pais que se ia fazer cristã, para eles foi "devastador". As chamadas telefónicas da India tornaram-se menos frequentes, as conversas cortaram-se, fez-se uma distância entre ela e os seus progenitores: "Tinham pesadelos vendo-me vestida como a Madre Teresa", recorda a jovem. A sua mãe corrobora-o: "A verdade é que pensei que tinha perdido a minha filha para sempre".
Por isso não lhes fez muita graça ver aparecer esse ruivo magro do Ryan à sua porta, quando voltou com ele em 2009 para por em marcha um projecto de microcréditos em Calcutá. Mas logo gostaram da tranquilidade e amabilidade do rapaz, e em 2010, numa segunda instância, a mãe de Anu foi ao assunto: "Quando vais casar?".
| As duas famílias, completas. |
O lar: a missa, "igual em todas as partes"
Durante a sua lua-de-mel exploraram a sua fé. Visitaram igrejas em Londres, Paris e Roma. Foi ali onde começaram a ver claro. Foram escutar o Papa Bento XVI junto com uma multidão de pessoas de todos os países, a India incluída. E algo chocou a Anu, que tinha visitado junto com o seu marido igrejas católicas em Des Moines: "A missa era a mesma em todos os lugares do mundo. Isso te fazia sentir realmente como em casa em Paris, ou em Roma. O que se dizia em francês em Paris tinha-o escutado em Des Moines umas horas antes". "Então compreendemos", acrescenta Ryan, "que formávamos uma comunidade com o resto do mundo".
Decidiram então fazer-se católicos... e tocava dizê-lo aos pais dele. Foi tão "devastador" como quando Anu fez o mesmo com os seus na sua primeira viagem até à fé. "Ryan tinha escolhido ir contra o que lhe tínhamos ensinado", lamenta o pai do jovem. A sua mãe explica a sua desilusão de forma mais teológica: os católicos crêem que para ir para o céu há que realizar certos ritos, assim como boas obras, para ganhar uma graça que os protestantes crêem que se oferece livremente a todos.
Ryan já tinha formação e rebateu os seus argumentos com a história da Reforma na mão, mas não conseguiu convencê-los. Ele arguia poderosamente: as igrejas protestantes – alegava - descansam sobre o carisma do pregador; as católicas, sobre a Eucaristia.
O jovem casal, que então trabalhava no gabinete do senador Jack Hatch, de Iowa (democrata e protestante), começou a formar-se na fé num catecismo de adultos para preparar-se para o baptismo, a comunhão e a confirmação. Foi então quando Anu ficou grávida.
Surpresa no meio da tragédia
Decidiram o nome, Ezra, e a data do baptismo: a mesma que a sua. Mas não eram os planos de Deus.
Quando os pais de Ryan e de Anu chegaram para o enterro do bebé, do seu neto, estavam destroçados e preparando-se para encontrar os seus filhos no pior estado possível. Daí a sua surpresa.
"Tínhamo-los subestimado", admite a mãe de Anu: "Recebeu-nos um par muito tranquilo e inteiro. Eu estava preocupada de que se notassem a minha debilidade, a minha ansiedade, o meu coração destroçado. E ali estavam eles: acabavam de perder todo o seu mundo, e se lhes via com paz. Perguntei:
de onde vem essa paz?".
O jovem casal, na igreja de Santo Agostinho de Des Moines, onde tinham levado e formado o pequeno Ezra.
Acabado o funeral, Ryan tomou o pequeno féretro e levou-o ele mesmo em braços até o cemitério. Todos ficaram impressionados com a missa, durante a qual não puderam deixar de contemplar o grande crucifixo que a presidiu: "Era como se os olhos de Jesus os olhassem fixamente. Sentiram-no ali, assumindo a dor de todos eles", conta Mike Kilen ao relatar a história. E sentiram também que tinha uma comunidade apoiando os seus filhos nesse terrível momento, e um amável sacerdote oficiando a missa por alguém que apenas tinha vivido: "Tudo demonstrava", explica Ryan, "que era um ser humano que merecia um enterro apropriado". Os pais de Anu e de Ryan compreenderam então um pouco melhor o catolicismo.
Ao chegar ao campo santo, a mãe de Anu entendeu que um dia a sua pequena e Ryan jazeriam debaixo da mesma terra que Ezra, debaixo da mesma cruz que agora adornava a sua tumba. E entendeu melhor o "veremos o nosso filho" que consolava os jovens.
"Toda a razão de ser da nossa fé", afirma Ryan, "é que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou de entre os mortos". Por isso sorria com o seu filho morto nos braços, sabedor de que um dia se reuniriam com ele.
O padre Zachary Kautzky, seu pároco, diria depois que ao vê-los no hospital com Ezra se recordou da Piedade de Miguel Ângelo: "Disse-lhes que o Pai sabia o que é perder um Filho, e que a Santíssima Virgem Maria sabia o que é perder um Filho. Deus sabe o que significa". O sacerdote ficou impressionado ao vê-los: "A sua ternura embalando o menino, a fortaleza de Ryan, a amabilidade de Anu... eram impactantes".
Quando traçou o sinal da Cruz sobre a frente do bebé morto, Anu compreendeu que essas mãos consagradas o tinham sido pelas mãos dos sucessores dos apóstolos, e estes pelas mãos do Redentor. De alguma forma, Jesus tinha tocado em Ezra. Isso bastava para a esperança.
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