Uma vigorosa denúncia da corrupção e novos apelos à reconciliação nacional, contra qualquer tentação de “vingança” pela força das armas marcaram a manhã de sexta-feira, última etapa da visita do Papa Francisco a Moçambique, antes da sua partida para Madagáscar, onde foi de novo recebido por uma multidão entusiasta.
Na missa que celebrou no estádio do Zimpeto, antes de deixar Maputo, o Papa referiu-se à pobreza e à corrupção que dela se aproveita, aproveitando a ajuda externa: “Moçambique possui um território cheio de riquezas naturais e culturais, mas paradoxalmente com uma quantidade enorme da sua população abaixo do nível de pobreza. E por vezes parece que aqueles que se aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses. E é triste quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se deixam corromper; é muito perigoso aceitar que a corrupção seja o preço que temos de pagar pela ajuda externa.”
Numa missa celebrada debaixo de chuva e perante uma multidão calculada em cerca de 80 mil pessoas, Francisco pediu que os moçambicanos ultrapassem as “histórias de violência, ódio e discórdias” que viveram nas últimas décadas, desde a independência em 1975. E voltou a repetir, como fizera no dia anterior, que a paz não é apenas a ausência de guerra, mas precisa de condições concretas: “Superar os tempos de divisão e violência supõe não só um acto de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, mas o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e activo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados.”
Os alertas dirigiram-se a todos os sectores. Um mês depois da assinatura do (terceiro) “Acordo de paz definitiva”, e operante as ameaças de alguns dissidentes da Renamo (principal partido de oposição) voltarem a pegar em armas, o Papa disse que não se pode pensar no futuro recorrendo às “armas e à repressão violenta”. E acrescentou: “Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é ‘olho por olho, dente por dente’. Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio.”
Somos todos parte dum mesmo tronco
Antes da missa, o papa visitou o Hospital do Zimpeto, gerido pela Comunidade de Santo Egídio, grupo católico baseado em Roma, hoje presente em vários países e que esteve no centro da mediação que levou ao Acordo Geral de Paz, em Moçambique, em 1992. O hospital acolhe e trata gratuitamente doentes com sida, que é ainda um flagelo grave no país, dando prioridade às grávidas e à prevenção da transmissão da doença mãe-filho.
“A solicitude dos fiéis não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer a atenção amiga que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem”, disse o Papa durante o encontro com doentes, médicos, enfermeiros e outros funcionários.
“Ouvistes aquele grito silencioso, quase inaudível, de inúmeras mulheres, de tantos que viviam envergonhados, marginalizados, julgados por todos. Por isso alargastes esta casa – onde o Senhor vive com aqueles que estão na berma da estrada – aos doentes de cancro, tuberculose e a centenas de desnutridos, sobretudo crianças e jovens”, acrescentou o Papa na mesma ocasião.
Francisco enalteceu ainda as pessoas que “transmitem esperança a muitas outras pessoas”, exemplificando com a arte local: “Como ensinam as esculturas de arte maconde, as ujamaa (família alargada, em suaíli, ou árvore da vida) com várias figuras agarradas umas às outras onde prevalece a união e a solidariedade sobre o indivíduo, devemos dar-nos conta de que somos todos parte dum mesmo tronco.”
Em Antananarivo, capital de Madagáscar, onde chegou às 16h30 locais de sexta, 6 de Setembro (mais duas horas que em Lisboa), o Papa tem à sua espera uma situação de pobreza – Madagáscar é um dos países mais pobres do mundo – e de grande instabilidade. Em declarações à agência Ecclesia, o pare dehoniano Agostinho Gonçalves diz que o povo “anseia pela paz numa situação de insegurança e violência generalizada”.
José Alfredo Caires, bispo português da diocese de Mananjary, descreve: “Estamos num país muito rico em recursos naturais, mas que vive na pobreza, eu diria na miséria.” O país não tem guerras “mas reina a corrupção em todos os sectores sociais e um banditismo galopante”, acrescenta o bispo, também em declarações à Ecclesia.
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