Logo no primeiro dia da nova legislatura, foi apresentado de um projeto de lei de legalização da eutanásia e do suicídio assistido, como se fosse esta a “prioridade das prioridades” da nova legislatura, o que de modo algum transpareceu da campanha eleitoral, em que os dois partidos mais votados nem sequer tomaram posição sobre o assunto.
Seja
como for, a discussão que será reaberta não pode ignorar as lições dos países
que já seguiram essa via, as que já de há muito são conhecidas e as que vão
sendo conhecidas continuamente. Quem acompanhe a situação desses países
regularmente poderá verificar como se sucedem notícias que invariavelmente
confirmam os alertas de quem se opõe a essa legalização.
Merece
destaque, a esse respeito, um estudo (https://ncd.gov/sites/default/files/
NCDAssisted_Suicide_Report_508.pdf) recentemente publicado pelo National Council of Disability, um
organismo independente de âmbito federal norte-americano dedicado à proteção e
promoção das pessoas com deficiência. Esse estudo afirma com veemência (e
indicando exemplos concretos) os malefícios que a legalização do suicídio
assistido provoca nessas pessoas, não só as que a ele recorrem, como todas elas
em geral. Afirma, por isso, a oposição clara a tal legalização. Em face da
multiplicação dos Estados federados que optaram por essa legalização (são hoje
em número de dez, sendo que em muitos outros Estados propostas no mesmo sentido
têm sido rejeitadas), esse estudo confirma e reforça as tomadas de posição
desse organismo já assumidas anteriormente por duas vezes, em 1997 e em 2005.
Nele se afirma também que essa legalização tem a oposição de todas as
associações de defesa das pessoas com deficiência que, nos Estados Unidos, se
pronunciaram sobre a questão.
De
acordo com esse estudo, o maior dos malefícios que a legalização do suicídio
assistido provoca nas pessoas com deficiência em geral, tem a ver com a
mensagem cultural que essa legalização veicula e o que essa mensagem provoca no
ambiente cultural da sociedade em geral e na mente de cada uma dessas pessoas,
em especial as que sofrem de alguma deficiência que, de uma ou de outra forma
(porque qualquer doente em fase terminal padecerá de algum tipo de deficiência),
possam estar abrangidas por essa legalização. Esse efeito é o da desmoralização
e do desencorajamento das pessoas com deficiência quando o Estado, a ordem
jurídica e os serviços de saúde dão a entender (e é isso que decorre da
legalização do auxílio ao suicídio) que as pessoas com certas doenças ou
deficiências (e, por isso, dependentes dos cuidados de outrem)) estariam melhor
se morressem («better off dead»), que
a sua vida nessas condições deixa de ser digna, que a doença e a deficiência
são incompatíveis com a qualidade de vida e que a morte provocada é resposta
para os seus problemas. É de esperar que essas pessoas se sintam
desmoralizadas, desencorajadas e, por outro lado, também como um peso para a
família e para a sociedade em geral. E é de esperar que todo o clima social e
cultural reflita isso mesmo.
Consequentemente,
as pressões, mais ou menos diretas e mais ou menos conscientes, a que essas
pessoas estão sujeitas vão no sentido da aceitação do suicídio assistido como
uma forma de evitar a suposta indignidade da sua situação, e também o peso que
representam para a família e para a sociedade. Há que salientar que o auxílio
ao suicídio não tem os custos de muitos tratamentos úteis e justificados para a
salvaguarda da vida e que, nos Estados Unidos, na sequência da legalização,
muitos contratos de seguro passaram a incluir o suicídio assistido de modo
preferencial em relação a esses tratamentos Por tudo isso, deve duvidar-se da
autenticidade dos pedidos de auxílio ao suicídio formulados por essas pessoas.
Outro
aspeto salientado por esse estudo diz respeito à repercussão da legalização do
suicídio assistido na prática do suicídio em geral. No Estado de Oregon, o
primeiro a legalizar o suicídio assistido, a taxa de suicídios em geral teve um
incremento de 41% desde essa legalização até hoje. Calcula-se que esse
incremento tenha sido de 6%, em média, nos Estados que mais recentemente
optaram por essa legalização.
Há uma
explicação lógica para que assim suceda. Desde há muito se fala no efeito
contagiante da publicidade da prática do suicídio (o chamado efeito Werther, que evoca a influência do
célebre romance de Goethe). É contraditório que se adote uma política de
prevenção do suicídio para algumas pessoas e se adote uma política de auxílio
ao suicídio para outras. Como é que o Estado e os serviços de saúde podem
pretender desencorajar o suicídio de algumas pessoas quando, ao mesmo tempo,
auxiliam o suicido de outras? Este duplo padrão é contraditório. O efeito de
contágio do auxílio ao suicídio legalizado sobre a prática do suicídio em geral
é, por isso, expectável.
Sendo certo
que aquelas pessoas em relação às quais o Estado e os serviços de saúde optam pelo
auxílio ao suicídio, e não a sua prevenção, são, precisamente, as mais
vulneráveis, porque atingidas pela doença e pela deficiência. O que também
contribui para agravar a situação destas.
O estudo em
apreço salienta, ainda, as dificuldades, ou mesmo a prática impossibilidade, de
controlo de erros e abusos de aplicação da lei, a começar pelos erros de
diagnóstico a respeito da irreversibilidade da doença e de prognóstico do tempo
de vida futura (que, de acordo com a legislação em vigor nos Estados em questão,
normalmente condiciona a legalidade do auxílio ao suicídio). Tudo está, em
grande medida e praticamente, nas mãos dos médicos que prestam auxílio ao
suicídio e não é de esperar que sejam eles próprios a denunciar os seus próprios
erros e abusos.
Não é demais relembrar a deputados que se preparam para debater de novo a legalização da eutanásia e do suicídio assistido: está em jogo um alicerce estruturante da civilização e da ordem jurídica; quando se derruba esse alicerce o edifício acabará por cair. Se se admite que a vida de pessoas com deficiência perde dignidade, que elas estariam melhor se morressem («better off dead»), que a morte provocada pode ser resposta para os seus problemas, é certo que assim se comprometem todos os esforços no sentido da sua defesa, inclusão e promoção.
Pedro Vaz Patto
Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz
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