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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

A geração das flores

Foi há cinquenta anos, que no dia 15 de agosto de 1969, começou ao norte de Nova York um festival de rock, no qual participaram mais de quatrocentos mil jovens, ouvindo música, comendo, bebendo, dormindo e praticando a novidade do amor livre e ao ar livre, consumindo drogas.

Muita e boa música, muito rock, muita chuva, muito amor e muita paz. Foi o início de uma nova era que com este evento entrou para a história como auge da geração hippie. Para alguns um mito, para outros o desabar dum mundo, para todos uma mudança radical de comportamentos, gostos e modas.

Nos anos sessenta e setenta, aqui no nosso epicentro lusitano, só muito lentamente tomávamos conhecimento de tão rápidas e profundas mudanças, tudo parecendo um filme e um devaneio ocorrido lá muito longe. De facto para alguns foi uma vertigem passageira, para muitos foi um pesadelo e para outros tornou-se numa militante forma de vida.  

Tudo ficou mais colorido, mais rebelde, mais desanuviado, mais vertiginoso e ao mesmo tempo mais encantador. Foram mudanças impensáveis, quem viveu nestes tempos sabe bem o que representava ouvir música rock, dançar, conversar e, sobretudo, poder sonhar com um mundo maior e melhor. Era o encantamento de quem estava longe da efervescência deste processo, das influências negativas ou prejudiciais e ouvia contar, tocar e cantar numa miragem de paraíso ou éden, porém bebendo limonadas, groselha e capilé, pirolito, laranjinha C, a Coca-Cola era uma bebida que fazia parte do nosso imaginário, por ainda não ser comercializada no nosso país.

Em 1969, após a grande euforia da rebelião de estudantes de Paris, Berlim e Berkeley, de 1968, a estratégia de preparação e instigação para estes movimentos contra a cultura dominante, continuou, agora na América, espaço mais amplo em temos físicos, económicos e mais permissivo em comportamentos morais, psíquicos e religiosos.

Em meados dos anos 60, a Califórnia era agitada por uma revolução cultural, de que os hippies foram os representantes mais radicais. O movimento contracultural rejeitava os principais aspectos da modernidade, da sociedade de consumo. Ao modelo de vida burguesa mesquinha, substituía-se o modelo de um eu capaz de viver experiências de fusão, como aquando da espectacular manifestação de Woodstock, em agosto de 1969.

Por outro lado, a revolução cultural era animada por uma profunda procura mística. No momento em que a civilização racionalista técnica estava no seu apogeu, assistia-se às primeiras manifestações do retorno ao religioso, que é uma das fortes tendências das sociedades do final do século XX. Retorno ao religioso, mas não aos dogmas: a contracultura reivindicava uma total liberdade neste domínio, o que se traduz por uma certa tendência ao ecletismo. Assim, a Jesus Revolution foi, na maior parte das vezes, animada por gurus orientalistas. Finalmente, é impossível deixar passar em branco o papel desempenhado pela droga nesta contracultura. Pretendia-se explorar estados psíquicos limites, desenvolver a criatividade, explorar a realidade através de novos paradigmas. Um dos pensadores do movimento estudantil chamava-se Timothy Leary, promotor do ácido lisérgico (LSD). Este professor de Psicologia de Harvard incitava os seus alunos a consumirem droga, à guisa de rito de iniciação abrindo as portas do amor divino e dos estados místicos”. (A Ideologia do New Age, de Michel Lacroix)

Se o Woodstock representa o fim do auge e início do crepúsculo do movimento hippie, é um facto que está na origem do movimento da Nova Era ou New Age, com uma visão globalizante do mundo, uma necessidade de transformação da personalidade, cuja evolução leva alguns pensadores a concluir que poderão ser o emergir duma ideologia totalitária, num mundo vazio, despido de sentido e de esperança num Deus que aos poucos lhe foi sendo tirado pelas correntes de pensamento ateias, agnósticas, materialistas e consumistas, em estados laicos senão mesmo, em alguns casos, laicistas.

Tempos incertos num mundo ávido de paz, de segurança, de tranquilidade e silêncio. Desafios novos na constante e permanente busca da felicidade, numa vida que se esvai em cada momento da história do mundo e do homem, qual marionete nas mãos de predadores, para quem o poder é o limite e para o qual não olham a meios para atingir os seus intentos, sem ignorar a infelicidade, a desilusão na deterioração que provocam na humanidade.

É o poder pelo poder e se “o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”. (Lord Acton)

Maria Susana Mexia



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