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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Caminhadas à beira-rio

Recomecei com alegria e algum grau de dificuldade as minhas caminhadas à beira-rio depois de um período mais conturbado face a uma doença das crianças em que tive que apoiar a minha neta bem como no período das férias escolares. Este reencontro com a natureza reveste-se da maior importância para o meu equilíbrio a nível da saúde, já que consiste no único desporto que me atrai. Tem o condão de me ajudar a descarregar o stress, a descomprimir, a encontrar-me comigo própria, fonte de inspiração, com o ambiente usufruindo de toda a energia positiva que me transmite, e com Deus. Com algum grau de frequência, aproveito estes momentos para rezar o terço ou meditar sobre a vida enquanto caminho. Desta vez estava feliz pela minha neta que tinha feito 8 anos. Tinha conseguido reunir a maior parte dos seus amiguinhos e a família. É bom saber notícias de familiares que não víamos há muito tempo. Também o renovar das gerações. Uns membros já partiram, tendo chegado novos membros. Recordámos os que já partiram. Admirámos as graças e as parecenças dos mais novos. A dada altura em que estava acompanhada por uma amiga de idade muito avançada, apresentei-lhe uma neta e os bisnetos da sua maior amiga. Ficaram todos felizes. A minha amiga foi partilhando histórias e vivências da sua amiga que já tinha partido. Os seus descendentes muito curiosos e ávidos por reviverem as memórias do seu ente querido foram colocando questões. Encontravam-se representadas quatro gerações. Muito comovedor. O pai, antigo professor catedrático de economia já se encontrava reformado. Contudo tinha encontrado outro interesse na vida no qual se tinha empenhado. Aprender chinês. Já tinha sido inclusivamente convidado para ir à China, em virtude de ter sido o melhor aluno. Esta sua filha trabalhava com as novas tecnologias de um modo muito avançado. Com interesse tomámos conhecimento do seu trabalho admirando a evolução das mesmas. Um dos jovens presentes, investigador, referiu que tencionava partir novamente. Tinha terminado o contrato com uma universidade. Sentia vontade de voltar a estudar no estrangeiro. E as novidades foram sendo divulgadas. Ficámos felizes com esta rica permuta de conhecimentos e de histórias, com a alegria e boa disposição da minha neta e do modo simples e descontraído como decorreu a sua festa de aniversário, que bem merecia, depois de um período mais conturbado. Também por ver a minha amiga quase centenária feliz.

A propósito da festa e dos jovens, recordei que há muitos anos atrás tinha sido forçada a fazer uma opção na minha vida rumo ao desconhecido. A diferença é que então era mais jovem e tinha todo um futuro pela frente. Recordo que, quando referi que me ia embora, me disseram: “Porque se vai embora? Tem tudo o que nós queríamos que uma colaboradora tivesse!” Mas a família, os sonhos, as ideias, as causas, foram determinantes para esta minha tomada de decisão. E assim prossegui o meu caminho. São opções que se fazem a certa altura da nossa vida. E o caminho torna-se irreversível, rumo ao melhor ou ao pior, sendo contudo uma viagem sem retorno. Várias vezes durante o nosso percurso de vida somos confrontados com decisões que mudam a nossa vida. Passos que damos rumo ao futuro com decisões que julgamos serem definitivas, mas fatores externos ou que têm a ver com o nosso crescimento, com situações que vivenciamos alheias à nossa vontade, que nos impelem a procurar alternativas, outros percursos de vida. O que era já não é, já não faz mais sentido. Encontramo-nos então numa encruzilhada. Trocar o certo pelo incerto, ou continuar a vivenciar uma situação que, com algum grau de frequência, nos parece tornar prisioneiros de uma decisão tomada, quando o contexto envolvente se modificou, e já não acrescenta valor à nossa vida quotidiana. Começamos a pesar os prós e os contras, a colocar na balança os nossos sonhos e projetos, a estabilidade versus a instabilidade, e aceitamos ou não a situação que vivenciamos no presente. Recordo-me que há uns anos atrás, conheci um médico excelente, muito boa pessoa, por quem os doentes tinham um enorme apreço. Parecia e acredito que o era, muito feliz com o trabalho que desenvolvia em prol da sociedade. Um dia fui surpreendida ao saber que se ia embora. Sentia necessidade de aprofundar os seus conhecimentos para melhor prestar o serviço à sociedade. E partiu para fazer um doutoramento noutro país. Calculo que terá tido de colocar na balança a sua decisão, de ter ponderado bastante e de ter feito uma opção que se adequava mais ao seu projeto de vida. Nunca mais tive notícias suas. Suponho que não terá regressado ao nosso país! E assim vamo-nos cruzando com pessoas que a certa altura da vida, alteraram completamente o seu rumo. Por ironia do destino hoje sou confrontada com uma frase do Papa Francisco: “Os Pastores não vivem para si mesmos, mas para as suas ovelhas… um amor sem medida”. Na verdade, tenho uma grande admiração não só pelos sacerdotes, mas também pelas pessoas que consagram a sua vida a Deus, em serviço ao próximo. Temos os exemplos recentes da Madre Teresa de Calcutá, do Papa João Paulo II, de S. Josemaria, de tantos que foram mártires (sem o serem), que lutaram no seu dia-a-dia, que foram pessoas correntes e que hoje são santos de altar que, com o exemplo da sua vida, nos fazem acreditar na bondade do ser humano e ver Jesus no próximo. Passo a citar S. Josemaria que escreveu sobre o chamamento universal à santidade in Forja: “Repara bem: há muitos homens e mulheres no mundo e nem um só deles deixa o Mestre de chamar. Chama-os a uma vida cristã, a uma vida de santidade, a uma vida de eleição, a uma vida eterna”. Já o Papa Francisco, referindo-se aos Santos Pedro e Paulo, que comemorámos há dias, comentou num tweet “foram transparentes diante de Deus. Na vida, mantiveram essa humildade, até ao fim: eles compreenderam que a santidade não está no elevar-se, mas no abaixar-se”.

E várias vezes ao longo da vida me deparei com diferentes encruzilhadas, em que fui impelida a tomar decisões, acreditando piamente que os desígnios de Deus são insondáveis, que se uma porta se fecha outra se abre, que se torna sempre necessário manter a esperança no futuro, que Deus escreve direito por linhas tortas, que se não compreendo, de momento, um dia, mais tarde, tornar-se-á claro, o que Deus pedia numa situação concreta. E hoje, ainda sinto alguma inquietação e vontade de partir rumo ao desconhecido. Vários fatores me prendem: a família, a idade, as responsabilidades… Talvez não me dissessem: “Tem tudo o que nós queríamos que tivesse!” O melhor mesmo é continuar, sempre que possível, as minhas caminhadas à beira-rio. Santa Maria, rainha da Família, abençoa e protege todas as famílias.

Maria Helena Paes



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