Podemos compartilhar os mesmos
gostos, as mesmas opiniões, contudo, os acontecimentos afetam-nos de forma
diferente. Quantas vezes, não utilizamos os nossos sentimentos, as nossas
referências, enquanto medida para julgar os outros? Quando se trata da
complexidade do comportamento do ser humano, é muito complicado. A ciência, a
moral, a ética, a política versus o
bem comum em toda a sua plenitude ao serviço do ser humano. Descartes, comentou
que embora a faculdade do julgamento tenha sido feita por Deus, os seres
humanos, frequentemente cometem erros. O erro humano constitui apenas um
defeito que vem de um ser imperfeito. Segundo Descartes que se observou
atentamente a si próprio, no sentido de determinar a natureza do ser humano,
tendo percebido que dependia de duas causas simultâneas; a faculdade do
conhecimento que se encontrava dentro dele, e a faculdade de escolha ou
liberdade da vontade. Ou seja, o erro humano depende do intelecto e da vontade,
excluindo de imediato o intelecto como a fonte do erro do ser humano, uma vez
que, apenas o capacita para entender as ideias que são sujeitas a possível um
julgamento. Posto isto, segundo Descartes, a fonte do erro humano deve ser
atribuída à vontade. Como a vontade ou a liberdade de escolha foi dada por
Deus, Descartes acredita que ela seja suficientemente extensa e perfeita,
constituindo simplesmente, a nossa capacidade em optar por fazer ou não fazer
algo, (afirmar ou negar, perseguir ou evitar). O erro humano surge assim quando
as pessoas tentam julgar coisas que se encontram para além do escopo do ser
humano. Acrescenta ainda que se a perceção, é de algum modo duvidosa e nublosa,
em vez de clara e distinta, existe o risco de erro. Logo, o julgamento deve ser
evitado porque se afasta da verdade, com uma perceção confusa sendo por isso
necessário uma cautela enorme. Quanto mais segura a pessoa se encontra, porque
entende as razões da verdade e da bondade, ou ainda devido a uma disposição
divina, devidamente produzida nos seus pensamentos mais íntimos, maior é a
probabilidade de evitar cometer um erro. Deus não deve, de todo, ser culpado
pelo erro humano, uma vez que não é culpa de Deus, que os seres humanos
procurem julgar factos que se encontrem para além do seu entendimento.
Constitui um dever do ser humano evitar cometer um erro, sendo cauteloso nos
seus julgamentos, julgando unicamente os casos em que existe uma certeza. “Os
sentidos enganam, de vez em quando, e é prudente nunca confiar totalmente
naqueles que nos enganaram uma única vez”.
domingo, 2 de agosto de 2020
Dei-te um louvor rasgado
Há alguns dias tive o prazer de
me cruzar com uma amiga que já não via há muitos anos. Infelizmente foi por
pouquíssimo tempo, já que a chamaram para uma consulta. Ainda assim gostei de a
rever. Sempre com o mesmo ar doce e disponível. Também aguardava a sua vez um
colega, que lhe referiu algo, que muito me sensibilizou tendo dado o mote para
esta narrativa. “Dei-te um louvor rasgado”. E olhando para mim acrescentou:
“Quando há alguém que sobressai, tenho o hábito de o fazer. Nunca fiz uma
queixa de um colega, referiu com algum orgulho”. Entretanto, chegou igualmente
a sua vez e a conversa terminou por aqui, com muita pena minha. Segui o meu
caminho, dirigindo-me para a minha sessão de fisioterapia, a pensar que bom que
era, valorizar o trabalho de alguém. A minha amiga deveria ter ficado feliz.
Contudo, pelo seu ar surpreendido pareceu-me que desconhecia o facto. Na
verdade, há pessoas muito boas, que passam por nós discretamente, fazem o bem,
sem se evidenciarem ou darem conhecimento. Que bom que assim seja. Sem
protagonismo. Tem um valor imenso. Recordei uma frase de S. Josemaria: “Só serás bom, se souberes ver as coisas boas e as
virtudes dos outros. Quando tiveres de corrigir, fá-lo com caridade, no momento
oportuno, sem humilhar…” Interiormente pensei quão difícil é julgar ou avaliar
o próximo, particularmente numa época em que abundam as “fake news”. É preciso possuir uma enorme sensibilidade, boa
formação, valores, capacidade de observação, de justiça, de critérios éticos,
estar atento às questões morais, às diferenças culturais, de raça, não sendo de
todo uma tarefa fácil. Como julgar com princípios e valores, que sejam aceites
por todos, independentemente de todas as diferenças que possam eventualmente
existir, no sentido de não se tecer um juízo errado? Quantas vezes, não nos
teremos enganado ao longo da história, ou mesmo da nossa vida ao tecer um juízo
de valor? O que parecia, afinal, não era, tínhamo-nos enganado redondamente! O
melhor mesmo é evitar julgar o próximo, dando o benefício da dúvida, a
presunção da inocência. “Até se provar que é culpado, está inocente”! Ainda
assim, há enganos. Nem tudo o que parece é, vindo-se mais tarde, algumas vezes,
a ter conhecimento de que o culpado afinal estava inocente. Recordo S. Mateus,
VII: 1-2: “Não julgueis, pois, para não serdes julgados, porque com o juízo que
julgardes os outros, sereis julgados, e com a medida que medirdes, vos medirão
também a vós”.
Termino este artigo, concebido durante uma sessão de
fisioterapia com origem numa inflamação dos tendões, devido, talvez a algum
esforço, uma queda, uma posição incorreta no computador… O meu intelecto diz
que desconhece a origem. A vontade refere que o melhor mesmo é recuperar. Logo,
estou a fazer o possível! Santa Maria, rainha da esperança, intercede para que
todos os julgamentos sejam realizados em prol do bem comum do ser humano e da
sociedade.
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