Quando eu era pequenina (sim, é verdade, também usava fitas e laços…) não havia tantos dias festivos ou festivaleiros, era-se mais pródigo e comedido nas celebrações, havia uma certa contenção nos gastos, pelo que consumismo era uma palavra que não fazia parte do nosso léxico. Também não havia umas siglas modernas, confusas, perturbadoras e desencadeadoras de intranquilidade. Não as vou citar para não ferir susceptibilidades.
As coisas eram como eram, nem melhores, nem piores, mas sim como
as circunstâncias sociais, económicas, culturais e políticas o permitiam e o
bom senso familiar estipulava.
Todos trabalhavam muito, e feitas bem as contas sobrava pouco
dinheiro para os gastos necessários (os supérfluos não existiam, nem faziam
falta). Também não havia problema, pois o tempo livre e as alienantes
solicitações ainda não tinham sido inventados, as publicidades, as vertigens
comerciais que impelem a seduções de compras e de gastos sem freio.
Vivia-se ao ritmo natural do tempo e dos tempos, sem stress, sem ansiedades, sem angústias existenciais.
Comia-se o estritamente necessário, pelo que também não havia problemas de
obesidade em qualquer idade, tudo era bonomia e uma alegre caminhada.
Recordo a minha infância como um tranquilo e colorido estado
da minha vida. Uma família feliz, contente e serena, com doenças e contenções,
mas sempre em harmonia e na procura do salutar equilíbrio afectivo, numa
diligente vontade de desencadear o bem em tudo e em todos. Os problemas resolviam-se,
as doenças lá se iam curando e a vida fluía como um rio de paz.
Também não havia conflitos de gerações, nem problemas de
aprendizagem, nem híper actividade, os alunos só estudavam se queriam fazer um
curso, caso contrário o ofício esperava por eles. Não havia crises, nem de
adolescência, nem de meia-idade, nem de coisa alguma, creio mesmo que nunca
ouvi esta palavra…
Falava-se duma guerra lá muito longe, no Ultramar, e constava
que havia umas prisões tão más, que o melhor era nem falar disso, até porque
muito pouco ou nada se sabia…
Éramos muito ecológicos e avançados, só cozinhávamos o
estritamente necessário, aproveitávamos tudo, não se deitava nada fora. Poupar
e não estragar eram as palavras de ordem em qualquer casa portuguesa, e como a
necessidade aguça o engenho, ideias não faltavam…
Dias da criança, dos avós, dos namorados, sei lá que mais,
ainda não tinham sido inventados. Só o dia da mãe, nessa altura celebrado a 8
de Dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição. Como em qualquer outro dia festivo
vestíamos a roupinha de “ver a Deus”, as refeições eram mais longas e a ementa
também marcava a diferença. Conversávamos todos muito à mesa e para mim eram
dias em que podia disfrutar da presença total dos meus pais, pois o seu afecto
não era interrompido por nenhum afazer laboral, era dia de descanso…
Prendas? Nem pensar! Um beijinho mais repenicado na bochecha
da mãe, umas flores colhidas no quintal em volta da casa e uma alegre canção
que eu trauteava, enquanto saltitava ao pé-coxinho: “Mãe há só uma, a minha a
mais nenhuma”.
Lições de vida sem filosofias, manuais de pedagogia ou
conselhos de psicologia, todos sabíamos que o ser se sobrepunha ao ter, e o ser
feliz e amar os outros pode excluir grandes despesas, caros presentes, ou
outros excessos consumistas. O que interessava era a pessoa em si e não o que ela
possuía, os valores afectivos sobrepunham-se aos valores económicos…
Vendo bem, isto não foi no tempo da pedra lascada, mas
simplesmente há um escasso, mas vertiginoso, meio século. Será que hoje os
avós, os pais, as mães e as crianças são mais felizes?
Meus queridos filhos e netos podem vir visitar-me sempre, todos os dias, sem presentes, porque a vossa companhia é que é algo de transcendente e, por favor, nesses momentos desliguem-se das redes sociais e conectem-se simplesmente com a nossa relação familiar.
Maria Susana Mexia
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