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domingo, 15 de dezembro de 2019

Tiago Varanda, o primeiro padre cego português, quer privilegiar o sentido da escuta

Tiago Varanda antes da ordenação, com a sua cadela-guia. Foto © DACS-Braga
Chegou a pensar que pelo facto de ser cego não poderia ser padre. Neste domingo, 14 de Julho, essa hipótese ficou posta de lado: Tiago Varanda, 35 anos, natural de Lamego, foi ordenado em Braga, tornando-se o primeiro padre cego em Portugal. E quer fazer do seu ministério de presbítero um serviço de escuta, cujo valor diz ter aprendido durante os anos de seminário: “A questão da escuta, saber escutar as pessoas. É das coisas mais maravilhosas que levo daqui, posso dizer que aprendi a escutar no seminário. Vai ser um grande instrumento para a minha vida sacerdotal.”
Ficou sem vista aos 16 anos, mas no seminário já se imaginava responsável de uma qualquer paróquia onde o seu trabalho fosse necessário, como contava em Junho de 2015 na reportagem Sem mulher nem filhos, da TSF. “Porque não? Com os devidos auxílios…”, dizia.
Tendo sido professor de História, a vocação foi-se afirmando precisamente durante os anos em que ensinou. Tiago Varanda frequentou depois o Seminário Conciliar de Braga durante sete anos, que culminaram agora com a ordenação. Contará com livros em braille para celebrar a liturgia, de modo a poder ser “igual aos outros” padres e fazer tudo o que eles fazem: “Vou ser mais um entre tantos aqui na diocese, procurarei colaborar com o que o senhor arcebispo me pedir e com aquilo que as pessoas precisarem e for necessário e me pedirem”, afirmava, em declarações ao Departamento Arquidiocesano da Comunicação Social de Braga, citadas pela agência Ecclesia.
O novo padre nasceu com um glaucoma congénito e foi perdendo progressivamente a visão, dependendo da cadela-guia que o acompanha – primeiro Micha, agora Ibiza, que fica na sacristia enquanto Tiago entra na igreja ou na Capela Árvore da Vida, a “capela encantada” do seminário de Braga, que já ganhou vários prémios de arquitectura e tem sido objecto de admiração de todos os que a conhecem.
Tiago recorda-se que alguma coisas de quando ainda podia ver, mas agora admite que, além de livros litúrgicos em braille, necessitará de aprender e ensaiar alguns gestos que recorda menos. “Não vou ler com os olhos, vou ler com as mãos”, e precisar de ajuda para, no altar, pegar no cálice ou na patena.
Dias antes da sua ordenação, Tiago Varanda sublinhava que lhe importa continuar a ser capaz de mostrar às pessoas a sua “relação com Deus”. E insiste na ideia da escuta: “Se não estamos permanentemente a escutar o mundo e a ler para perceber o que se passa à nossa volta, definhamos e fechamo-nos no nosso mundo e deixamos de ter capacidade de dialogar.”
O futuro? “A realidade não é sempre como sonhamos mas é possível sempre fazer algo mais que seja bonito e belo e verdadeiro pelas pessoas. Aquilo que eu já vivi ajuda-me a perceber que haverá dificuldades, que haverá desafios a enfrentar que não devem ser encarados como problemas”, afirma.
(Em 2013, a Ecclesia fez uma reportagem televisiva sobre Tiago Varanda, que pode ser vista a seguir)

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