O apresentador e jornalista Jordi Évole, da televisão espanhola La Sexta, pega numa pequena caixa redonda transparente e retira de dentro um pedaço de arame farpado, com lâminas, igual ao da vala que isola o enclave espanhol de Melilla, em Marrocos. O Papa baixa os olhos e abana a cabeça: “Penso que se uma mãe, um filho, um irmão, necessitado de tudo, se arrisca a passar isso, vejo-o com muita dor. Porque cada pessoa que faz isso é minha mãe, meu filho e meu irmão.”
O Papa toma a peça cortante na mão e acrescenta: “E é tal a inconsciência que parece o mais natural. Acostumámo-nos a isto. O mundo esqueceu-se de chorar. Isto demonstra até onde é capaz de descer a humanidade numa pessoa.”
Numa entrevista dedicada sobretudo ao tema dos refugiados e das migrações, o entrevistador pergunta ao Papa o que sente quando vê que 35 mil pessoas perderam a vida a tentar atravessar o Mar Mediterrâneo: “O senhor é filho de imigrantes. Que lhe passa pela cabeça neste momento?” Francisco não hesita: “Pelacabeça não passa nada, mas pelo coração passa muita dor, não entendo a insensibilidade, não entendo a injustiça”.
Momentos antes, questionado sobre o que pensava da política de Donald Trump, que quer um muro erguido em toda a linha de fronteira com o México, o Papa afirmara: “Quem levanta muro, torna-se prisioneiro do muro que levantou”. E acrescentava, citando A Ponte Sobre o Drina, do escritor bósnio jugoslavo Ivo Andric: “As pontes são uma invenção de Deus para que os homens possam comunicar, são as asas dos anjos.”
Francisco avisa, no entanto: “Não basta receber (o migrante)”, é necessário “acompanhar, promover e integrar”. Se se recebe o emigrante e ele é deixado na rua, “continua a ser um migrante explorado”.
Quanto ao facto de a Europa manter as portas fechadas o Papa lembrou a expressão que usou no discurso perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo: “A Europa tornou-se demasiado avó”, “não temos crianças, nem migrantes, a Europa vive uma crise demográfica!”
A entrevista, que passou na La Sexta na noite de 31 de Março, quando o Papa regressava de Marrocos, passou despercebida da generalidade dos meios de comunicação. Mas, sobre os mais recentes escândalos ligados à questão dos abusos sexuais e às consequentes reformas Francisco está a promover, o Papa Bergoglio explicou que o seu “trabalho é ir limpando” e tentar criar uma estrutura “onde não haja espaço para a sujidade.”
“Não corri no início nem vou agora com um travão”
Sobre os que comentam que ele está a andar para trás, tendo em conta o ímpeto inicial, o Papa contesta tal ideia: “Não corri no princípio”, nem “vou agora com um travão”, disse. No início houve muita “percepção de novidade e ilusão por parte das pessoas”. Mas pouco liga ao que dizem dele: “O que faz a fama à minha Verdade? Nada.”
Jordi Évole confrontou ainda o Papa com recentes afirmações polémicas. A primeira relacionada com a sua sugestão de os pais que têm crianças homossexuais deveriam procurar um psiquiatra. O Papa explicou que se tratava de consultar um “psicólogo”, um “profissional”, insistindo em que uma tendência não é pecado. Pecado é fazer atos conscientes e livres a partir de uma tendência, acrescentando que os pais que sintam algo estranho com os seus filhos, devem procurar averiguar o que se passa, para compreender a origem.
Francisco acrescentou que a questão deve ser tratada em família através do diálogo e que nenhum homossexual deve ser colocado à margem: “Os homossexuais têm direito à sua família” e “a família tem direito a estar com os seus filhos, independentemente da sua orientação”. “É um dever”, acrescentou.
O Papa admitiu entretanto que a frase “o feminismo acaba sendo um machismo de saias”, proferida por ocasião da cimeira sobre os abusos sexuais realizada em fevereiro, no vaticano, lhe saiu, “dita num momento de muita intensidade”. O que ele queria era sobretudo referir-se a um “certo feminismo de protesto” que tem o perigo de acabar como um mero “machismo de saias, não produzindo frutos”.
Jordi Évoleperguntou ainda se, no caso de “jovens que são violadas e acabam por engravidar”, não deveria ser possível o aborto. Francisco respondeu com outra pergunta: “Pode resolver-se um problema matando uma vida humana?”
O Papa condenou ainda os países que, como Espanha, vendem armas a outros para alimentar guerras. O entrevistador deu o exemplo de Espanha, que vende armamento à Arábia Saudita. “Quem vende armas não pode desejar paz”, respondeu Francisco.
Aproveitando o facto de o Papa ser fã de futebol, Jordi Évole perguntou se se se podia dizer que o argentino Leonel Messi é Deus. São “expressões populares”, respondeu o Papa. “Dá gosto vê-lo jogar, mas não é Deus, eu não acredito.”
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