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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A Toalha de Linho Bordada

Esta noite tive um sonho em que parecia querer avaliar toda a minha vida passada. Para alcançar esse objetivo, deitei-a dentro de um jarro de cristal com tampa. Agitei-a como se de um shaker se tratasse. Posteriormente, derramei-a sobre uma linda toalha de linho bordada à mão, repleta de flores coloridas. E o resultado foi algo inesperado já que tinha idealizado que iria brilhar repleta de luz como se de um espelho se tratasse. Mas não. Por entre as flores da toalha apareceram nódoas. Que assustador, que pena senti por ter estragado a toalha. Por outro lado as flores coloridas bordadas pareciam querer erguer-se, ganhando forma, com um odor inebriante. Por entre as nódoas e as flores bordadas começaram a surgir caminhos tergiversados e mesmo alguns pontos com água que pareciam querer formar um pequeno riacho, a água da vida. Mas qual poderia ser o significado deste sonho? Tudo parece querer crescer, adquirir novas formas. Umas bonitas outras nem por isso. Ao passear nos caminhos tergiversados, senti risos alegres, gargalhadas, aplausos, choro de crianças exigindo atenção fazendo alguma “birra”, também felicidade, despreocupação, conforto, bem-estar. Quisera ficar ali envolvida, nestes bons momentos que aqueciam o coração, com aqueles personagens que me recordavam momentos felizes. Apercebi-me que correspondiam a alguns momentos vivenciados e não identificados ao longo da vida.

A dada altura, cheguei ao local das nódoas, que de tão escuras, faziam prever que certamente vinha aí alguma tempestade. Olhei ao redor procurando um abrigo seguro. Mas não encontrei. Senti choros, discussões, tristeza, inveja, rancor. Constituíam os maus momentos da vida. O temporal aproximava-se rapidamente. Só, teria de o enfrentar indefesa, em toda a sua plenitude. Nada a fazer. Mas uma mão gigante abriu-se sobre a minha cabeça protegendo-me da intempérie que passou ao largo. Mais parecia uma proteção divina. Cansada, continuei esta caminhada pelas ruas e agruras da vida. Era bem melhor se tudo corresse bem. Mas não. Apareceram umas aves que me assustaram. E a que fora a linda toalha de linho questionou-me onde tinha falhado, que mal tinha feito para estar a passar por estas agruras. Não lhe soube responder.

Na verdade, todos possuímos virtudes e qualidades, mas também defeitos e falhas, e erramos algumas vezes ainda que possa não ser intencional. Pensamos que nos encontramos a agir bem e não é de todo o caso. E veio a noite. Pensei que seria um prelúdio da morte. Sem abrigo, cansada, sentei-me no chão. E um manto de estrelas veio cobrir-me aquecendo-me. A lua concedeu-me a luz necessária para me sentir segura. Não sentia qualquer necessidade de alimento, tendo adormecido tranquila debaixo do firmamento que parecia querer sorrir e tranquilizar-me. Os anjos e santos faziam-me companhia, ou seja, mesmo nos piores momentos não estamos sós, temos sempre ao nosso lado pelo menos o nosso anjo da guarda para nos proteger. Depois da tempestade vem a bonança. E senti que estes ciclos, se iriam repetir uma e outra vez, constituindo a vida a passar. Mas então que balanço poderia fazer da minha vida? Não o sabia fazer de todo. Não podia mesmo ser feito. Compreendi então que teria que esperar que a história se escrevesse, que houvesse um julgamento.

Despertei com ao primeiros raios de sol que pareciam acariciar-me, dar-me os bons dias, trazer-me de novo para a vida. Olhei para a mesa coberta com a toalha de linho bordada a matiz onde tinha espalhado a minha vida. Como teria querido que fosse sempre perfeita sem mácula! Mas na realidade, algumas vezes tropeçamos, caímos, levantamo-nos, voltamos a cair e a levantar, procurando sempre cumprir o mais importante: seguir em frente com os olhos colocados no céu, pedir perdão quando erramos. Senti alguma inquietação. Tinham entretanto surgido alguns peões, como se de um tabuleiro de xadrez se tratasse. Tentei levantá-los, mas face ao seu peso não conseguia de todo movimentá-los. Encontravam-se firmes que nem uma rocha. Neste shaker da vida, nesta garrafa de cristal, devia-nos ser concedida a oportunidade de voltar atrás sempre que erramos, no sentido de corrigirmos as nossas falhas… Na sua impossibilidade, deveríamos conseguir visualizar o futuro distinguindo o bem do mal, ter uma linha orientadora, um fio condutor. É possível, se cumprirmos os mandamentos de Deus que nos concedem tantas graças.

Quisera que a toalha permanecesse sempre impecável. Recordei um ditado antigo: “No melhor pano cai a nódoa”. Recordei ainda que somos herdeiros do mal através da natureza de Adão e de Eva. Não fazemos o bem que queremos mas o mal que não queremos. Mas a lei do “Espírito e da Vida” é maior do que a lei do “pecado e da morte”. E ouvi uma voz que dizia: “Todo aquele que me confessar diante dos homens também o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus”. Sócrates escreveu: “Só quem entende a beleza do perdão pode julgar os seus semelhantes”.

Decidi levantar a toalha de linho com todo o seu conteúdo, ou seja, a minha vida, os meus sonhos, as minhas ilusões, os meus projetos, as coisas boas que fiz, os meus erros e pecados. Abracei a toalha contra o meu peito, acarinhando-a como se de um filho se tratasse. Apesar de tudo, a vida vale a pena ser vivida. Temos um Deus que nos ama e que tudo perdoa. Acordei entretanto sobressaltada mas em paz.

Tomei a decisão de ir procurar a toalha de linho bordada guardada há muitos anos numa qualquer gaveta. Por ser tão bela e perfeita, uma verdadeira obra de arte, com receio que se estragasse nunca a cheguei a utilizar, tendo caído no esquecimento. Veio-me ao pensamento uma frase que um dia um dos meus filhos disse quando era pequeno. Tinha-me preparado o melhor possível para uma ocasião verdadeiramente importante. Ao sair de casa, quis dar um beijo de despedida ao meu filho, que me disse, afastando-se um pouco: “Mãe, estás tão bonita, que és como um canteiro de flores que não se pode pisar!” Associei-a agora à toalha que de tão bela não se podia utilizar. Então para que serve toda a beleza, se não se pode usufruir dela?

Alguém disse que “a beleza salvará o mundo”. A beleza une-nos, toca-nos profundamente, causa-nos diferentes sentimentos consoante o que nos quer transmitir, desde logo, emociona-nos, concede-nos alegria, paz… é para ser divulgada, partilhada e usufruída. Decidi, que a partir de agora, iria dar um destino que fosse útil à toalha bordada. As coisas belas não são para ficar guardadas numa gaveta, mas sim para serem utilizadas quando for conveniente.

Maria Helena Paes



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