Esta noite tive um sonho em que parecia querer avaliar toda a
minha vida passada. Para alcançar esse objetivo, deitei-a dentro de um jarro de
cristal com tampa. Agitei-a como se de um shaker
se tratasse. Posteriormente, derramei-a sobre uma linda toalha de linho bordada
à mão, repleta de flores coloridas. E o resultado foi algo inesperado já que
tinha idealizado que iria brilhar repleta de luz como se de um espelho se
tratasse. Mas não. Por entre as flores da toalha apareceram nódoas. Que
assustador, que pena senti por ter estragado a toalha. Por outro lado as flores
coloridas bordadas pareciam querer erguer-se, ganhando forma, com um odor
inebriante. Por entre as nódoas e as flores bordadas começaram a surgir
caminhos tergiversados e mesmo alguns pontos com água que pareciam querer
formar um pequeno riacho, a água da vida. Mas qual poderia ser o significado
deste sonho? Tudo parece querer crescer, adquirir novas formas. Umas bonitas
outras nem por isso. Ao passear nos caminhos tergiversados, senti risos
alegres, gargalhadas, aplausos, choro de crianças exigindo atenção fazendo
alguma “birra”, também felicidade, despreocupação, conforto, bem-estar. Quisera
ficar ali envolvida, nestes bons momentos que aqueciam o coração, com aqueles
personagens que me recordavam momentos felizes. Apercebi-me que correspondiam a
alguns momentos vivenciados e não identificados ao longo da vida.
A dada altura, cheguei ao local das nódoas, que de tão escuras,
faziam prever que certamente vinha aí alguma tempestade. Olhei ao redor
procurando um abrigo seguro. Mas não encontrei. Senti choros, discussões,
tristeza, inveja, rancor. Constituíam os maus momentos da vida. O temporal
aproximava-se rapidamente. Só, teria de o enfrentar indefesa, em toda a sua
plenitude. Nada a fazer. Mas uma mão gigante abriu-se sobre a minha cabeça
protegendo-me da intempérie que passou ao largo. Mais parecia uma proteção
divina. Cansada, continuei esta caminhada pelas ruas e agruras da vida. Era bem
melhor se tudo corresse bem. Mas não. Apareceram umas aves que me assustaram. E
a que fora a linda toalha de linho questionou-me onde tinha falhado, que mal
tinha feito para estar a passar por estas agruras. Não lhe soube responder.
Na verdade, todos possuímos virtudes e qualidades, mas também
defeitos e falhas, e erramos algumas vezes ainda que possa não ser intencional.
Pensamos que nos encontramos a agir bem e não é de todo o caso. E veio a noite.
Pensei que seria um prelúdio da morte. Sem abrigo, cansada, sentei-me no chão.
E um manto de estrelas veio cobrir-me aquecendo-me. A lua concedeu-me a luz
necessária para me sentir segura. Não sentia qualquer necessidade de alimento,
tendo adormecido tranquila debaixo do firmamento que parecia querer sorrir e
tranquilizar-me. Os anjos e santos faziam-me companhia, ou seja, mesmo nos
piores momentos não estamos sós, temos sempre ao nosso lado pelo menos o nosso
anjo da guarda para nos proteger. Depois da tempestade vem a bonança. E senti
que estes ciclos, se iriam repetir uma e outra vez, constituindo a vida a
passar. Mas então que balanço poderia fazer da minha vida? Não o sabia fazer de
todo. Não podia mesmo ser feito. Compreendi então que teria que esperar que a
história se escrevesse, que houvesse um julgamento.
Despertei com ao primeiros raios de sol que pareciam
acariciar-me, dar-me os bons dias, trazer-me de novo para a vida. Olhei para a
mesa coberta com a toalha de linho bordada a matiz onde tinha espalhado a minha
vida. Como teria querido que fosse sempre perfeita sem mácula! Mas na
realidade, algumas vezes tropeçamos, caímos, levantamo-nos, voltamos a cair e a
levantar, procurando sempre cumprir o mais importante: seguir em frente com os
olhos colocados no céu, pedir perdão quando erramos. Senti alguma inquietação.
Tinham entretanto surgido alguns peões, como se de um tabuleiro de xadrez se
tratasse. Tentei levantá-los, mas face ao seu peso não conseguia de todo
movimentá-los. Encontravam-se firmes que nem uma rocha. Neste shaker da vida, nesta garrafa de
cristal, devia-nos ser concedida a oportunidade de voltar atrás sempre que erramos,
no sentido de corrigirmos as nossas falhas… Na sua impossibilidade, deveríamos conseguir
visualizar o futuro distinguindo o bem do mal, ter uma linha orientadora, um
fio condutor. É possível, se cumprirmos os mandamentos de Deus que nos concedem
tantas graças.
Quisera que a toalha permanecesse sempre impecável. Recordei
um ditado antigo: “No melhor pano cai a nódoa”. Recordei ainda que somos
herdeiros do mal através da natureza de Adão e de Eva. Não fazemos o bem que
queremos mas o mal que não queremos. Mas a lei do “Espírito e da Vida” é maior
do que a lei do “pecado e da morte”. E ouvi uma voz que dizia: “Todo aquele que
me confessar diante dos homens também o Filho do homem o confessará diante dos
anjos de Deus”. Sócrates escreveu: “Só quem entende a beleza do perdão pode
julgar os seus semelhantes”.
Decidi levantar a toalha de linho com todo o seu conteúdo, ou
seja, a minha vida, os meus sonhos, as minhas ilusões, os meus projetos, as
coisas boas que fiz, os meus erros e pecados. Abracei a toalha contra o meu
peito, acarinhando-a como se de um filho se tratasse. Apesar de tudo, a vida
vale a pena ser vivida. Temos um Deus que nos ama e que tudo perdoa. Acordei
entretanto sobressaltada mas em paz.
Tomei a decisão de ir procurar a toalha de linho bordada
guardada há muitos anos numa qualquer gaveta. Por ser tão bela e perfeita, uma
verdadeira obra de arte, com receio que se estragasse nunca a cheguei a utilizar,
tendo caído no esquecimento. Veio-me ao pensamento uma frase que um dia um dos
meus filhos disse quando era pequeno. Tinha-me preparado o melhor possível para
uma ocasião verdadeiramente importante. Ao sair de casa, quis dar um beijo de
despedida ao meu filho, que me disse, afastando-se um pouco: “Mãe, estás tão
bonita, que és como um canteiro de flores que não se pode pisar!” Associei-a
agora à toalha que de tão bela não se podia utilizar. Então para que serve toda
a beleza, se não se pode usufruir dela?
Alguém disse que “a beleza salvará o mundo”. A beleza
une-nos, toca-nos profundamente, causa-nos diferentes sentimentos consoante o
que nos quer transmitir, desde logo, emociona-nos, concede-nos alegria, paz… é
para ser divulgada, partilhada e usufruída. Decidi, que a partir de agora, iria
dar um destino que fosse útil à toalha bordada. As coisas belas não são para
ficar guardadas numa gaveta, mas sim para serem utilizadas quando for
conveniente.
Maria Helena Paes |
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