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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Chegou coberto de tatuagens à abadia onde hoje é monge e conserva-as! «É parte do que sou»

Depois de uma vida dando tombos, encontrou a paz beneditina 

O Irmão André: toda uma história escondida debaixo dos hábitos...
Mas não nas mãos nem no pescoço.

Actualizado 22 de Novembro de 2014

C.L. / ReL

Há seis anos, uma moto deteve-se às portas da abadia beneditina de Mount Angel, em Saint Benedict (Oregão, Estados Unidos). Dela desceu um homem já maduro, vestido de couro, com um piercing nas orelhas, algumas rastas no cabelo e tatuagens nos braços e pescoço. Agora recorda que foi “muito divertido” comprovar o impacto da sua imagem sobre os monges. Corrobora-o o abade, Vincent Trujillo: “Procurávamos não ter preconceitos quanto à sua aparência, mas certamente impressionava. Todo o mundo é bem-vindo aos retiros de discernimento”.

De Bobby Love a Hermano André

Porque a isso ia Bobby Love: a discernir a sua vocação. E do resultado do discernimento é boa mostra a sua imagem como encarregado do museu do mosteiro. O seu nome é agora Irmão André e traz o mesmo hábito beneditino que o resto dos seus quase cinquenta companheiros.

Mas ainda ficam as ondas do seu passado, as tatuagens que fez nas mãos e pescoço no início dos anos 90. Chamavam-lhes tatuagens “anti trabalho”, porque ninguém que as tivesse podia aspirar a ser contratado. E é exactamente o que ele pretendia: como filho rebelde de um sucedido homem de negócios, tinha decidido ser artista e não queria fazer marcha atrás. Estampar a pele foi a sua forma de “queimar as naves” para começar a levar uma vida boémia e viver só dos seus pincéis.

Muitos anos depois, quando decidiu ficar entre os muros do claustro, pediu permissão ao abade para apagar as tatuagens. Mas Dom Vincent sugeriu-lhe que as conservasse, e o irmão André aceitou: “Não tanto como recordação, mas sim porque é parte do que sou”, confessa a Tom Mayhall Rastrelli numa reportagem do Statesman Journal. 

Um bom monge
Rodeado dos múltiplos objectos do museu (desde uma colecção de animais dissecados a algumas peças milenares de cerâmica, passando por uma abóbora esculpida por Walt Disney), que se encarrega de investigar e catalogar, o irmão André sente-se “como num jardim”, mas sai-lhe o monge que leva dentro: “A oração é o meu trabalho real”. E de facto, uma das pessoas que mais o ajudaram nas suas tarefas museísticas como restauradora no Bush Barn Art Center, Catherine Alexander, destaca que “uma singular forma de devoção empapa tudo o que faz”.

O antigo Bobby Love é também o encarregado da campainha que rege a vida monacal, e que toca às 5:20, 6:30, 7:55, 11:55, 5:15 e 7:25, as horas em que os monges vão à capela para as Horas e a missa. Ele senta-se no coro em primeira fila, entre os mais novos. O abade fala bem dele: “Faz bem o seu trabalho e sabe quando é o momento de concentrar-se e quando o de relaxar-se. Não porque sejamos monges ignoramos como passa-lo bem!”. 

Dinheiro, amigos e vícios: só e sem rumo
Mas qual é a história do irmão André? Nasceu no seio de uma família católica, o terceiro de cinco irmãos, todos raparigas salvo ele, e viveram no Texas e Mississippi. O seu pai era empresário e a sua mãe pintora, e assim nasceu a sua vocação artística. Estudou no instituto até que o deixou e se inscreveu-se no Exército, onde esteve cinco anos, incluindo a Guerra do Golfo.

Depois abandonou as Forças Armadas e foi quando tatuou o corpo. Vivendo em Nova Iorque descobriu que podia ganhar cem dólares à hora fazendo tatuagens… E foi a sua ocupação nos anos seguintes, com uma reputação que o levou da Grande Maçã a todo o país: Nova Orleães, Seattle, Austin… Tinha dinheiro, tinha amigos… “Tudo apontava a que eu deveria ser feliz, mas sentia-me só e à deriva. Olhava-me a mim mesmo e dava-me conta de que me tinha convertido num produto. A minha arte não era uma expressão pessoal, mas sim o que os rapazes queriam, aquilo pelo que estavam dispostos a pagar”.

Tudo era questão de dinheiro, de imagem, de ego… Bebia demasiado e consumia drogas.

A necessidade de Deus
Bobby Love divorciou-se três vezes. “Não tinha nem ideia do que era o amor. Não tinha nem ideia sobre como amar ou sobre como deixar que os demais me quisessem, e por isso era um miserável”, lamenta agora o Irmã André: “Os meus vícios eram só um sintoma de um problema maior… A ruína espiritual. Dei-me conta de que necessitava de Deus.

Necessitava ser uma pessoa completa no sentido de que não se trata só do material ou do físico, mas sim de uma completa dinâmica espiritual que eu tinha ignorado por completo”.

Decidiu então tratar-se dos seus vícios, sair da boémia para ter um trabalho “normal” das nove da manhã às cinco da tarde, ter tempo para pensar e reconduzir a sua vida: “Olhei-me nos braços e vi que neles só havia ódio e ira. Era um mecanismo de autodefesa”.

A fé da infância
Nesse processo de revisão de vida, investigou diversas religiões, mas concluiu que o que devia tentar era conhecer de verdade a que tinha provado na sua infância. Em 2006 voltou à fé católica: “Tive que reaprender a fé como adulto. Quando criança tinha um montão de questões que não compreendia. Se te educam na fé, simplesmente crês nisso. Eu só queria saber porque o fazemos”.

Confessou-se, vinte e cinco anos depois, e realizou o curso básico de iniciação como se não estivesse já baptizado. Pediu perdão a todos aqueles a quem tinha prejudicado durante a sua vida.

Criador de ícones

Quis converter-se num artista cristão, “mas não para pintar essas imagens melosas de Cristo e dos santos nos mesmos estilos nos que já se fez, em particular com todo esse sentimentalismo. Queria, de novo, encontrar a minha voz”. E conseguiu-o no claustro, nos pequenos espaços de vinte minutos que as suas responsabilidades lhe deixam livres.

Actualmente está terminando um ícone bizantino de São Estevão e um quadro de Veronés das Sete Dores de Maria Santíssima, a pedido de uma paróquia. O seu superior pediu-lhe que estude iconografia, e consagra-se a pintar quadros religiosos com técnicas antigas.

Pintar como forma de relação com Deus
Agora a sua perspectiva é a de um monge: “Tive que mudar tudo o que pensava sobre criar e produzir. Já não se trata do que sou capaz de fazer, mas sim da minha relação com Deus”.

Porque “Deus”, confessa, é a última explicação para um périplo vital que começou com a paixão da arte e o levou a descer naquele dia da moto, às portas da Abadia de Mount Angel, disposto a mudar as suas rastas e as suas tatuagens, mas sobretudo a sua alma e o seu passado, pela tela de um retiro espiritual.

Clica aqui para ler o artículo original completo (em inglês) em Statesman Journal.


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