
Limpeza étnica legitimada?
Clara Raimundo | 22/08/2025
“Temos um acordo muito abrangente”, disse o presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca, com o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, sentado à sua direita, e o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, à sua esquerda. “É um acordo de paz. Não é um cessar-fogo. É um acordo de paz”, insistiu há duas semanas. Mas não era um acordo de paz. Era uma declaração conjunta que reconhecia “a necessidade de continuar com novas ações para alcançar a assinatura e a ratificação final do Acordo”. E que ignorava totalmente a limpeza étnica a que foi submetido o território de Nagorno Karabakh, cujos 120 mil habitantes cristãos armênios continuam a ter de viver no exílio.
“Após 35 anos de guerra e quase dois anos depois de o Azerbaijão ter atacado Nagorno Karabakh, uma república arménia autónoma, expulsando toda a sua população cristã arménia, continua sem haver tratado de paz”, denuncia a Christian Solidarity International (CSI). Apesar disso, e alegando que um tratado de paz foi efetivamente assinado, Trump “suspendeu as restrições legais à venda de armas americanas ao Azerbaijão durante a reunião”, ao mesmo tempo que “Aliyev e Pashinyan também assinaram um apelo conjunto à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), solicitando à organização de segurança regional que encerre o processo de paz que lidera para a Arménia e o Azerbaijão desde 1995 – atendendo assim a mais uma exigência do Azerbaijão”, alerta a mesma organização.
Acresce que tanto a Arménia como o Azerbaijão haviam já concordado com o texto de um tratado de paz em março deste ano, mas o Azerbaijão recusou-se a assiná-lo até ao momento, exigindo que, antes disso, a Arménia reveja a constituição para eliminar quaisquer referências a Nagorno Karabakh como parte da pátria arménia. Tal revisão exigiria uma votação nacional da população armênia, o que não se espera que seja possível antes de 2026.
Durante o encontro dos três líderes políticos na Casa Branca, um jornalista questionou especificamente: “Os arménios de Nagorno Karabakh poderão regressar?”, mas todos eles ignoraram a pergunta. E nenhum mencionou “os 23 arménios mantidos reféns pelo Azerbaijão e os outros 80 arménios desaparecidos à força pelo Azerbaijão. (“Desaparecidos à força” significa que o Azerbaijão nega tê-los mantido reféns, embora tenham sido vistos vivos pela última vez em mãos azerbaijanas)”, assinala a CSI.
Representantes dos arménios deslocados manifestam preocupação

Criança refugiada chega à Arménia vinda de Nagorno-Karabakh. Foto © UNICEF
As reações dos representantes dos arménios deslocados de Karabakh não se fizeram esperar. A União de Artsakh expressou “profunda preocupação” com “o absoluto desrespeito e violação dos direitos do povo de Artsakh (Nagorno Karabakh), que foi sujeito a genocídio e privação forçada da sua terra natal”.
O Comité para a Defesa dos Direitos Fundamentais do Povo de Nagorno Karabakh, que foi nomeado pelo parlamento de Nagorno Karabakh após a limpeza étnica em 2023, considerou a o facto de nenhum dos três líderes sequer mencionar Nagorno Karabakh “alarmante”.
O Comité recordou que o direito dos arménios de regressar à sua terra natal recebeu recentemente apoio na Iniciativa Suíça de Paz para Nagorno Karabakh, um fórum de paz constituído por 19 parlamentares de diferentes partidos, que visa facilitar o diálogo entre o Azerbaijão e representantes de Nagorno-Karabakh para que os aproximadamente 120 mil arménios expulsos possam finalmente regressar a casa de forma segura. [ver 7MARGENS].
Este comité de parlamentares suíços classificou a reunião na Casa Branca como “um passo promissor para garantir uma paz permanente no Cáucaso do Sul”, mas acrescentou: “Agora é o momento certo para a Iniciativa de Paz Suíça para Nagorno Karabakh. Enquanto 120.000 arménios permanecerem deslocados da sua terra natal em Nagorno Karabakh, o conflito de décadas em Nagorno Karabakh permanecerá sem solução e continuará a minar as perspectivas de uma paz duradoura entre a Arménia e o Azerbaijão”. E lançou o apelo: “Instamos o Presidente Trump, o Presidente Aliyev, o Primeiro-Ministro Pashinyan e outros atores envolvidos nas negociações de paz na região a apoiarem a Iniciativa Suíça de Paz. Juntos, podemos concluir o árduo trabalho de construir uma paz duradoura”.
O risco de manchar a história, autoridade e princípios da OSCE

Os representantes dos arménios de Nagorno-Karabakh apresentaram um apelo aos estados participantes da OSCE. Foto: Direitos reservados
Já esta quinta-feira, 21 de agosto, a OC Media (plataforma de jornalismo independente do Cáucaso) noticiava que os representantes dos arménios de Nagorno-Karabakh apresentaram um apelo aos estados participantes da OSCE, instando-os a “exercer os seus poderes, incluindo o direito de veto, se necessário, para impedir a dissolução do Grupo de Minsk”.
O texto do apelo foi publicado na quarta-feira, assinado por Ashot Danielyan, presidente do Parlamento de Nagorno-Karabakh, em nome de todas as fações e membros da Assembleia Nacional, e dirigindo-se aos Estados membros “com profunda urgência e grave preocupação” em relação ao que apelidam de “pedido unilateral” da Arménia e do Azerbaijão para encerrar o mandato do Grupo de Minsk da OSCE.
Danielyan pede aos estados participantes da OSCE para que exerçam a sua autoridade e impeçam o desmantelamento desta estrutura “até que garantias sólidas estejam em vigor para assegurar o retorno seguro e digno da população arménia deslocada de Nagorno-Karabakh”.
“O conflito não pode ser considerado resolvido enquanto uma população inteira permanecer desenraizada, privada dos seus direitos inalienáveis”, pode ler-se no apelo, que conclui com a seguinte mensagem: legitimar “a limpeza étnica realizada pelo Azerbaijão em Nagorno Karabakh e considerar o conflito resolvido deixaria uma mancha indelével e sangrenta na história, autoridade e princípios da OSCE”.
Sem comentários:
Enviar um comentário