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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O menino do mato que chegou a Cardeal

Nascido numa aldeia no planalto norte da Guiné-Conacri, no seio duma família humilde da etnia coniagui, aos onze anos decide entrar no seminário menor, levando consigo apenas um tesouro, uma mala confeccionada pelo próprio pai. 

Durante a sua formação sacerdotal deu-se a independência do país, em 1958, que ficou sob uma ditadura marxista, sanguinária e furiosamente anti-religiosa de Sékou Touré. 

Dado o contexto político, de todos os alunos da sua turma, só Robert Sahra se ordenou Sacerdote em 1969, e aos trinta anos, com Paulo VI, foi nomeado Arcebispo de Conacri de 1979 a 2001, o mais jovem Arcebispo do mundo, lutando com energia pela liberdade de seu povo, denunciou abusos e penúria. 

João Paulo II chamou-o para o Vaticano em 2001 como Secretário para a Evangelização dos Povos, Bento XVI tornou-o cardeal em 2010, e Francisco fê-lo um de seus mais próximos colaboradores, nomeando-o Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. 

A sua vida é um verdadeiro milagre, uma sucessão de momentos que seriam impossíveis sem a intervenção divina. Ela está construída sobre a rocha da fé e ele não cessa de se debater pela verdade, com humildade, simplicidade e coragem. O seu percurso, simultaneamente vertiginoso e heróico, gerou um grande homem de Deus, humilde, profundo, firme e perspicaz.

Recentemente entre nós para o lançamento do seu livro Deus ou nada, o Cardeal Sarah disse-nos que o elemento central da sua visão sobre a realidade actual da igreja é a presença de Deus: O homem foi criado por Deus, para Deus, e Deus não se cansa de o atrair para Ele". Esta é a chave de leitura de toda a realidade, da sua espantosa vida pessoal como dos acontecimentos mundiais. "A Igreja não tem senão um método: a procura de Deus na oração, no conhecimento aprofundado e meditado da sua Palavra. Sem ligação pessoal com Deus, não há constância nem perspectiva".

Pelo contrário, os dramas da actualidade provêm da atitude inversa: "A miséria mais profunda é a falta de Deus". Num tempo que recusa Deus e O substitui por ideologias venenosas. A verdadeira crise não é económica ou política, mas uma crise de Deus. O homem dos nossos dias é orientado para a posse dos bens materiais, o consumismo e o hedonismo reduziram-no a uma dimensão meramente animal, sem a elevação ao transcendente e ao espíritual.

O Cardeal Sarah viveu a destruição da sua Guiné pelas doutrinas ateias, e agora reencontra no Ocidente uma versão diferente mas igualmente devastadora: "Se não sairmos da cultura de morte, a humanidade caminhará para a sua perdição. Neste início do terceiro milénio a destruição da vida já não é um acto de barbárie, mas um progresso da civilização; a lei toma o pretexto de um direito à liberdade individual para dar ao Homem a possibilidade de matar o seu próximo. O mundo poderá tornar-se um verdadeiro inferno.

A ciência e o dinheiro mandam no mundo, a cultura ocidental organizou-se como se Deus não existisse e sem Deus no coração, só há discórdia, violência e opressões, o homem fica perdido, desorientado e a sua vida desenrola-se sem nexo.

A civilização da pós-modernidade vive dos sentidos e os senhores do mundo deixam Deus de fora, num radical ateísmo, mas não podemos esquecer que Homem é grande porque tem a dimensão divina e sem esta ele fica à mercê do outro homem, é explorado, minimizado, violentado, coisificado e degradado. Vindo da Igreja africana, o Cardeal Sarah é uma voz profética para o Ocidente, pois a antiga "terra de missão" é agora a "nova primavera do cristianismo".

Só o regresso à tradição cristã nos pode salvar da cultura hedonista, narcísica, relativista e materialista. Sem Deus, o mundo seria um inferno permanente. Com Deus, existe a graça, que é a ternura e a carícia do Céu. Por isso, a alternativa a Deus é o nada. 

Suzana Maria de Jesus






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