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quarta-feira, 10 de junho de 2015

A Língua é a Nossa Pátria

1. Português entre os emigrantes
Dentro de dias vamos celebrar mais um Dia de Portugal, das Comunidades e de Camões. Noutros tempos designava-se simplesmente Dia de Camões, o grande cantor da língua portuguesa. No contacto com os nossos emigrantes em países com idiomas muito diferentes do português compreendo bem o sentido e a força da expressão de outro nosso grande poeta, Fernando Pessoa: a língua é a nossa pátria.

Nos meus contactos com as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e com os seus agentes pastorais, padres, diáconos, catequistas e outros colaboradores noto a força da nossa língua para fomentar os laços da família e das comunidades. A transmissão dos afetos, da fé e dos valores familiares e cristãos é mais eficiente quando se faz na língua das origens da família. Embora as novas gerações já frequentem ou frequentaram as escolas dos países onde residem e para a conversação entre elas usem o idioma da escola, no entanto os valores e afetos têm uma expressão que não passa só por palavras nem por formulários, mesmo que sejam orações tradicionais. Quando nos zangamos ou exprimimos sentimentos de amizade, não é apenas a expressão do rosto que fala. Também surgem as palavras correspondentes que ouvimos e aprendemos no colo ou no berço. Daí a importância da aprendizagem da língua da nossa família, para crescermos e fortalecermos a nossa identidade. Quem não faz esta experiência pode acabar por viver inseguro, sem pátria.

Sei que o cristão é cidadão do mundo. Em toda a parte é concidadão e não estrangeiro. Mas esta maturidade da vida humana e cristã passa por várias fases, pelo diálogo com a diferença. A diversidade acaba por tornar-se uma riqueza na maturidade da vida. Os emigrantes que têm a possibilidade de crescer e desenvolver-se neste sentido acabam por constituir os cidadãos adultos do futuro e construir a sociedade sem fronteiras, mas não sem pátria.

As missões e associações de língua portuguesa, com os seus movimentos e atividades próprias, como catequese, celebrações, ranchos, escolas de formação e aprendizagem da língua portuguesa e do idioma do país de residência são uma grande riqueza para ajudar neste desenvolvimento de inclusão e maturidade, em que cada um contribui com o melhor de si. Aproveito para agradecer a todos, agentes pastorais, instituições e associações das comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo mundo, que ajudam as novas gerações a conhecer as suas raízes e a integrar-se no país de residência. Estão a dilatar a pátria pelo mundo e a ajudar ao aparecimento da nova sociedade, onde todos são concidadãos e não estrangeiros.

2. Contributo das comunidades portuguesas
A Comunidade europeia surgiu da inspiração de grandes políticos cristãos depois da experiência trágica da segunda grande guerra, cujo fim foi há 70 anos, assinalados com grande pompa sobretudo nos países que dela foram cenário. Direta ou indiretamente toda a humanidade sofreu as suas desastrosas consequências.

Todos queremos a paz, mas nem todos a sabem construir no dia a dia. A Comunidade europeia como espaço de mobilidade e de aceitação das diferenças ainda tem muito que aprender e realizar em ordem à integração harmónica de todos os que vivem no seu espaço, mas também dos muitos que a procuram para aí viver e contribuir para o seu desenvolvimento económico e social. Ainda há muitos que são marginalizados ou ficam pelo caminho, porque não conseguem encontrar o seu lugar nesta sociedade. 

Todos, também as comunidades cristãs, devem dar o seu contributo para a construção dessa sociedade de concidadãos e não de estrangeiros. Precisamente sobre este contributo vou deixar aqui um último pensamento. Como podem as nossas comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo mundo contribuir para a construção de uma nova cidadania, sem fronteiras, na riqueza da diversidade de línguas e culturas?

Afirmamos que Deus criou a humanidade, com a diversidade de cores e línguas, mas também alguém disse que os portugueses criaram a mestiçagem. Nisto reside a nossa riqueza. Saber viver e conviver com todo o ser humano. Isto tenho observado nas nossas comunidades, onde convivem pessoas provenientes dos diversos países de língua portuguesa e também de outras línguas, mas que gostam da nossa maneira de ser, simples e sem complexos. 

Como membro da Comissão episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana agradeço a Deus esta capacidade e faço votos para que continue e se aprofunde, dando assim um precioso contributo para o surgimento de uma nova sociedade, de conivência pacífica de cidadãos de várias proveniências. Que os diversos agentes pastorais, sejam de que país for, sejam bem acolhidos e saibam ajudar a desenvolver esta capacidade.

† António Vitalino, bispo de Beja

Nota semanal em áudio:





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