Páginas

terça-feira, 6 de maio de 2014

Vocação e vocações

1. Chamados à responsabilidade
Na última nota escrevi sobre o significado da liberdade, condição fundamental da dignidade da pessoa humana e das liberdades, que nem sempre dignificam o ser humano, sobretudo quando o seu exercício não tem em conta todas as relações em que estamos inseridos. Isto significa que precisamos de crescer na responsabilidade no modo como vivemos a nossa liberdade, na multiplicidade das relações para que aponta o nosso ser pessoa. Neste sentido irei tecer algumas considerações sobre a nossa existência como uma vocação para a responsabilidade na construção de relações interpessoais, em que o maior bem de todos é fundamental, no respeito pelas possibilidades de cada um e também da natureza, a fim de criar um ambiente de harmonia e de paz, essencial para um desenvolvimento integral.

Recebendo a vida como um dom, pela educação vamos aprendendo a ser gratos por isso e a retribuir a pouco e pouco, transformando o dom em oferta de nós mesmos e das nossas capacidades, para que a cadeia destas atitudes fundamentais se prolongue no tempo e no espaço e assim realizemos a finalidade da existência, criando um mundo melhor e mais belo.

Esta maneira de ver a vida e o mundo implica também uma visão da realização da pessoa humana como uma vocação e uma atitude de responsabilidade concertada com tudo e todos os seres que nos rodeiam. Por isso é importante que a família e os sistemas educativos contribuam para o discernimento dessa vocação e não apenas para a realização profissional.

Muitas perguntas surgem no meu espírito ao tecer estas considerações, que não posso alongar. Na brevidade desta nota quero apenas chamar a atenção para a vocação na construção do crescimento humano e espiritual da pessoa e sociedade, na continuidade da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que vai acontecer no próximo domingo, dia 11 de Maio, na liturgia da Igreja denominado o Domingo do Bom Pastor, deixando para outra altura vocações complementares.

Nela o Papa afirma que, na pluralidade das estradas, toda a vocação exige sempre um êxodo de si mesmo para centrar a própria existência em Cristo e no seu Evangelho. Eu diria mesmo que a vida como vocação implica sempre um sair de si mesmo e centrar-se no outro e nos outros, numa atitude de admiração e de responsabilidade pelo bem deles, seja no exercício das diversas profissões, seja na vida conjugal, familiar, social, politica e no lazer. Isso é ainda mais necessário na vida eclesial, na construção de comunidades centradas em Deus, realização plena da pessoa humana. A superação de uma vida centrada no eu, no individualismo, exige uma aprendizagem contínua da vida como admiração e como serviço a Deus na pessoa dos irmãos e irmãs, diz o Papa na sua mensagem.

A vocação é um fruto que amadurece no terreno bem cultivado do amor aos outros, que se faz serviço recíproco no contexto duma vida eclesial autêntica. Nenhuma vocação nasce por si, nem vive para si. Nasce no coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel na experiência do amor fraterno. Por isso Jesus disse: Nisto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.

2. Vocações, testemunho da verdade

Como frisei na primeira parte desta nota, dificilmente contribuiremos para o despertar de vocações consagradas ao serviço da construção de comunidades eclesiais, se não trabalharmos as relações fundamentais da existência, a partir da família, como uma vocação para a responsabilidade pelo bem de toda a criação. E ainda menos tratando-se do bem espiritual, que as preocupações pelo imediato da existência nos impede de ver e dar importância.

Descobrir a verdade do nosso ser e dela dar testemunho num mundo à deriva e à procura, é a vocação prioritária da Igreja. O lema do nosso Sínodo diocesano é também a expressão evangélica a verdade te libertará. E a verdade da pessoa feliz e realizada é Jesus Cristo, que viveu para nós e por todos entregou a vida, para que nós a tenhamos em abundância, lemos no Evangelho de S. João (10, 10).

A vida como um projeto de amor, em qualquer missão ou estado de vida, mesmo que difícil de realizar, é o modelo que pode fascinar as crianças e os jovens, ainda não corrompidos pelo individualismo egoísta. Nisto consiste a santidade de vida: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei, disse Jesus aos seus discípulos na última ceia. As vocações para o serviço em ordem à realização deste ideal de vida surgirão deste húmus familiar e eclesial. Ainda neste fim de semana experimentei a alegria de antigos colegas meus na gratidão manifestada ao nosso professor e superior, padre Olavo, em Ervidel desde há 43 anos, e a humildade deste confrade carmelita, com 89 anos, a confessar as suas impotências perante muitos desafios do seu itinerário missionário, da Holanda para o Brasil, daí para o seminário carmelita em Braga e de Braga para a diocese de Beja, em Ervidel. Mas sempre lutando com esperança pelas causas nobres da educação e da promoção dos pobres! Que belo testemunho de vida em prol dos mais pobres em tempos difíceis!

Por isso, do íntimo do nosso coração, brota, primeiro, a admiração por uma messe grande que só Deus pode conceder; depois, a gratidão por um amor que sempre nos precede; e, por fim, a adoração pela obra realizada por Ele, que requer a nossa livre adesão para agir com Ele e por Ele, lemos na mensagem papal para este 51º Dia Mundial de Oração pelas Vocações.

Sabendo que tudo depende de Deus, mas também de nós, da nossa abertura à vontade salvífica de Deus, não nos podemos cansar de implorar do Senhor da Messe os trabalhadores necessários para a sua messe. E não se trata apenas de padres e de pessoas na vida consagrada. Todas as nossas comunidades, mesmo que pequenas, devem tornar-se fermento de oração e de vida fraterna, viveiros de santidade e de vocações para a vida do mundo. Não deixemos esta preocupação apenas ao bispo ou aos padres. Não nos fechemos na comodidade do nosso bem estar egoísta, mas abramo-nos à vida como vocação para o bem dos outros, na alegria de conhecermos o caminho da realização plena em Cristo.

Até para a semana, se Deus quiser.

† António Vitalino, Bispo de Beja

Nota semanal em áudio:



Sem comentários:

Enviar um comentário