1. Sem verdade não há futuro
Por esta altura do ano muitos estudantes do ensino superior terminam os seus cursos em ambiente de grande festa, da qual faz parte a chamada bênção das pastas, mais propriamente bênção dos finalistas. Desde há quinze anos que presido em Beja a essa bênção. Fico sempre com a impressão que as orações, as leituras bíblicas, os discursos e os cânticos, embora preparados com muita antecedência e fazendo parte da festa, pouco penetram na mente e no coração dos presentes. Mas fazem parte da festa.
Por esta altura do ano muitos estudantes do ensino superior terminam os seus cursos em ambiente de grande festa, da qual faz parte a chamada bênção das pastas, mais propriamente bênção dos finalistas. Desde há quinze anos que presido em Beja a essa bênção. Fico sempre com a impressão que as orações, as leituras bíblicas, os discursos e os cânticos, embora preparados com muita antecedência e fazendo parte da festa, pouco penetram na mente e no coração dos presentes. Mas fazem parte da festa.
Pela décima quinta vez fiz o meu papel no passado dia 24 e procurei não estragar a festa. A reflexão que tinha preparado foi reduzida ao mínimo, mas aqui deixo alguns dos pensamentos que gostaria de ter transmitido, mas que apenas enunciei.
Em primeiro lugar, pergunto-me pela solidez dos diferentes cursos superiores, alguns com nomes muito semelhantes, mas que pouco têm a ver com a realidade social e empresarial do nosso meio. Além disso interrogo-me se a aprendizagem cria hábitos sólidos de reflexão, de investigação, de trabalho e de construção de um mundo melhor, de relações harmoniosas entre as pessoas e a natureza.
Em segundo lugar, estou convencido que fazer coisas, produzir bens para satisfazer necessidades artificiais de alguns privilegiados, sem ter em conta a verdade, a justiça, a dignidade das pessoas, o desenvolvimento sustentável, uma sã ecologia não tem futuro. A arte de se impor aos outros, a falsidade, a mentira, a injustiça, a corrupção para atingir objetivos egoístas, são areia movediça para a construção da casa comum de todos.
Por isso, para além da natureza específica dos cursos, faz falta introduzir na formação disciplinas que ajudem os estudantes a interrogar-se sobre os fundamentos sólidos da natureza humana e do cosmos, assim como referentes à ética das relações humanas e do progresso. A filosofia, a arte de pensar em profundidade as questões, a verdade e a moralidade, nem sempre acompanham os diversos saberes. Sem isso não é de admirar que predomine a mentalidade economicista de emprego, da exploração do homem e da natureza. O bem comum deveria ser o prisma principal de todos os cursos, cimentando a articulação dos saberes, visando o progresso integral da pessoa, da família, da sociedade e do país.
2. Renascer da esperança
Ao convidarem o Bispo para uma cerimónia de bênção creio que, para além de manter a tradição, há um sinal de abertura a valores superiores aos apreendidos na frequência dos diversos cursos; de busca de fundamentos mais sólidos e seguros que o dinheiro, as remunerações possíveis através do saber adquirido; da vontade de construir a casa, o futuro sobre a rocha, e não sobre a areia. A rocha é a verdade, o amor, o bem dos outros, o tornar o mundo e a convivência humana mais bela, harmoniosa, respirável, baseada no respeito e na confiança mútua, na solidariedade, na entreajuda, e não sobre a areia da mentira, da injustiça, da corrupção, da exploração da natureza e das pessoas, sem respeito pela sua beleza e dignidade. O modelo dessa atitude e a rocha da nossa construção é Cristo, que sendo Senhor se fez servo, por amor a todos.
O projeto bíblico da criação do homem e da mulher apontam nesse sentido. E a exortação de S. Paulo aos Colossenses vem muito a propósito. E, acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição ... E sede agradecidos (Col.3, 14-15). Sem verdade, sem amor e sem gratidão é vão o nosso saber; não contribuirá para fazer renascer a esperança, a alegria de viver e a confiança entre as pessoas. Quando nos sentimos amados, acolhidos e somos gratos, renasce em nós a esperança e o vigor; ressuscitam em nós capacidades para tornar as nossas vidas e o mundo mais alegres e fortalece-se a nossa confiança no futuro.
Exemplo de que há valores e motivações capazes de fazer renascer a autoestima e a alegria nas pessoas foi o que presenciei ao fim da tarde do dia 24 de Maio no Bairro da Esperança, em Beja. Desde há muitos anos conhecido como um bairro pobre, degradado, onde há droga e violência. Têm sido feitos muitos estudos e projetos para melhorar a vida e o ambiente do bairro, mas sem êxito visível. Um grupo de pessoas, leigos ligados ao núcleo de Beja de luta contra a pobreza, começou a despertar a autoestima dos habitantes do bairro e a desafiá-los para tornarem o seu ambiente mais florido, amigo e limpo. As casas foram caiadas, vasos de flores colocados a enfeitar as ruas, das várias espécies e cores, a aprendizagem e entreajuda tornaram-se uma realidade do dia a dia dos moradores, a confiança entre as pessoas fortaleceu-se, a alegria ressurgiu, o ambiente floriu e a esperança renasceu. Bairro da Esperança, de nome e de facto. Aqui se confirma o que escreveu Dostoievski: a beleza salvará o mundo. Não disse a economia ou o poder, mas a beleza, que não se compra, mas se admira, se oferece e nos fascina.
Não deixemos que nos roubem a alegria, o amor ao próximo e a vontade de construir as nossas vidas sobre estes sólidos fundamentos, como amiúde se expressa o Papa Francisco.
† António Vitalino, Bispo de Beja
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