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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Napoleão: perjuro, saqueador de igrejas, anticlerical… Nos seus últimos dias rendeu-se perante Deus

Mostram-no os diários de Antoine de Beauterne de 1840 

Os filmes e séries sobre Napoleão não costumam recolher
a espiritualidade e fé dos seus últimos dias
Actualizado 8 de Novembro de 2013

Giacomo Biffi / Avvenire

O cardeal Giacomo Biffi, arcebispo emérito de Bolonha (Itália), escreveu em "Avvenire", o diário da Conferência Episcopal italiana, um artigo sobre a fé de Napoleão Bonaparte, especialmente nos seus últimos dias desterrado em Santa Helena.

O sargento corso que chegou a auto coroar-se Imperador, que deteve e transferiu o Papa para França, cujas tropas saquearam igrejas por toda a Europa, que acreditou ser capaz de dominar pela força das armas um continente inteiro ao qual sangrou nas suas campanhas desde 1799 a 1815, no ocaso da sua vida reflectiu mais sobre Deus e a sua fé com resultados surpreendentes.

Este é o artigo de "Avvenire".

Napoleão vencido também por Deus,
pelo cardeal Giacomo Biffi

Materialista, saqueador de igrejas e de conventos, incrédulo, perjuro, anticlerical e sequestrador do Papa: esta é a opinião que muitos têm de Napoleão Bonaparte, opinião tão difundida como acriticamente acolhida.

Se vamos às fontes, e em particular a estas conversas, descobrimos algo surpreendente: Napoleão grita com orgulho: «Sou católico romano, e acredito no que crê a Igreja».

Conversas no desterro
Durante os seus anos de isolamento na Ilha de Santa Helena [de 1815 à sua morte em 1821], Napoleão entretinha-se frequentemente com os seus generais, seus companheiros de exílio, conversando sobre a fé.

Trata-se de discursos improvisados que – como revela um dos seus generais de maior confiança, o conde de Montholon – foram transcritos fielmente e depois publicados por Antoine de Beauterne em 1840.

Da autenticidade e fidelidade da transcrição podemos estar seguros porque, quando de Beauterne publica pela primeira vez as conversas, ainda vivem muitas testemunhas e protagonistas desses anos de exílio.

Napoleão admite com cândida honestidade que quando estava no trono tinha tido demasiado respeito humano e uma excessiva prudência pelo que «não havia gritado a sua própria fé».

Mas disse também que «se então alguém lhe tivesse perguntado de maneira explícita lhe teria respondido: "Sim, sou cristão"; e se houvesse podido testemunhar a minha fé ao preço da vida, teria encontrado o valor para fazê-lo». 

A fé, adesão a Cristo, não a uma teoria
Através destas conversas sabemos, sobretudo, que para Napoleão a fé e a religião era a adesão convencida, não a uma teoria ou uma ideologia, mas sim a uma pessoa viva, Jesus Cristo, que confiou a eficácia perene da sua missão de salvação a «um sinal estranho», a sua morte na cruz.

Por isto não nos assombramos se Alessandre Manzoni, na sua ode Cinco de Maio, dá prova de conhecer a sua fisionomia espiritual quando escreve:

Bela Imortal! ¡Benéfica/
¡Fé aos triunfos acostumada!/
Escreve de novo isto, alegra-te;/
que mais soberba altura/
perante a desonra da Gólgota/
jamais não se inclinou».

Conversas com o ateu Bertrand
O imperador mantém longas conversas com o general Bertrand, declaradamente ateu e hostil às manifestações de fé do seu superior, e nos dá numa longa conversa sobre a divindade de Jesus uma inaudita prova da existência de Deus, fundada sobre a noção de génio.

Dignas da nossa admiração são também as considerações sobre a última Ceia de Jesus e as comparações entre a doutrina católica e as doutrinas protestantes.

Com algumas afirmações de Napoleão estou particularmente de acordo.

Por exemplo, quando diz: «Entre o cristianismo e qualquer outra religião há a distância do infinito», entendendo assim a substancial alteridade entre o facto cristão e as doutrinas religiosas.

Ou a convicção de que a essência do cristianismo é o amor místico que Cristo nos comunica continuamente: «O milagre maior de Cristo foi fundar o reino da caridade: só Ele elevou o coração humano até as cúpulas do inimaginável, a anulação do tempo; só Ele, criando esta imolação, estabeleceu um vínculo entre o céu e a terra. Todos os que crêem n’Ele se dão conta deste amor extraordinário, superior, sobrenatural; fenómeno inexplicável e impossível para a razão».

Uma fé madurada e meditada

À luz destas páginas não podemos não admitir que Napoleão não só é crente, mas sim que meditou sobre o conteúdo da sua fé madurando uma profunda e sapiencial inteligência.

Esta, por sua vez, traduziu-se em factos muito concretos:

- pediu com insistência ao governo inglês a celebração da Missa dominical em Santa Helena;

- expressou gratidão á sua mãe e de Voisins, bispo de Nantes, porque «o ajudaram a alcançar a plena adesão ao catolicismo»;

- perdoou a todos os que o tinham traído. 

"Eu não maltratei o Papa"
Por último, as conversas referem as convicções de Napoleão sobre o sacramento da confissão e a sua relação com o Papa Pio VII, revelando que «quando o Papa estava em França (...) estava esgotado por causa das calúnias com base nas quais se pretendia que eu o tinha maltratado, calúnias que ele desmentiu publicamente».

Estas conversas não só deixaram um sinal indelével na memória dos generais companheiros de exílio, mas sim que colaboraram na sua conversão.


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