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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Matemático, astrónomo, político… Baptizou-se e ajudou os jesuítas a evangelizar a China

Xu Guangqi, hoje até aos altares, foi homem de fé e razão 

Um grupo de sacerdotes e seculares reza perante
a tumba de Xu Guangqi, em Xangai
Actualizado 9 de Novembro de 2013

Francisco D-Iribarren / ReL

Xu Guangqi foi um astrónomo, matemático, tradutor e político chinês, em processo de beatificação, reconhecido já pela Igreja como servo de Deus.

Um livro que acaba de ser apresentado em Itália sobre a sua vida, intitulado Um cristão na corte dos Ming, pode aproximá-lo a muita gente, dentro e fora da China.

No país asiático é considerado um dos “Três Pilares do Catolicismo Chinês”. Para a Enciclopédia Britânica, é o convertido chinês mais importante antes do século XX.

De família pobre... A Ministro da Cultura
Nasceu Xu Guangqi em Xangai o 24 de Abril de 1562 no seio de uma família relativamente pobre, que se sustentava graças a uma pequena quinta.

Apesar das dificuldades económicas que atravessava o seu pai, Xu Sicheng, os seus parentes puderam enviá-lo para o colégio com a idade de 6 anos. Aos 19 recebeu o título equivalente ao bacharelato, e já não obteve títulos mais altos até aos trinta. Não obstante, cultivou o estudo ao longo de toda a sua vida.

Começou logo a trabalhar como burocrata ao serviço da corte dos Ming, a dinastia que comandava então o império chinês. Desenvolveu com êxito uma carreira política que o levou a desempenhar postos de alta responsabilidade. De facto, à sua morte ocupava o posto de Ajudante do Primeiro-Ministro da corte imperial e Ministro da Cultura e Educação.

Uma das primeiras paixões intelectuais de Guangqi foram as matemáticas. Naqueles anos o estudo das matemáticas na China tinha entrado em declive. Os relevantes avanços que os chineses tinham empreendido no campo da álgebra em épocas anteriores estavam arrumados no esquecimento.

Guangqi convenceu-se de que esta decadência respondia a uma preguiça académica e científica, o que o levou a ser um feroz crítico da sociedade chinesa.


O padre Ricci cruzou-se no seu caminho
Quando tinha 39 anos cruzou-se no seu caminho a pessoa que haveria de lhe mudar a vida. Trata-se do jesuíta italiano Mateo Ricci, que conseguiu chegar a Pequim em 1601 para dar aulas de matemáticas à élite educativa.


Um dos objectivos de Ricci como professor era inculcar as ideias matemáticas que tinha aprendido em Roma do seu mestre Cristóbal Clavio, também jesuíta. Xu Guangqi foi um dos seus principais alunos. (À esquerda, uma gravura que representa Mateo Ricci, à esquerda, vestido de sábio confuciano, e Xu Guangqi).

A influência de Ricci sobre Guangqi foi tão decisiva que este decidiu baptizar-se só dois anos mais tarde, em 1603. Como católico adquiriu o nome de Paul Siu. A estreita colaboração entre Ricci e Guangqi desenvolveu-se numa dupla vertente: a evangelizadora e a académica.

No terreno evangelizador, uma chave do êxito dos jesuítas na China foi o seu esforço por inculturar a fé, por integrá-la na cultura chinesa.

O Papa João Paulo II explicava assim o mérito de Mateo Ricci nesta linha: "Elaborou a terminologia chinesa da teologia e a liturgia católica, criando assim as condições para dar a conhecer Cristo e encarnar a sua mensagem evangélico e a Igreja no marco da cultura chinesa". Guangqi foi uma das pedras vivas para esta inculturação do Cristianismo na China.

Tradutor de obras europeias
No campo académico, Guangqi converteu-se no primeiro nativo a publicar traduções de livros europeus ao chinês. Mão a mão com Ricci, traduziu obras de matemáticas, hidráulicas, geografia… A tradução mais conhecida que levaram a cabo em comandita foi a dos seis primeiros livros dos Elementos de Euclides, em 1607.

Uma das dificuldades principais para os divulgadores era que os seus ensinamentos resultavam muito estranhos para os estudantes chineses, que tinham recebido uma formação na matéria radicalmente diferente. Neste choque cultural Xu Guangqi também se prestou entusiasta a servir de ponte.

De facto, ele era consciente de que o desenvolvimento técnico chinês era muito inferior à cultura ocidental, em particular nas ciências matemáticas.

Chegou a pregar que logo todos os estudantes chineses utilizariam os Elementos de Euclides, o que se cumpriu. 


Reforma do calendário chinês
Outra das paixões de Xu Guangqi era a astronomia, e também neste campo desempenhou um papel transcendental. Ele era partidário de reformar o calendário que regia na China para adoptar o ocidental. Neste debate também encontrou um aliado essencial em Mateo Ricci, que considerava que esta reforma poderia ser uma grande “prova” do poder do Cristianismo. (À esquerda, uma Introdução à Astronomia traduzida por Xu Guangqi e editada por Li Zhizao).

O impulso a favor desta reforma viu-se favorecido quando Ricci predisse com bastante exactidão um eclipse acontecido em 15 de Dezembro de 1610, uns meses depois de que ele mesmo morrera. Predisse outro eclipse para o ano 1629 e o governo chinês convocou um concurso para ver quem podia determinar com maior precisão a data da ocorrência.

Apresentaram-se três candidatos: a escola tradicional chinesa Da Tong, a escola de calendário islâmico e a escola do Novo Método liderada por Xu Guangqi, que empregava métodos europeus. Quem mais se aproximou a acertar a data de 21 de Junho de 1629 foi Guangqi, e então o imperador encarregou-o da reforma do calendário. Quatro jesuítas europeus ajudaram-no nesta tarefa que, devido à sua morte em 8 de Novembro de 1633, foi completada por Li Tang-Jin.

Defesa militar da China
Nos últimos anos da sua vida Guanqi teve uma enorme influência na corte imperial dos Ming. E também pôs o seu granito na defesa militar do seu país, campo a que também dedicou o seu estudo. Quando os Ming sofreram o ataque dos manchus, o sábio de Xangai convenceu o imperador para que utilizasse artilharia europeia para repeli-los. A estratégia foi efectiva no princípio, até que os manchus empregaram também armas e tecnologia europeias, o que os levou à vitória em 1644.

O legado espiritual de Xu Guangqi perdura seculos depois da sua vida. Foi pai de um filho e os seus descendentes - a primeira família católica de Xangai - continuaram sendo "férreos católicos" até aos nossos dias.

Contribui de forma decisiva para consolidar a missão evangelizadora da Companhia de Jesus e a introduzir o Cristianismo em âmbitos confucianos e budistas.


Os seus restos descansam num parque que leva o seu nome, na sua cidade natal de Xangai.

Respeitado na China actual inclusive pelo governo comunista, a sua figura continua exercendo atractivo como uma ponte entre a China e o cristianismo, entre Oriente e Ocidente e um exemplo de vivência fecunda de fé e razão, modelo para cientistas e matemáticos na sua época e na nossa.


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