É preciso tomar uma certa distância desses entusiasmos iniciais
Crato,
A eleição de qualquer Papa sempre faz que se destaque as
diferenças com o antecessor. Normalmente se enfatizam os aspectos
positivos, as novidades, até mesmo sobre as coisas mais simples. Diz-se
que o novo Papa traz uma lufada de ar fresco à Igreja.
É preciso tomar uma certa distância desses entusiasmos. Desde que
eu era estudante fiquei impressionado pelo pontificado do Beato Pio IX
(1846-1878). Nos dois primeiros anos (1846-1848) foi considerado o papa
da Providência, que teria virado a maré italiana. Mas quando, em 1848,
ele se recusou a permitir que o exército papal se unisse ao exército dos
Savóia para lutar contra a Áustria... o Papa recusou alegando que o
Chefe da cristandade não podia lutar contra uma nação católica como a
Áustria pois era uma contradição.
A partir desse dia as forças anticlericais começaram a actuar e por
todo o seu longo pontificado, Pio IX sofreu uma perseguição contínua.
Até mesmo depois de sua morte, quando seu corpo foi transferido do
Vaticano para a basílica de S. Lorenzo (no Verano) para ser enterrado,
no momento em que o cortejo fúnebre atravessou a ponte sobre o rio
Tibre, um bando de anarquistas tentou jogar o caixão na água.
Não gostaria que a mesma coisa acontecesse com o Papa Francisco. Ele é
o guardião da Verdade e da Tradição. Ele está convencido disso e está
disposto à total fidelidade.
Demonstrou essa sua posição mais de uma vez nos discursos deste
primeiro mês. Como também falar do seu antecessor com tanto respeito e
estima.
Um ponto parece-me de grande importância. Em seu discurso ao Corpo
Diplomático pronunciou as seguintes palavras: "Mas há ainda outra
pobreza: é a pobreza espiritual dos nossos dias, que afecta gravemente
também os países considerados mais ricos. É aquilo que o meu
predecessor, o amado e venerado Bento XVI, chama de a «ditadura do
relativismo», que faz que cada um seja medida de si mesmo, colocando em
perigo a convivência entre os homens... Não pode haver verdadeira paz,
se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e
somente os próprios direitos”.
Bento XVI normalmente usava a expressão “ditadura do relativismo”,
entendendo com a palavra ‘ditadura’ a falta de liberdade de pensamento;
com a palavra ‘relativismo’ a ausência de absolutos.
O Papa Francisco demonstra compartilhar totalmente a doutrina de
Bento XVI. Isso significa que os ‘Princípios não negociáveis’ (outra
expressão muito querida pelo Papa Bento XVI) não podem rebaixar-se à
concessões.
Mas por que é tão importante não estar de acordo com a "ditadura do relativismo"?
Se aceitarmos esta devemos aceitar que não há uma Verdade absoluta,
objectiva, que é a base das outras. Falta para o homem a bússola, o ponto
de referência objectivo “deixando cada um como medida de si mesmo,
colocando em perigo a convivência entre os homens”.
Assim, cai-se no chamado “pensamento fraco”, cuja paternidade pode
ser encontrada no filósofo italiano Gianni Vattimo, mas as raízes
culturais são encontradas em Martin Heidegger.
Existem dos campos de aplicações: um político e outro moral.
No âmbito da política, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu no
dia 24 de Novembro de 2002 uma "Nota doutrinal sobre algumas questões
relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política”
(Assinado por Ratzinger).
Nesta se lê: “Constata-se hoje certo relativismo cultural…quando
teoriza e defende um pluralismo ético (n. 2). A liberdade política não é
nem pode ser fundada sobre a ideia relativista, segundo a qual, todas
as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor... A
vida democrática tem necessidade de bases verdadeiras e sólidas, ou
seja, de princípios éticos que, por sua natureza, não são negociáveis
(n. 3)”.
Se o Político não aceita a existência de tais princípios
não-negociáveis, perde de vista a Verdade e a moral objectiva caindo num
subjectivismo arbitrário. O Estado laico se transforma em Estado laicista
que de fato se apresenta como Estado ético. Estamos em pleno regime
ditatorial e totalitário.
A outra área é a moral.
Olhemos um pouco para trás, para as duas conferências do Cairo (Egito
1994) e de Pequim (China 1995). Na do Cairo prevaleceu uma filosofia
hedonista. Na de Pequim as verdadeiras intenções vieram à luz: da
expressão ‘necessidades sexuais’ passou-se àquela dos ‘direitos’. Em
primeiro lugar destacaram-se os ‘desejos sexuais’, que não é saudável
reprimí-los. Esta reflexão conduziu a uma outra: se existem
“necessidades-desejos’ que não está bem reprimir, para o indivíduo isso
se transforma num ‘direito’ a ser exercitado. Por fim: se é um ‘direito’
o Estado deve colocar-me em condições de poder exercitar este ‘meu’
direito.
Tudo isso entrou no campo da bioética e distorceu totalmente a
estrutura. Da bioética passou-se ao bio-direito para depois envolver a
bio-política.
Ter renunciado àqueles ‘princípios não negociáveis’ trouxe-nos a este
positivismo: não existe nada certo; o homem torna-se norma de si mesmo.
Revogando a visão ética, tudo se torna lícito e ninguém deve
contradizer esta licitude. Estamos em plena anarquia moral e relativismo
ético. O pior é que esse ‘relativismo’ se transforma em ditadura: é
obrigatório adequar-se a esses clichés; se alguém, indivíduo ou
instituição, não se encaixa é acusado de obscurantismo e de inimigo da
modernidade.
Por esta razão, a Igreja, talvez a única instituição que se opõe à
essa ditadura, é ultrajada e vilipendiada e o seu chefe supremo, o Papa,
acusado de obscurantismo, caluniado e humilhado.
Isso aconteceu especialmente aos últimos Papas; não gostaria que acontecesse também com o Papa Francisco.
Bento XVI em um discurso em Milão, no dia 2 de Junho de 2012, disse:
“liberdade não significa arbítrio do indivíduo, mas implica ao
contrário a responsabilidade de cada um”.
O mesmo, no discurso à Cúria Romana (21 de Dezembro de 2012) falou
sobre a “nova filosofia da sexualidade que é apresentada sob o vocábulo
gender-gênero”. E comentou: “Salta aos olhos a profunda falsidade desta
teoria e a revolução antropológica que lhe está subjacente”.
Recebeu muitas críticas por causa desta reflexão.
Felizmente, a Igreja não desiste diante dessa perseguição. Hoje, em
uma confusão total da sociedade, valioso transatlântico mas sem bússola,
alguém falou de um eclipse da civilização, a Igreja Católica continua a
mostrar os pontos de referência para evitar o naufrágio completo.
Por isso um agradecimento sincero a tudo o que o Papa Francisco
poderá fazer para manter acesa a chama da Verdade e continuar a iluminar
esta humanidade, de acordo com as palavras do profeta Isaías: “O povo
que andava na escuridão viu uma grande luz, para os que habitavam nas
sombras da morte uma luz resplandeceu” (Os., 9, 2).
É a luz de Cristo, levada à humanidade de hoje pelo seu vigário na terra.
[Tradução Thácio Siqueira]
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