Páginas

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O diário de um padre de Aleppo

Exclusivo: entrevista com um sacerdote na Síria


Roma,


Uma nova escalada na tensão já insuportável do drama sírio: foram sequestrados os bispos Mar Gregorios Yohanna Ibrahim, metropolita de Aleppo para os sírios ortodoxos, e Mar Boulos el-Yazji, metropolita ortodoxo de Aleppo. Mais uma descarga de medo e de incertezas se derrama no tribulado coração dos cristãos sírios.

O que vai acontecer depois deste sequestro? Zenit perguntou a um padre que persevera na missão em seu país e na sua paróquia em Aleppo. Para a segurança do sacerdote, da sua família e da sua comunidade, ele preferiu não revelar a sua identidade: "Meu nome não é importante. O importante é que a voz, o testemunho, o sofrimento e a esperança dos cristãos sejam conhecidos e anunciados".

Queríamos ouvir deste padre os ecos da vida quotidiana à sombra do desconhecido, daquilo que ele definiu como "a desordem organizada". O que nos surpreendeu foi constatar que, apesar das nuvens negras que se adensam sobre a Síria, ainda há uma réstia de esperança que não se baseia num optimismo ingénuo, mas numa visão de fé enraizada nas palavras de São Paulo, que a essa altura já se transformaram em experiência: "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? Está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo dia, somos considerados ovelhas que vão para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por virtude daquele que nos amou".

Este grito de esperança não é lirismo, mas realidade diária, traduzida todos os dias em escolha consciente: permanecer, não pela terra, mas pelo povo de Deus, que, como diz Santo Agostinho, faz a sua peregrinação histórica "entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus".

ZENIT: A guerra impôs um calendário de emergência. Qual é a sua agenda diária como padre?
Na situação actual, o trabalho pastoral como sempre vivemos está suspenso. Virou trabalho de ajuda humanitária. As visitas pastorais e as várias actividades têm um corte diferente, precisamente para responder à situação de emergência actual. Nós transformamos duas escolas, por exemplo, com a colaboração da Comissão para o Desenvolvimento da Síria, em locais de acolhimento para refugiados muçulmanos, para mostrar que a Igreja está a serviço do homem, de todos os homens, independentemente da sua origem étnica ou religiosa. Quanto às obras de caridade e de alívio da dor, nós trabalhamos como paróquia em ligação estreita com a Cruz Vermelha e com a Caritas. Mas continuamos celebrando a missa diária nas áreas ainda habitadas e vemos um aumento na frequência diária dos fiéis. Os cristãos começaram a procurar mais a esperança que vem do Cristo ressuscitado dentre os mortos! Eu acho importantíssimo também enfatizar que muitos padres estão comprometidos de modo estável com os leigos no serviço de apoio material, nas paróquias e nas dioceses.

ZENIT: Vocês já receberam alguma ameaça como paróquia?
É bem conhecido, infelizmente, que muitas igrejas, inclusive igrejas antiquíssimas que são património de toda a humanidade, foram destruídas. Graças a Deus, a nossa igreja ainda não recebeu ameaças directas. Mas muitos paroquianos nossos foram ameaçados e tiveram que deixar o país, ou pelo menos se deslocar para regiões menos conturbadas. Apesar disso, e em especial na proximidade das grandes festas, foram encontrados carros com bombas perto das igrejas. A divina providência permitiu que os nossos concidadãos percebessem o perigo, e por isso as bombas foram desactivadas a tempo de não explodir.

ZENIT: O que os cristãos de Aleppo esperam da Igreja?
As pessoas nos fazem perguntas diariamente, mas eu acho que todas convergem no fim para este ponto: devemos deixar o país ou ficar e preservar a presença cristã no Levante? Eu, e eu digo isso com sinceridade, aconselho o seguinte: quem pode, que se afaste daqui, mesmo que seja momentaneamente. É verdade que nós temos que dar testemunho de Cristo no meio do caos que estamos vivendo. Mas esta resposta eu não quero que seja idealista e abstracta. A realidade diária é dramática e nós vivemos uma grande desordem. Não sabemos, quando saímos de manhã, se vamos voltar para casa à noite. É por isso que a minha resposta para as pessoas é a seguinte: cada um tem que se colocar diante da sua própria consciência e avaliar as suas escolhas, considerando a situação da sua família. Você tem que fazer a escolha ditada pelo discernimento da vontade de Deus. Vamos olhar as coisas com realismo: o que a Igreja pode oferecer concretamente para os cristãos sírios agora? Nós estamos mais do que agradecidos pelo apoio de todos os cristãos, especialmente do papa Francisco, com seus apelos reiterados em favor "da amada Síria". Somos muito gratos pelo apoio que recebemos. Mas a verdade é que uma cesta de ajuda para a comida não é suficiente. Os cristãos de Aleppo, da Síria toda, procuram segurança, perspectivas, esperança. Com as ajudas, se não formos assassinados, podemos viver uma semana, um mês, talvez um ano... E depois? Por isso, a resposta tem que ser dada por cada um por si mesmo, de acordo com a sua consciência e com as suas possibilidades.

ZENIT: Por que o senhor não deixa a Síria?
Em primeiro lugar, porque a Síria é o meu país. E como cristão, eu pertenço a esta nação. Em segundo lugar, e mais importante, pela minha missão sacerdotal. Apesar de todas as certezas e possibilidades que eu tenho se deixar o país, como a autorização de residência em um país estrangeiro e a possibilidade do visto, o chamado de Cristo para mim, como sacerdote, continua sendo o de oferecer o sorriso da esperança: não o meu, pessoal, nem o da instituição eclesiástica, mas o do próprio Cristo! Só quando não houver mais cristãos aqui é que eu vou estar pronto para deixar o país. Se eu tivesse que sair, carregaria no meu coração um remorso mais amargo do que a morte, que é o de abandonar amigos e filhos com quem eu vivi os bons tempos, e que agora, no meio da tempestade, eu teria abandonado.

ZENIT: Os dois bispos foram libertados, mas o fato do sequestro em si é uma questão grave. Que peso isso teve no seu espírito e nos paroquianos?
Foi um choque enorme. Nós sentimos uma angústia imensa. A pergunta que fazemos é esta: se eles violaram esta sacralidade, qual vai ser o próximo passo? A pergunta mais séria é: qual é o sentido deste sequestro? Que sentido faz sequestrar dois bispos quando todo mundo sabe que eles não pouparam nenhum esforço para levar as diversas partes até a mesa de diálogo? Que sentido tem sequestrar duas pessoas que têm o objectivo da concórdia e da paz? O sequestro deles é um atentado contra o diálogo e a paz. Esta é a contradição. O drama. É um gesto estúpido e arrogante que não encarna nenhuma sabedoria, nem política, nem social, nem religiosa.

ZENIT: Nessa mistura de horror, medo, coragem, resistência e entrega, qual é a palavra que ressoa mais forte?
A palavra mais forte que eu posso dar é esta: permanecer em Cristo. Essa permanência não é fraqueza diante da força do agressor, mas é construída na missa diária, que nos une todo dia ao Cristo crucificado na esperança da ressurreição. Ele é o nosso pão de cada dia e o nosso baluarte nesta tempestade. Diante do desespero, nós gritamos: Cristo é a nossa esperança.



in

Sem comentários:

Enviar um comentário