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sexta-feira, 17 de maio de 2013

O código canónico e as penas automáticas

As penas latae sententiae reduzam-se a poucos casos e somente sejam irrogadas contra crimes gravíssimos


São Paulo, 16 de Maio de 2013


Neste artigo, em continuidade da reflexão sobre o código canónico, dissertarei a propósito das penas aplicadas automaticamente, ou seja, “latae sententiae”.

Nos meios jurídicos, causa certa espécie o facto de o código canónico prescrever a inflição de punições não precedidas pelo “devido processo legal” (“due process of law”). Por exemplo, reza o cânon 1398: “Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão ‘latae sententiae’.” Desta feita, a penalidade de excomunhão é imposta à católica que perpetra o aborto, independentemente de um processo judicial, de um julgamento.

Entre o povo simples das ruas, a solução alvitrada pelo direito penal canónico soa justa. Um dia, num transporte público, ouvi uma senhora pontificando à amiga: “Aquele sujeito matou fulano; a polícia apanhou-o na prática do crime. Porquê a necessidade de um julgamento? O assassino deve ir directo para a cadeia.”

Aquando da elaboração do projecto de código canónico, observaram-se 10 princípios. O princípio n.º 9 estatui o seguinte: “Com referência ao direito de coação, a que a Igreja não pode renunciar, como sociedade externa, visível e independente, as penas sejam geralmente ‘ferendae sententiae’ e irrogadas e remetidas somente no foro externo. As penas ‘latae sententiae’ reduzam-se a poucos casos e somente sejam irrogadas contra crimes gravíssimos.” A pena “ferendae sententiae” é a infligida somente depois do julgamento judicial. Corresponde à práxis da maioria dos países na actualidade.

Sou da opinião de que num futuro próximo, não haverá mais penas automáticas. Embora a hediondez do delito justifique a cominação deste jaez de reprimenda, o referido procedimento canónico repugna o bom senso hodierno e, por conseguinte, as penas automáticas serão paulatinamente extirpadas do ordenamento jurídico da Igreja.

As penas “latae sententiae” constituem uma peculiaridade do direito da Igreja católica. Na próxima semana, discorrerei a respeito de uma outra peculiaridade do direito canónico: o conselho para a interpretação dos textos legislativos.

Edson Luiz Sampel é Doutor em Direito Canónico pela Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano e Professor da Escola Dominicana de Teologia (EDT).



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