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domingo, 4 de setembro de 2022

Humildade foi a marca do testemunho de João Paulo I

Beatificação do Papa do sorriso

 | >3 Set 2022

Papa João Paulo I, fotografado a 19 de setembro de 1978, a nove dias da sua morte, que ainda hoje alimenta especulações. Ficou conhecido como Papa . Foto © Anefo, CC0, via Wikimedia Commons.

Papa João Paulo I, fotografado a 19 de setembro de 1978, a nove dias da sua morte, que ainda hoje alimenta especulações. Ficou conhecido como Papa do sorriso. Foto © Anefo, CC0, via Wikimedia Commons.

Há 44 anos morreu um Papa que durou no cargo 33 dias. Mas foram dias tão intensos e promissores, pelo testemunho de simplicidade e de alegria, que muitos católicos o consideraram um santo e começaram a pedir a sua beatificação. Neste domingo, 4 de setembro, a Igreja beatifica-o em Roma, enquanto os motivos da morte deste Papa continuam a fazer correr tinta.

Ficou conhecido pelo Papa do sorriso e é essa faceta que um artista chinês, Yan Zhang, procurou retratar num trabalho que estará exposto na frontaria da Basílica de São Pedro, durante a cerimónia de beatificação. Como conta a jornalista Stefania Falasca, vice-presidente da Fundação João Paulo I e também vice-presidente da causa da beatificação, desafiado a pintar a imagem do Papa, o pintor olhou atentamente a foto que lhe foi apresentada e de imediato respondeu: “Sim!”.

Zhang, que nasceu na província de Sichuan (República Popular da China) em 1963, tem renome internacional e dois dos seus quadros integram a coleção do Museu do Vaticano.

Foram várias as diligências e iniciativas de bispos da diocese de Belluno, originária de Albino Luciani, o nome secular de João Paulo I, no sentido de se desencadear a causa da beatificação. Mas, segundo refere um artigo recente de La Civiltà Cattolica, o interesse, na Congregação (hoje Dicastério) para a Causas dos Santos, não foi grande. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil formalizou a mesma proposta em 1990, mas o processo não arrancou, até que, em 2003, aquela Congregação anuiu a que o processo arrancasse na diocese de Belluno. Nas quase duas centenas de testemunhos recolhidos, incluiu-se mesmo o do Papa emérito Bento XVI que, não podendo fazê-lo enquanto papa no ativo, por ser juiz do processo, passou a poder fazê-lo depois da resignação. 

Entretanto, foram numerosos os pedidos da mais diversa proveniência para que a causa da beatificação fosse aberta. Até que, em 2017, o Papa Francisco reconheceu as “virtudes heroicas” de Luciani, depois da cura considerada “cientificamente inexplicável” de uma menina de Buenos Aires que sofria de encefalopatia aguda.

Albino Luciani nasceu no Norte de Italia, em 1912, de uma família de condição humilde, cujo pai, migrante sazonal na Alemanha ao longo de muitos anos, seguia ideias socialistas. A I Guerra Mundial trouxe dificuldades extremas ao lar do futuro papa. Anos mais tarde, a mãe, católica fervorosa, conseguiu que o pai aceitasse a ida do filho Albino para o seminário.

Já padre, dedicou largos anos à formação dos seminaristas, à catequese e à participação regular na imprensa e na literacia cinematográfica (através de um cineforum). Foi ordenado bispo pelo próprio Papa (João XXIII), com apenas 46 anos, escolhendo como lema episcopal uma única palavra: Humilitas (humildade). Na atividade pastoral que desenvolveu, continuou a dar uma atenção especial à formação de leigos e de catequistas e à ação social junto dos mais desfavorecidos. Foi um dos bispos que participou no Concílio Vaticano II (1962-1965), em cuja aplicação se comprometeu enquanto patriarca de Veneza, a partir de 1970. 

Eleito Papa, distinguiu-se pela simplicidade e pelo seu sorriso e por gestos que foram bem recebidos pela opinião pública. Assim, foi o primeiro Papa a recusar ser coroado e transportado na cadeira gestatória (transportada por homens), como ocorria até então. 

Mas também a sua intenção de mexer em profundidade nas finanças do Vaticano e no seu Instituto das Obras Religiosas (o “banco” da Santa Sé) terá desencadeado preocupações e resistências que aparecem associadas a teorias conspiracionistas que pretendem explicar a morte súbita do Papa.

Na cerimónia de beatificação, vai ser apresentado ao Papa Francisco um relicário que contém uma folha autógrafa de João Paulo I sobre as virtudes teologais, uns esquemas que serviram àquele Papa para a catequese das audiências semanais que iniciou em setembro de 1978.

Segundo noticia o diário italiano Avvenire, o relicário é uma obra concebida e criada pelo escultor Franco Murer. Numa base de pedra oriunda de Canale d’Agordo, terra natal de Albino Luciani, assenta um mostruário feito com a madeira de uma faia derrubada por uma tempestade em 2018, na qual se encontra a folha com os apontamentos do Papa sobre a fé, a esperança e a caridade. A obra é da autoria de Franco Murer e ficará futuramente exposta na Catedral de Belluno, onde Albino Luciani foi prelado de 1943 a 1958 e onde, em 23 de novembro de 2003, foi solenemente aberta a causa de beatificação.

Eleito Papa a 26 de agosto de 1978, João Paulo I morreu no mês seguinte, a 28 de setembro, no 33º dia do seu pontificado.



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