Ateu e homem de diálogo
Ele chegou a Assis incógnito como qualquer outro peregrino, Michail Gorbachov, em 15 de março de 2008, e passou pela porta da Basílica de São Francisco. Quem sabe quantos “personagens” entram na nossa Basílica sem dizer nada a ninguém, sem serem notados, como verdadeiros peregrinos, e partem depois de terem percorrido em poucos metros um extraordinário caminho de espiritualidade – de fé, para muitos – e de cultura!
Foi um frade espanhol, o padre Antonio Ruiz, que estava de serviço na Basílica, que percebeu naquele dia a presença na igreja do último líder soviético. Imediatamente ligou para o padre Miroslavo Anuskevic, um lituano, conhecedor da língua russa, que se aproximou de Gorbachov. Eu estava na sala de imprensa, quando eles me chamaram. Depois chegou também o Custódio, padre Vincenzo Coli, recém-chegado de Roma.
Fiquei impressionado com a simplicidade deste homem. Fomos à cripta, ao túmulo de São Francisco, onde ele fez uma paragem bastante demorada, em recolhimento. Depois subimos à Basílica superior, seguindo cena após cena o ciclo de Giotto da Vida de São Francisco. O padre Miroslavo explicou as cores e figuras dos frescos.
Diante da cena do despojamento de Francisco – a sua renúncia à posse de coisas materiais e opção pela pobreza – ele [Gorbachov] quis parar por mais alguns segundos. Tomei emprestada uma frase famosa de Erich Fromm para comentar sobre a performance: “Aqui está o momento da escolha radical de Francisco entre ser ou ter”.
Depois passeámos pelo pórtico e, finalmente, sentámo-nos na sala: o padre Vincenzo, o padre Miroslavo, Gorbachov e eu. Conversámos sobre muitas coisas: sobre a Rússia, sobre a relação entre fé e política. Gorbachov expressou uma admiração muito forte por São Francisco, dizendo que estava “agradecido por estar num lugar tão importante, não apenas para a fé católica, mas para toda a humanidade. O testemunho de Francisco comunica uma grande tensão de espiritualidade”. Afirmou que estava “fascinado” por São Francisco, enfatizando que “a sua história é muito mais bela do que [são] os tempos de hoje”.
Houve um pouco de sensacionalismo [“giallo“] em torno desta visita. Um jornal nacional, referindo-se ao recolhimento de Gorbachov junto ao túmulo do santo, chegou a falar de conversão, intitulando O irmão Gorbachov em oração em Assis. Esse artigo foi replicado por alguns jornais estrangeiros. Um grande mal-entendido. Essa visita foi “motivo de alegria e esperança”, nas palavras do Custódio do Sagrado Convento, padre Coli, que definiu Gorbachov como “um homem de diálogo, certamente”.
Alguns dias depois, Gorbachov foi a Turim para o Fórum Político Mundial. Ainda trazia consigo as imagens da sua visita a Assis: «Fiquei muito impressionado com o grande número de peregrinos de todo o mundo que vi». Em seguida, voltou à sua suposta conversão, dizendo: “Eu venho de uma família ortodoxa e sou batizado, mas fui e continuo a ser ateu. No entanto, não posso afirmar, como os meus antecessores, que a religião é o ópio do povo. A questão é muito mais complexa».
Ateu e homem de diálogo, Gorbachov.
[Excerto do livro do padre Enzo Fortunato, Vado da Francesco, Mondadori, publicado no site San Francesco]
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