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sábado, 24 de setembro de 2022

“Hakuna matata.” Sim, há problemas, e os jovens d’A Economia de Francisco sonham resolvê-los

Encontro em Assis acolhe o Papa este sábado

 | 23 Set 2022

Participantes no encontro A Economia de Francisco, em Assis: a angústia em relação aos problemas não anula os sonhos destes jovens. Foto © The Economy of Francesco.


A primeira manhã de outono mais parecia de verão em Assis: como diria São Francisco, no céu brilhava um sol “belo e radiante”, e pelas ruas passeavam centenas de jovens de todos as nacionalidades. Começava assim o segundo dia do encontro A Economia de Francisco, mas o passeio pelos lugares que marcaram a vida do santo italiano era apenas o início (bastante inspirador, diga-se) daquele que seria um dia de trabalho intenso para os participantes nesta iniciativa, convocada pelo Papa Francisco – que esta manhã estará com os mil participantes, em Assis, para assinar um Pacto pela Solidariedade. Entre reuniões, oficinas e conferências, partilhariam ideias, experiências, projetos e muitos sonhos de como colocar esta nova economia em prática. Mas também medos e angústias, por perceberem que algumas das mudanças necessárias não estão nas suas mãos.

A transição energética é um desses sonhos, que muitos (talvez mesmo todos) têm em comum. Pacifique Nsabimana, 29 anos, é do Ruanda, está a estudar Engenharia Térmica e Energia em França e faz parte do Movimento Internacional da Juventude Agrária e Rural Católica (MIJARC). Foi através deste movimento que conheceu a iniciativa d’A Economia de Francisco e fez questão de se inscrever para participar no encontro.

Pacifique Nsabimana, Ruanda, A Economia de Francisco

Pacifique Nsabimana, do Ruanda: “Quero dar o meu contributo para o combate à pobreza”, diz. Foto: Direitos reservados.


“Estou a estudar em França, mas o meu objetivo é regressar ao Ruanda assim que terminar os estudos. Quero levar aquilo que aprendi para lá e dar o meu contributo no combate à pobreza, que é um dos grandes problemas que assola o país”, conta ao 7MARGENS. “Achei que neste encontro poderia aprender um pouco mais e não me enganei. A partilha entre todos tem sido muito enriquecedora.”

Entre as 12 “aldeias” ou grupos de trabalho em que os participantes se organizaram, com temáticas que iam desde “Agricultura e justiça” a “Políticas para a felicidade” ou “Vida e estilos de vida”, uma das mais concorridas foi, precisamente, a da “Energia e pobreza”.

Nesta “aldeia”, estiveram representadas as mais diversas regiões e áreas profissionais: dois frades franciscanos a estudar Ecologia Integral em Roma e cujo sonho é tornar o seu convento totalmente sustentável; um professor de música colombiano a viver na Argentina e interessado em compreender a viabilidade da central hidroelétrica de Ituango; um padre brasileiro que há 41 anos trabalha junto dos mais pobres nas periferias de Florianópolis; a fundadora de uma empresa de energias renováveis no Quénia – entre outros.

Mais tarde, numa das conferências que encerrariam o dia – e por sinal também uma das mais concorridas – o economista e padre jesuíta Gaël Giraud, focaria a sua intervenção na importância da transição para fontes de energia renováveis.

Mas enquanto a empreendedora queniana iniciou a a sua intervenção com a célebre expressão em língua swahili “hakuna matata” (em português, “não há problema”), Gaël alertou para o facto de existir um, e bem grande: “Os ativos que dependem diretamente dos combustíveis fósseis representam, em média, 95% de património total dos 11 maiores bancos da zona euro”, sublinhou o jesuíta, que dirige o programa de Justiça Ambiental na Universidade de Georgetown (Washington DC, EUA). Isto significa que, “se decidíssemos agora avançar com a transição energética e se amanhã esses ativos fósseis não valessem nada, se baníssemos o carvão, o petróleo e o gás das nossas economias, então todos esses bancos iriam à falência”.

A solução? “O Banco Central Europeu (BCE) comprar esses ativos fósseis. É a única instituição que pode fazer isso tranquilamente, pois tem o poder de criação monetária. Tecnicamente seria viável, mas obviamente deveria fazê-lo com a condição de que esses bancos não investissem mais em energia fóssil”, explica o padre jesuíta. A solução não tem recolhido, no entanto, muitos apoiantes e Gaël reconhece que, politicamente, seria “difícil de gerir”.

Mas o jesuíta insistiu na urgência da transição energética. “Se não mudarmos agora, o aquecimento global irá tornar inabitáveis áreas inteiras do nosso planeta já na segunda metade deste século e isso obrigará várias centenas de milhões de mulheres e homens a procurar refúgio noutros lugares. E isto vale também para os países mais desenvolvidos, onde as pessoas têm tendência a pensar que estão seguras.”

O sol já se põe no horizonte para dar espaço à “irmã Lua” e o semblante pesado de muitos dos que acabam de escutar Giraud contrasta com a alegria do início do dia.

Cristina Vieceli, jovem professora no Departamento de Ciências Económicas da Universidade de Rio Grande do Sul (Brasil) confidencia ao 7MARGENS que esperava outra coisa de uma conferência que se intitulava “A Economia de Francesco: uma nova economia construída pelos jovens”.

“É angustiante ouvir isto. A mudança não está nas nossas mãos. Nem sequer nas mãos dos Estados, está nas mãos do capital. O que podemos nós fazer realmente?, questiona.

Já no autocarro de regresso à casa onde ficou hospedado, Pacifique Nsabimana conserva o sorriso que tem desde que chegou a Assis. Chegamos à última paragem antes de nos despedirmos, já noite cerrada, e revela, sem esconder a emoção, porque é que tem tanta esperança n’A Economia de Francisco.

“Eu sou uma prova viva de como a fraternidade pode mudar tudo. Sou o quarto de oito irmãos, os nossos pais foram assassinados quando eu tinha 7 anos. Depois disso, fomos viver para um orfanato que pertencia aos padres rogacionistas. Eles asseguraram os nossos estudos, eu consegui uma bolsa para a universidade, e agora estou aqui. Podia ficar na Europa, e num certo sentido talvez fosse mais seguro, mas vou voltar ao Ruanda e ensinar a outros jovens o que aprendi. E mostrar-lhes que, se eu consegui, tudo é possível também para eles. E sim, nós podemos construir esta nova economia”.



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