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sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Diálogo inter-religioso é um caminho urgente, insubstituível, e sem retorno

Último dia de congresso com o Papa

 | 15 Set 2022

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A leitura da Declaração Final do Congresso foi entregue a uma das poucas mulheres presentes no evento, a bispa anglicana britânica Joanne Bailey Wells. Foto © Vatican Media.

O pluralismo religioso é uma “expressão da sabedoria da vontade de Deus na Criação”, reconheceram perto de 100 representantes das várias religiões do mundo inteiro, entre os quais o Papa Francisco, ao assinar a Declaração Final do Congresso de Líderes Religiosos, o qual terminou esta quinta-feira, 15 de setembro, em Nur-Sultan, a capital do Cazaquistão. O documento sublinha que a liberdade religiosa é um direito concreto e que o diálogo inter-religioso é um caminho urgente, insubstituível, necessário e sem retorno. Mas é preciso que todos o façam juntos, lembrou o Papa no discurso que se seguiu à leitura da declaração.

“Há demasiados ódios e divisões, demasiada falta de diálogo e compreensão do outro: isto, no mundo globalizado, é ainda mais perigoso e escandaloso”, alertou Francisco durante aquele que foi o seu último compromisso da viagem apostólica ao Cazaquistão. E acrescentou: “Não podemos avançar assim, ora unidos ora separados, ora interligados ora dilacerados por demasiadas desigualdades.”

O Papa recordou, a propósito, o lema escolhido para esta viagem: “Mensageiros de paz e de unidade”. E explicou: “Está no plural, porque o caminho é comum.” Um caminho comum que tem sido abraçado desde o início da história do Congresso, em 2003, até à Declaração Final deste ano, onde se “afirma que o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e qualquer outro incentivo ao ódio, à hostilidade, à violência e à guerra nada têm a ver com o autêntico espírito religioso e devem ser rejeitados nos termos mais decididos que for possível; condenados, sem ‘ses’ nem ‘mas'”.

Assim, concluiu Francisco, respeito mútuo deve ser essencial, “independentemente da  pertença religiosa, étnica ou social de cada um” e “é preciso sobretudo empenharmo-nos para que a liberdade religiosa seja, não um conceito abstrato, mas um direito concreto.”

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“Pedimo-vos”, insistiu o Papa no seu discurso final, “em nome de Deus e para o bem da humanidade: empenhai-vos pela paz, não pelos armamentos! Só servindo a paz é que permanecerá grande na história o vosso nome.” Foto © Vatican Media.

 

Antes de terminar o seu discurso, o Papa quis ainda destacar três palavras-chave que permeiam a Declaração Final do Congresso e que nenhum dos líderes religiosos presentes deveria esquecer.

A primeira, disse Francisco, além de urgente “é a síntese de tudo, a expressão dum grito do coração, o sonho e a meta do nosso caminho: a paz! Beybitşilik, mir, peace!”, disse, fazendo questão de traduzir a palavra para as línguas cazaque, russa e inglesa.

“Pedimo-vos”, insistiu o Papa, “em nome de Deus e para o bem da humanidade: empenhai-vos pela paz, não pelos armamentos! Só servindo a paz é que permanecerá grande na história o vosso nome.”

E, se falta a paz, acrescentou o Papa, “é porque falta atenção, ternura e capacidade de gerar vida”. Dessa forma, a mulher (segunda palavra que Francisco quis destacar) “é caminho para a paz” e por isso precisa de ter a sua dignidade defendida e a condição social melhorada: “Quantas opções de morte seriam evitadas se estivessem precisamente as mulheres no centro das decisões! Empenhemo-nos para que sejam mais respeitadas, reconhecidas e envolvidas.”

Finalmente, e na conclusão do discurso, o Papa revelou a terceira palavra: “jovens”. E lembrou que são eles  “os mensageiros de paz e de unidade de hoje e de amanhã”. Na mão deles, “coloquemos oportunidades de instrução, não armas de destruição! E escutemo-los, sem medo de nos deixar interpelar por eles. Sobretudo construamos um mundo pensando neles!”

De uma bispa para o mundo

leitura da Declaração Final do Congresso coube, precisamente, a uma das poucas mulheres presentes no evento (apenas seis), a bispa anglicana britânica Joanne Caladine Bailey Wells.

O documento será agora partilhado com autoridades, líderes políticos, e figuras religiosas em todo o mundo, assim como importantes organizações. A declaração será, de resto, distribuída como documento oficial da 77ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas e os seus princípios, repartidos em 35 pontos, deverão ser disseminados, para que “a paz e a prosperidade sejam concedidas a todos os povos e países”.

O texto pede apoio para qualquer iniciativa destinada a implementar o diálogo inter-religioso e interconfessional; enfatiza a comunhão com os esforços das Nações Unidas e de qualquer outra entidade para promover o diálogo entre civilizações, religiões e nações; exorta os Estados a garantir condições de vida dignas para os seus cidadãos e a reduzir a discrepância de bem-estar entre os diferentes países do mundo; encoraja a preservação dos valores espirituais e diretrizes morais nas sociedades; e reconhece a importância do papel dos líderes das religiões e da diplomacia religiosa. A tolerância, o respeito e a compreensão mútua são solicitadas e devem ser, portanto, “o objetivo de toda a pregação religiosa”.

Nele é ainda reconhecida a importância e o valor de um outro texto, o Documento sobre a Fraternidade Humana de Abu Dhabi, assinado em 2019 pelo Papa Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed El-Tayeb.

O próximo Congresso de Líderes Religiosos irá realizar-se em 2025, novamente no Cazaquistão.

Já no avião que o transportou de regresso a Roma, o Papa pareceu como que a relativizar o seu próprio discurso, admitindo que pode ser “moralmente aceitável” que um país receba armamento para se defender. Na conferência de imprensa a bordo, Francisco disse, citado pela Reuters, que uma tal decisão não deixa de ser política, mas acrescentou que ela pode ser moralmente legítima se o objectivo for a autodefesa contra uma nação agressora.

Tendo a guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia como pano de fundo, o Papa afirmou: “A autodefesa não é apenas lícita, mas também uma expressão de amor pela pátria. Alguém que não se defende a si próprio, que não defende algo, não o ama. Quem defende (algo) ama-o”, declarou. Mas é “imoral” vender armas ou enviá-las para um país que não precisa, “se a intenção é provocar mais guerra”, acrescentou, de acordo com as afirmações reproduzidas pelo Público.

Sobre a Ucrânia, disse que este país não deve excluir o diálogo com a Rússia: “Por vezes, eles [o agressor] não aceitam o diálogo. Que pena. Mas o diálogo deve ser sempre levado a cabo, ou pelo menos oferecido. E isto faz bem àqueles que o oferecem.”

Notícia atualizada às 23h50 de dia 15, com as declarações do Papa no avião.



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