Após ter
revelado pela primeira vez o cante alentejano em Madrid, há um ano,
no Círculo de Bellas Artes, local-chave da vida cultural e política
da capital espanhola, o Terras sem Sombra avança, agora, para a
metrópole da Andaluzia. O propósito é dar a conhecer o potencial de
um território muito atractivo e que progride a bom ritmo, mas se
mantém fiel à sua identidade e gosta de acolher quem vem de fora.
O gesto sedutor do festival português de música sacra une, no mais
português dos palácios sevilhanos, dia 4 de Fevereiro, às 20 horas, a
tradição alentejana e alguns dos principais vultos do cante jondo. Do
Baixo Alentejo irão o Rancho dos Cantadores de Aldeia Nova de S.
Bento, acompanhados por Pedro Mestre, e os Cantadores do
Desassossego. Um “acto de geminação” entre o cante e o flamenco, duas
manifestações artísticas distinguidas pela UNESCO, na mesma data, com
o reconhecimento de Património Imaterial da Humanidade.
Esta operação, nunca antes imaginada, é um desafio que rasga
fronteiras. Faz, de resto, todo o sentido. O flamenco, mais ainda do
que o fado, possui uma forte e comovedora tradição religiosa, de que
a Misa Flamenca
é um dos pontos cimeiros. Daí que o Terras sem Sombra vá apresentar,
na sua programação de 2017, peças tão surpreendentes como a copla popular
(atribuída a S. João de Ávila), No
me Mueve, mi
Dios, ou o Kyrie
com a melodia da famosa Niña de los Peines, e o Agnus Dei ao
ritmo de soleá e
seguiriyas.
Puro flamenco, de que a sevilhana Esperanza Fernández, o granadino
Miguel Ángel Cortés ou Arcángel, filho de Huelva, mas intrinsecamente
ligado à capital andaluza, são expoentes máximos. Sevilhano é também
Fahmi Alqhai, filho de pai sírio e mãe palestiniana, um grande senhor
da música antiga que ama as virtualidades expressivas do cante jondo. Uma
vez que o cante alentejano espelha, também ele, uma espiritualidade
arreigada e autêntica, o diálogo com os andaluzes fluirá com a mesma
naturalidade que as populações de ambos os lados da raia se encontram
e misturam, há muitos séculos.
O Terras sem Sombra é, assumidamente, o festival do território do
Baixo Alentejo, e tem vindo a afirmar-se como um rosto e uma porta
aberta para o conhecimento desta região. Música, património e
biodiversidade dão o mote para divulgar a cultura, a paisagem, a
gastronomia, a economia e o empreendedorismo locais. Em 2017, a
programação artística valoriza a espiritualidade na arte, propondo
uma viagem pela música dos séculos XVI a XXI, guiada por grandes
intérpretes espanhóis e portugueses, mas também norte-americanos, húngaros
e franceses. Como boa parte do público do TSS vem de Espanha,
entende-se bem o desejo de lhe dar a conhecer, em primeira mão, tudo
o que tem para mostrar este ano.
Uma característica que este projecto conseguiu ao longo dos anos
prende-se com a articulação das forças vivas da região para levar a
cabo tanto um festival de referência internacional como esta
“embaixada”, a qual reúne, mais uma vez, a uma só voz, os municípios
de Almodôvar, Sines, Santiago do Cacém, Ferreira do Alentejo,
Odemira, Serpa, Castro Verde e Beja. Juntam-se-lhes a Direcção
Regional de Cultura, a Direcção Regional da Conservação da Natureza e
Florestas e a Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo, o
que mostra o carácter transversal de uma iniciativa que parte da
sociedade civil – é organizada pela associação Pedra Angular e pelo
Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja.
Algo de certo modo único no nosso país.
Nas relações entre o Alentejo e a Andaluzia, as fronteiras são, hoje
como ontem, meramente territoriais, revelando uma vivência de
proximidade que se exprime também por outros legados, entre eles os
do Caminho de Santiago e da transumância. Com o intuito de aprofundar
os laços já criados, esta “embaixada” contempla ainda, sob a égide do
Consulado-Geral de Portugal, um encontro entre autarcas e agentes
culturais e económicos de ambos os lados da raia. A comitiva
portuguesa será ainda recebida, entre outras autoridades, pelo
“alcalde” de Sevilha e pelo presidente da Diputación Provincial.
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