
Papa Leão num tom dramático
“No cenário dramático atual de uma terceira guerra mundial em pedaços, como o Papa Francisco repetidamente afirmava, também eu me dirijo aos grandes do mundo, repetindo o apelo sempre atual: Nunca mais a guerra!” As palavras do novo Papa, Leão XIV, ditas com vigor e num tom dramático, repetiram a mensagem da saudação inicial de quinta-feira, depois de eleito, mas soaram ainda mais vigorosas neste domingo. Ao início da tarde, no final da oração do Regina Coeli, a mensagem do novo Papa foi aplaudida com igual entusiasmo pela multidão que, mais uma vez, enchia a praça e as imediações.
Leão referiu expressamente a Ucrânia, Gaza e os reféns israelitas, bem como a Índia e o Paquistão. E não é de somenos que um Papa nascido nos Estados Unidos, o primeiro na história da Igreja Católica, insista neste tema, numa lógica que, basicamente, repete os apelos do Papa Francisco ao diálogo.
A multidão que desde manhã cedo acorria à praça era uma massa de gente a querer conhecer uma identidade, aguardando a primeira saudação dominical do novo líder católico. E era também uma massa de gente a afirmar identidades: bandeiras de países, regiões (Catalunha, Baviera) e grupos, estandartes de bandas de música (neste fim-de-semana decorre no Vaticano o jubileu das bandas e espectáculos populares), padres apenas com uma pequena cruz no casaco, de cabeção ou de batinas longas até aos pés, religiosas de hábitos muito diferentes, e cartazes, muitos cartazes, os mais diversos a saudar o novo Papa, eleito quinta-feira, dia 8, depois da morte de Francisco, em 21 de Abril.

Neste fim-de-semana decorreu no Vaticano o jubileu das bandas e espectáculos populares. Foto © António Marujo/7MARGENS
A adesão foi imediata, como já tinha acontecido na quinta-feira, dia 8, após o anúncio da eleição. Uma bandeira da Catalunha atrapalhava a visão de alguns, mas rapidamente os seus portadores a baixaram. E as dezenas de bandas musicais, sobretudo oriundas da Itália, faziam a festa, uniformes diversos e coloridos, músicas ritmadas.
Zoe, 14 anos, veio da paróquia de São Bento Abade, em Turim (norte de Itália), integrada num grupo de duas dezenas de jovens para viver o jubileu. Foi belíssimo ouvir o Papa a saudar todas as mães” – em Itália este segundo domingo de Maio é o dia da mãe –, mas também ouvi-lo nos “grandes apelos que fez pela paz”. Viu-se “emoção nos seus olhos”, diz a jovem peregrina: “Tenho muita esperança com este Papa”, acrescenta, depois de ter ouvido o novo líder católico a dizer aos jovens “Não tenhais medo” – e acrescentando para os mais velhos que é importante “acolher e acompanhar” os mais novos.
Leão XIV começou por evocar “a imensa tragédia da Segunda Guerra Mundial, que terminou há 80 anos, no dia 8 de maio, depois de ter feito 60 milhões de vítimas”, para dizer que tem no seu coração “o sofrimento do querido povo ucraniano”. Por isso pediu “que se faça tudo o que for possível para alcançar o mais rapidamente possível uma paz genuína, justa e duradoura”, que “todos os prisioneiros sejam libertados e que as crianças possam regressar às suas famílias”.
Nos últimos dois dias, o Presidente russo propôs negociações directas com a Ucrânia, ao que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, respondeu na rede social X, dizendo que o primeiro passo sério é um “cessar-fogo total” a partir desta segunda-feira.
Um “grito pela paz” escrito com batom

Yona Tukuser, 39 anos, artista ucraniana de Hlavani, na região de Odessa, transporta desde o dia 25 de Abril um cartaz que afirma Hope for peace, “esperança pela paz”. Foto © António Marujo/7MARGENS
Na praça, Yona Tukuser, 39 anos, artista ucraniana de Hlavani, na região de Odessa (perto da fronteira com a Moldávia e a Roménia), transporta desde o dia 25 de Abril um cartaz que afirma Hope for peace, “esperança pela paz”. Escreveu-o com batom, em toalhas de papel de restaurante. Foi o que teve à mão quando decidiu vir despedir-se do Papa Francisco, depois da sua morte. “Senti-me como órfã daquela que era a mais forte voz pela paz, que falava sempre do diálogo, a pedir aos líderes mundiais que parassem a agressão”, diz ela ao 7MARGENS.
O cartaz que transporta é o seu “grito pela paz”, um “acto artístico” que decidiu protagonizar até haver novo Papa. “Vinham todos os dias pessoas de todo o mundo que repetiam também a sua esperança pela paz. A esperança, hope, é algo activo, pressupõe que tem de se fazer algo para construir a paz.”
Agora, Yona quer deixar ao novo Papa o cartaz que transportou. “Não sei como conseguirei, mas quero entregar-lho, porque este cartaz é como uma oração de pessoas de todo o mundo pela paz.” É um cartaz que, além do mais, conta uma história triste: o irmão de uma cunhada foi morto há dias, na frente de combate, quando ela já estava em Roma. “Enquanto eu estava na praça de São Pedro com o cartaz de esperança pela paz, a minha mãe ligou e deu-me esta trágica notícia.”
Yona ficou “muito contente” na quinta-feira quando ouviu o novo Papa a falar da paz para todo o mundo e mais ainda esta manhã, quando Leão XIV referiu expressamente a Ucrânia. E está expectante também relativamente à possibilidade de negociações entre Rússia e Ucrânia. “Porque precisamos que morra mais gente até começar o diálogo?”
Também o que está a acontecer na Faixa de Gaza deixa o novo Papa “profundamente triste” e leva-o a pedir com voz forte, diante da multidão reunida na praça de São Pedro: “Cessar-fogo, cessar-fogo imediatamente! A ajuda humanitária deve ser prestada à população civil exausta e todos os reféns devem ser libertados.”
Quem não estava completamente alinhada com esta preocupação era a alemã Federika Pesch, da Fundação Ricordiamo Insieme (Recordemos juntos). Com o marido e outra pessoa da instituição, segura duas grandes bandeiras, uma do Vaticano, outra de Israel, cosidas pelas suas mãos de alfaiate. “Depois do [ataque terrorista do Hamas de] 7 de Outubro [de 2023], quero dizer à minha Igreja, como católica e como alemã, que se deve manter com Israel.”
A sua organização trabalha no sentido de fazer memória da Shoah, mas, apesar do mandamento bíblico “não matarás”, crê que o que se passa em Gaza “não é” nenhum genocídio – e que Israel “não está a atacar” palestinianos indefesos nem a bloquear a ajuda humanitária e a levar dois milhões de pessoas a morrer pela fome. “Israel tem o direito de se defender, de prevenir ataques e salvar vidas”, diz.
Escutar, escutar

Peruanos da tuna da Universidade Inca Garcilaso de la Vega. Vieram à Europa para um concurso de tunas em Espanha e foram até Roma quando souberam da eleição de Prevost. Foto © António Marujo/7MARGENS
Já o “anúncio do cessar-fogo entre a Índia e o Paquistão” leva Leão XIV a congratular-se. “Espero que se possa chegar rapidamente a um acordo duradouro através das próximas negociações. Mas quantos outros conflitos existem no mundo! Confio este apelo sincero confio à Rainha da Paz este apelo sentido, para que o apresente ao Senhor Jesus para que nos obtenha o milagre da paz.”
Na saudação, o Papa Prevost, agora Leão, manteve a informalidade que o seu antecessor imprimiu a estes encontros, terminando com um “Feliz Dia da Mãe para todas as mães! Obrigado a todas! Feliz domingo para todos!”
É esta informalidade que três peruanos também presentes na praça destacam. Não conheciam Prevost pessoalmente – o actual Papa esteve 20 anos no Peru como missionário e depois como bispo de Chiclayo (norte do país, próximo da fronteira com o Equador). José Antonio Bellido, 49 anos, Juan Francisco Silva, 42 e Patricio Alarcón, 36, integram a tuna da Universidade Inca Garcilaso de la Vega (pseudónimo de Gómez Suárez de Figueroa, escritor peruano nascido em 1539, de ascendência espanhola e inca). Vieram à Europa para um concurso de tunas em Murcia (Espanha) e aproveitaram para uma viagem por França, Alemanha e Suíça. Estavam em Zurique quando surgiu a notícia da eleição do cardeal Robert Prevost como papa. “É um homem próximo das pessoas e padrinho de muitas crianças”, conta José Antonio. “Não mudará por ser Papa e continuará na linha do Papa Francisco, porque é um missionário”, assegura. E as suas palavras sobre a paz são “esperançosas”.
Na homilia da missa desta manhã de domingo, celebrada na cripta da Basílica de São Pedro e perto do túmulo que a tradição aponta como sendo o do apóstolo, o Papa referiu a importância do verbo “escutar”: “Como é importante escutar! Jesus diz: ‘As minhas ovelhas ouvem a minha voz.’ E penso que é importante que todos nós aprendamos cada vez mais a escutar, a dialogar. Em primeiro escutar sempre a Palavra de Deus. Depois, também os outros, sabendo construir pontes, sabendo ouvir para não julgar, não fechar portas pensando que temos toda a verdade e ninguém mais pode nos dizer nada.”
E concluiu: “É muito importante ouvir a voz do Senhor, ouvirmo-nos uns aos outros neste diálogo e ver para onde o Senhor está nos chamando. Caminhemos juntos na Igreja, peçamos ao Senhor que nos dê esta graça de poder ouvir a sua Palavra para servir todo o seu povo.”
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