
A eleição do Papa Leão XIV constitui um motivo de esperança para o mundo contemporâneo. Natural de Chicago tem um longo percurso de missionário no Peru, o que constitui um importante sinal no sentido da compreensão da complexidade social e humana do mundo, numa circunstância muito difícil como aquela que vivemos. A escolha do nome recorda-nos o fundador do que designamos como doutrina social da Igreja. Com efeito, Leão XIII, o Papa da encíclica “Rerum Novarum” de 15 de maio de 1891, iniciou uma nova fase na vida da Igreja, compreendendo a sociedade em mudança. Afinal, em cada momento, somos chamados a entender as coisas novas que a sociedade nos reserva. No final do século XIUX era a industrialização, hoje a emergência da Inteligência artificial. Lembramo-nos bem como o Bom Papa João XXIII dirigiu a encíclica “Pacem in Terris” a todas as pessoas de boa vontade. A escolha agora de um desafio semelhante é, a todos os títulos, essencial. Esta escolha merece uma atenção especial, uma vez que significa um compromisso com os sinais dos tempos e com as pessoas concretas. Daí a relevância da pobreza e das injustiças – a partir não de uma conceção assistencialista ou da aceitação de uma fatalidade. Impõe-se uma ação estruturada, solidária e sistemática, considerando a caridade como atenção aos outros e como cuidado, numa lógica de respeito e integração de todos. Prossegue-se, assim, o que o Papa Francisco considerou em “Frattelli Tutti” como uma Igreja de saída, ao encontro de quem de nós precisa.

“A Paz não pode ser uma ideia vaga, tem de ser um compromisso de entendimento de todos. Mas não pode ser também o esquecimento das vítimas e dos efeitos económicos e sociais dos conflitos.” Foto: Pormenor do cartaz de uma Vigília de oração pela paz no Externato da Luz.
Na linha da primeira intervenção sobre o respeito e a Paz, o Papa tem apelado ao fim da violência, que ameaça a humanidade, evocando os 80 anos do fim da II Guerra Mundial e repetindo os alertas de Francisco sobre um novo conflito global que se desenvolve em fragmentos. “A imensa tragédia da II Guerra Mundial terminou há 80 anos, a 8 de maio, depois de causar 60 milhões de mortos. No cenário dramático atual de uma III Guerra Mundial em pedaços, como afirmou várias vezes o Papa Francisco, dirijo-me também eu aos grandes do mundo, repetindo o apelo sempre atual: nunca mais a guerra!”, declarou, desde a varanda central da Basílica de São Pedro. De facto, a Paz não pode ser uma ideia vaga, tem de ser um compromisso de entendimento de todos. Mas não pode ser também o esquecimento das vítimas e dos efeitos económicos e sociais dos conflitos. Daí a importância da coerência entre pensamento e ação, tendo o Papa expressamente referido os casos trágicos da Ucrânia, Faixa de Gaza, Índia e Paquistão. A Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II é, assim, o grande referencial do tempo presente que a referência a Leão XIII torna mais evidente. Para quem pretenda deixar na penumbra os dramas humanos ou queira fazer esquecer o que significou a ida do Papa Francisco a Lampedusa, eis-nos perante uma afirmação inequívoca. E se lembramos esse momento fundamental, recordamos ainda o encontro como o Grande Imã de Al Azhar, Ahmed Al-Tayeb, no Abu Dhabi, em nome do diálogo religioso e de uma Fraternidade Universal. Do mesmo modo, temos o apelo ingente para uma Ecologia Integral, que se encontra plasmado num texto tornado exemplar e referencial como a encíclica “Laudato Si’”. Compreender os sinais dos tempos, é também entender a Sinodalidade da Igreja e uma autêntica partilha de responsabilidades por todos.
“Trago no meu coração os sofrimentos do amado povo ucraniano” – afirmou ainda o Papa. “Faça-se tudo o que for possível para alcançar o mais rapidamente possível uma paz autêntica, justa e duradoura. Que todos os prisioneiros sejam libertados e que as crianças possam regressar às suas famílias”. Infelizmente esta tem sido uma voz a clamar no deserto. Importa que seja de facto ouvida. Como diz a exortação apostólica “Evangelli Gaudium”: “A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a «amadurecer o juízo da Igreja». Embora de modo diferente, fazem-no também as outras ciências. Referindo-se às ciências sociais, por exemplo, João Paulo II disse que a Igreja presta atenção às suas contribuições «para obter indicações concretas que a ajudem no cumprimento da sua missão de Magistério». Além disso, dentro da Igreja, há inúmeras questões à volta das quais se indaga e reflete com grande liberdade. As diversas linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, se se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem fazer crescer a Igreja, enquanto ajudam a explicitar melhor o tesouro riquíssimo da Palavra. A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho. (EG.40). Sinodalidade e pluralismo estão na ordem do dia. Afinal, a partilha de responsabilidades, a colegialidade, a procura de uma participação ampla serão o único modo de podermos avançar, com a audácia e a generosidade que tantas vezes parece faltar. Perante um horizonte estimulante, é tempo de avançar, com serenidade, gradualismo e determinação.
Guilherme d’Oliveira Martins é administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian.
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