Páginas

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Maria Júlia Bacelar, a freira que cuida de mulheres vítimas de violência

$$post_title$$

Vidas Com História, na TSF e 7MARGENS

“Até que Deus me dê saúde, estarei sempre disponível para lutar pela libertação das mulheres.” A garantia é da irmã Maria Júlia Bacelar, da congregação das Adoradoras Escravas do Santíssimo Sacramento e da Caridade, que há 55 anos optou por servir quem estava nas margens, trabalhando “com mulheres em situação de risco, de exploração sexual, de tráfico de seres humanos, de violência doméstica, com crianças adolescentes grávidas…”

Em entrevista ao programa Vidas Com História, da TSF e do 7MARGENS, Júlia Bacelar confessa alguma desilusão por ver que, actualmente, “não há novas congregações” com carismas semelhantes ao da sua – que foi fundada em 1856, por Santa Maria Micaela, uma aristocrata madrilena, viscondessa de Jorbalán. “É que é mais fácil adorar do que tratar do bem-estar das mulheres. Agora estão a chegar a Portugal muitas religiosas que preferem ficar a organizar liturgias muito bonitas…”

Maria Júlia nasceu no Minho, onde viveu uma infância feliz, entre milheirais de folha negra e ramadas de vinho verde. Vivia com os pais e avós na enorme quinta de Costariça, propriedade dos Bacelares, de subida expressão cultural, entre médicos, músicos e advogados, e a família Gonçalves, abastadamente possante e agrícola. A mãe, a ti Celeste, por pouco não soçobrou a uma anemia nos começos da maternidade. Em dezembro de 1949, nascia, então, a pequena Maria Júlia, a mais velha de nove irmãos.

 

Festa de arromba

Júlia Bacelar

Irmã Júlia Bacelar: “Nasci num ambiente de pessoas que se dão aos outros.” Foto © António Marujo/7MARGENS

“Nasci num ambiente de pessoas que se dão aos outros. A minha avó sempre mandou em tudo”, conta ela, na entrevista que pode ser escutada no site da TSF.

Quatro anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, ainda se escutavam, na freguesia de Cervães, do concelho de Vila Verde, os falares das senhas de racionamento e da pobreza imensa que atingia as populações.

A menina nascida, como em berço de oiro, deliciava-se com o avô médico e repórter local do Vale do Cávado. O catolicismo era o substrato alimentador da fé de todos. E foi essa fé que propiciou o nascimento de uma vocação religiosa, na família, além de um tio jesuíta, mais velho.

Uma congregação religiosa não era escolha que agradasse ao pai, que queria que a filha fosse freira de um destino que valesse a pena, mais visível e mais interessante. Para seu descontentamento, não foi assim que ela decidiu. “As tuas freiras são feitas para gente reles, ao menos se fosses uma enfermeira ou uma professora num colégio”, dizia-lhe. Por isso, quando Maria Júlia fez a sua profissão religiosa, o ti’Manel decidiu fazer “uma festa de arromba”, como se de um casamento se tratasse.

 

Comunistas na missa e no comício

Júlia Bacelar

Júlia Bacelar na entrevista a Manuel Vilas Boas: Na Colômbia, “a Teologia da Libertação era mesmo a vida da gente”. Foto © António Marujo/7MARGENS

A irmã Júlia trabalhou em Évora nos anos quentes pós-1974. “Os comunistas gostavam muito do nosso colégio, cheio de meninas pobres. Os comunistas tanto iam à missa do colégio como ao comício do partido. Davam-nos muitos bens alimentares”, recorda ela, sobre esses tempos.

Esteve depois em Bogotá, na Colômbia. “A Teologia da Libertação era mesmo a vida da gente, na prostituição, no tráfico, na guerrilha. Havia muita violência. Nós vivíamos com as mulheres em casa, as que eram violentadas pelos maridos, com crianças traumatizadas, todas elas vítimas de violência doméstica.” Uma situação que veio reviver em Portugal: “Em Braga, nos anos 80, contei mais de 80 casas de prostituição. Eu própria as contei…”

Confessando que adora “todos os trabalhos com mulheres”, Maria Júlia Bacelar compara Espanha, onde esteve no início da sua formação na congregação, com Portugal: “Em Espanha sempre houve mais prostituição que em Portugal.”

Das últimas semanas, recorda o Papa Francisco e a sua predilecção pelos mais pobres: “Gostava muito de nós. Afinal, também havia uma casa nossa na Arquidiocese de Buenos Aires.” Agora, a congregação tem também trabalho em Cabo Verde, “onde há muitos problemas com a exploração das mulheres”.

Resume, como um lema de vida: “Já que recebi amor em excesso quero reparti-lo por quem vive nas ruas da amargura.”

A entrevista pode ser ouvida na íntegra na página da TSF na internet, em https://www.tsf.pt/1263261906/maria-julia-bacelar-a-freira-que-cuida-de-mulheres-vitimas-de-violencia/




Sem comentários:

Enviar um comentário