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terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

“Dor, angústia e raiva” marcam Sínodo anglicano que começa na segunda-feira

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Igreja Anglicana

 | 09/02/2025

“Haverá, imagino, muita dor, angústia e raiva por razões que compreendo perfeitamente e que compartilho, mas espero que nos concentremos nas mudanças que podemos concretizar”, disse o arcebispo de Iorque (no condado de Yorkshire, Norte de Inglaterra), Stephen Cottrell, à jornalista Sarah Meyrick, do Church Times, a propósito da reunião do Sínodo Geral da Igreja de Inglaterra que começa esta segunda-feira, dia 10 de fevereiro. Esta é a primeira entrevista de Cottrell depois de o arcebispo de Cantuária, Justin Welby, ter anunciado em novembro a sua renúncia, motivada pela denúncia de ter encoberto abusos sexuais de um membro do clero.

O arcebispo de Iorque, a segunda figura da Igreja de Inglaterra (Anglicana), exerce desde 8 de janeiro, e até ser nomeado o sucessor de Justin Welby, o papel do arcebispo de Cantuária, tradicional líder da Igreja de Inglaterra e da Comunhão Anglicana, que é composta por igrejas de mais de 165 países. Cottrell surgia como um forte candidato a ser escolhido para permanecer no cargo de forma definitiva, mas a revelação do modo como tratou e encobriu, enquanto bispo de Chelmsford, o caso de abusos sexuais perpetrados pelo padre David Tudor [ver 7MARGENS] levou a que várias vozes significativas da Igreja de Inglaterra, incluindo alguns bispos, o apontassem como não tendo “credibilidade ou autoridade moral” para ser o novo arcebispo de Cantuária.

Defender-se destas acusações de encobrimento foi um dos motivos da entrevista publicada no dia 7 de fevereiro, tendo Stephen Cottrell reiterado que não dispunha de meios para impedir que o padre David Tudor, depois de ter cumprido a suspensão infringida por abusos sexuais a jovens, fosse acolhido na sua diocese e tido nomeações que o “promoveram”. Sem se referir diretamente a este processo, o agora arcebispo de Iorque afirma que “os casos recentes mais flagrantes revelam erros do passado, que chegaram ao presente, que ou não foram tratados de forma adequada, ou em que não tivemos os processos certos para lidar com eles de forma adequada”.

Apesar destas explicações, a jornalista do Church Times não tem dúvidas de que “a Igreja de Inglaterra está atualmente a navegar em águas decididamente agitadas: internamente, há um doloroso desacordo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e sobre a reforma [das regras e disposições] de salvaguarda [defesa e segurança] de menores e pessoas vulneráveis e, externamente, a reputação da Igreja está pelas ruas da amargura, após uma série de escândalos de abusos sexuais”.

 

Escolha e consulta pública

justin welby arcebispo de cantuaria foto WCC

O arcebispo de Cantuária, Justin Welby, anunciou em novembro a sua renúncia. Foto © WCC

O Sínodo Geral, que começa na segunda-feira e se prolonga até dia 14, não escolherá o próximo arcebispo de Cantuária, tarefa que compete à Comissão de Nomeações da Coroa (CNC), mas terá seguramente influência indireta nessa escolha. Entre os temas que ocuparão os membros do sínodo figura a apreciação do relatório Makin, divulgado no dia 8 de novembro de 2024 e do qual resultou a demissão de Justin Welby, relatório que, só por si, fornecerá palco para aqueles que pensam ser necessário ir mais longe na assunção de responsabilidades pelo que se passou na Igreja Anglicana em termos do abuso de menores. E Cottrell será seguramente visado…

O procedimento de escolha do nome que sucederá a Justin Welby como 106º arcebispo de Cantuária já está a decorrer, mas não tem data marcada para terminar. A decisão final será tomada pelos 17 membros com direito a voto da CNC, que entregará a proposta ao primeiro-ministro que a levará ao rei (que é, estatutariamente, o chefe da Igreja de Inglaterra) para proclamação.

Antes dessa fase, a partir de 7 de fevereiro e até 28 de março, decorre uma consulta aberta a todas as pessoas e comunidades de toda a Comunhão Anglicana espalhadas pelo mundo. No formulário disponível no sítio da Igreja de Inglaterra, quem quiser pode deixar registo de quais são “as esperanças e expectativas” que alimenta relativamente “ao ministério do próximo arcebispo de Cantuária” e especificar “que dons, qualidades, formação e experiência o próximo arcebispo de Cantuária deverá ter”, bem como fornecer o nome, função atual e diocese “da pessoa que gostaria que a Comissão de Nomeações da Coroa, nomeasse como próximo arcebispo de Cantuária”.

“Uma oportunidade única para influenciar o futuro da Igreja”

Stephen Cottrell, arcebispo de Iorque, surgia como forte candidato para permanecer como arcebispo de Cantuária, que exerce temporariamente. Foto © The Church of England

Stephen Cottrell, arcebispo de Iorque, surgia como forte candidato para permanecer como arcebispo de Cantuária, cargo que exerce temporariamente. Foto © The Church of England

Este processo participativo “decorre – explica a introdução ao formulário – juntamente com a consulta às principais partes interessadas dentro e fora da Igreja”. Tal consulta é feita diretamente pelos membros da CNC, mas, acrescenta o documento, preencher o formulário “é uma oportunidade única para influenciar o futuro da liderança dentro da Igreja”. E apela-se: “Incentivamos as pessoas e comunidades de toda a Comunhão Anglicana a participarem. Cada resposta ajuda-nos a compreender melhor as qualidades que o próximo arcebispo deverá ter para responder às necessidades da Igreja hoje e nos anos vindouros”. Porém, a participação de cada crente, ou comunidade, terá impacto não apenas na escolha de um nome, mas “informará a Comissão de Nomeações da Coroa sobre as necessidades da missão da Igreja da Inglaterra e da Comunhão Anglicana em geral”.

Ao contrário de um processo de recrutamento secular, ninguém se candidata para ser arcebispo de Cantuária. Após uma consulta pública completa e aberta, os candidatos são convidados a um processo de discernimento orante que dura meses, no termo do qual a CNC escolhe dois nomes, sendo que o segundo só será divulgado, caso o primeiro-ministro ou o rei não aceitem a primeira pessoa indicada.

A Comissão de Nomeações da Coroa (CNC) é composta por 17 membros com direito a voto e três sem tal direito. Inclui representantes da Igreja da Inglaterra, da Comunhão Anglicana e um membro nomeado pela coroa, que preside. Atualmente o presidente é Jonathan Douglas Evans, barão Evans de Weardale, par vitalício da Câmara dos Lordes britânica e ex-diretor-geral do MI5 – o serviço de segurança britânico e de contraespionagem do Reino Unido. Evans, assegura a CNC, participa ativamente na paróquia da sua área de residência.

Entre os restantes 16 membros com direito a voto, cinco são representantes eleitos pela Comunhão Anglicana: um de cada uma das cinco regiões da Comunhão Anglicana – África, Américas, Médio Oriente e Ásia, Oceânia, Europa. Três outros membros são diocesanos de Cantuária eleitos pela diocese e seis (três ordenados e três leigos) são apontados pelo Sínodo Geral. O 15º membro é um bispo eleito pela Câmara dos Bispos. O arcebispo de Iorque é também, por inerência, membro da CNC com direito a voto. Mas, caso não queira participar, pode ser substituído por outro qualquer bispo eleito pela Câmara dos Bispos.

 

Imagem de destaque: foto do Sínodo Geral anglicano, em novembro de 2023, reproduzida do site da Igreja de Inglaterra.




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