
"Estratégia deliberada"
Clara Raimundo | 12/02/2025
Tinham passado apenas 12 dias desde a elevação da igreja do Sagrado Coração de Jesus a catedral, na diocese de Mindat (Myanmar), também ela recentemente criada pelo Papa Francisco. A comunidade católica daquela que é a única região de maioria cristã no país ainda estava, por isso, em clima de festa quando várias bombas atingiram o edifício. Não houve vítimas, porque a catedral foi evacuada a tempo. Mas para o pároco local, padre Paulinus, o ataque provocou mais “uma ferida no coração” da comunidade.
O incidente aconteceu no passado dia 6 de fevereiro, mas só agora foi noticiado pela agência Fides, segundo a qual a catedral ficou “inutilizável”. “Mas não nos deixaremos derrotar. Reconstruiremos a catedral”, assegurou o padre Paulinus. “Estamos certos de que o Senhor nos ‘bombardeará’ com a sua graça e bênção: isso trará paz e prosperidade ao nosso povo”, acrescentou.
A violência não é novidade em Mindat. Desde o início da guerra civil, em 2021, que esta região tem sido palco de confrontos entre a junta militar e grupos rebeldes. Mas será que a minoria católica é apenas uma vítima colateral da guerra ou os ataques à Igreja são deliberados?
Benedict Rogers, ativista britânico de direitos humanos e autor de três livros sobre Myanmar, explicou ao jornal católico The Pillar que as evidências apontam para a segunda opção.
“O bombardeamento de uma igreja no estado de Chin é apenas o mais recente de um rol de ataques dos militares contra centenas de locais de culto. Não há dúvida de que as igrejas são alvos deliberados, por várias razões”, sublinhou Rogers.
Lembrando que “o regime é alimentado por uma ideologia nacionalista budista e birmanesa extrema”, o ativista considera que isso o torna “particularmente intolerante com as minorias étnicas e religiosas”. As igrejas – explicou – “são um símbolo da fé e da identidade de comunidades que o regime está a reprimir particularmente. Além disso, as igrejas também são centros comunitários vitais, muitas vezes fornecendo serviços de saúde, educação e outros serviços humanitários às pessoas, e por esse motivo são alvos. Os militares também as veem como simpatizantes da resistência”.
Nesse sentido, as igrejas não são os únicos alvos: “os militares atacaram mesquitas e até mesmo mosteiros budistas entre os budistas que se opõem a eles, bem como hospitais, escolas e casas”, acrescentou Benedict Rogers.
Quatro anos após o golpe de Estado, cujo aniversário foi assinalado no passado dia 1 de fevereiro, o cenário não é animador em Myanmar. Só entre junho e dezembro de 2024, foram registados 2.155 ataques aéreos em 12 regiões. Durante esse período, o Conselho Militar realizou mais de 100 ataques aéreos em alvos civis, incluindo edifícios públicos, campos de refugiados, escolas, hospitais, locais religiosos e memoriais.
(Imagem de destaque: O telhado da catedral do Sagrado Coração de Jesus, em Mindat, Myanmar, após o bombardeamento. Foto reproduzida a partir da conta de X da agência Fides)
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