Produtor religioso morreu aos 76 anos
Manuel Vilas Boas | 14 Out 2024
Caiu na cidade grande, vindo do centro geodésico do país, mais propriamente de Vila de Rei. Salvou os primeiros dias na capital, pelos 11 anos, cumprido que foi o dever de fazer, na sua terra, a quarta classe. Casimiro Rosa, produtor de programas religiosos que passou pela Rádio Renascença, RDP/RTP e TVI, morreu este domingo, em Mafra, com 76 anos. O funeral será nesta terça-feira, com missa na Igreja das Furnas (Benfica, Lisboa), às 14h.
Nascido a 25 de Maio de 1948 era o mais velho de uma família de cinco irmãos. A família não dispunha de meios financeiros para lhe oferecer um futuro diferente, que não fosse o de paquete, na Emissora Nacional, na rua do Quelhas, próximo da casa maior do poder, ao tempo, a Assembleia Nacional.
A mãe de Casimiro era, como quase todas as mulheres do meio rural, doméstica. Que é como quem diz, a criadora dos filhos, a quem competia a manutenção das habitações e tudo, tudo sem nunca parar. Mulheres omnipresentes e omnipotentes…
O pai já se tinha deslocado, antes do filho, para Queluz, na periferia da cidade de Lisboa. Trabalhava numa fábrica de extracção de mármore, na zona de Belas. Trabalho duro, sem qualquer ascensão social, no horizonte. Não ajudaria o que fosse ao futuro deste filho e dos quatro mais novos.
A rádio e a TV, milagres de ao pé da porta
Para estudar, Casimiro valeu-se da noite que lhe sobrava dos dias a fio, a dar contas das “coisas importantes” dos senhores da rádio. Felizmente que se abriu a possibilidade de poder frequentar aulas noturnas, nos liceus e faculdades, ainda no regime governado por Salazar, num país com mais de 70% de analfabetos, nos anos 60 e 70.
À medida que o padre António Rego se afirmava da Rádio Renascença e mais tarde da Radiodifusão Portuguesa, já no período dos cravos, o destino de Casimiro Rosa aproximou-se dos programas religiosos, feitos nas respectivas estações de rádio de âmbito nacional. Já Casimiro palmilhava a rua de São Marçal, apoiando todas as gravações do padre Rego e de outros colaboradores. Sempre com o máximo rigor de responsabilidade.
E vieram as televisões privadas. A primeira foi a TVI, designada no início como televisão da Igreja. Em menos de nada, todo o tecido dos programas religiosos da Rádio Nacional, incluindo depois as transmissões das missas dominicais pela TVI, estavam no pelouro dirigido por Casimiro Rosa. Apesar de a TVI ter ido depois parar a mãos exteriores à Igreja, a estação ficou, no cardápio, com a obrigação da transmissão das missas dominicais, e só estas.
Um produtor todo-o-terreno
Aos 66 anos, por via das leis laborais, o produtor Casimiro Rosa reforma-se do tempo longo que deu da sua criatividade ao delicado trabalho que regia com exemplar qualidade. Nem um queixume de ter de trabalhar todos os fins-de-semana, impedindo-o, assim, de contactar com a família já dispersa na capital. De norte a sul do país, não há recanto por onde o produtor Casimiro Rosa não tenha estendido alguns metros de cabos, para pôr no ar a diversidade das regiões, os sotaques dos celebrantes, as afinações dos coros, exímios na preocupação de mais sonoridades. Num dos episódios, contado ao 7MARGENS pelo padre António Cartageno, Casimiro Rosa desafiou a que se cantassem cânticos religiosos alentejanos nas celebrações litúrgicas do Alentejo. [ver entrevista ao 7MARGENS]
Um mundo de relações tranquilas com os colegas e um clero nem sempre fácil obrigaram-no a experiências limite.
Na manhã desta segunda-feira, 14, uma das suas irmãs, Maria José, revelava-me que Casimiro Rosa era também um homem de fé. Fazia questão de se aperfeiçoar nas matérias de culto, auscultando novas ideias nas semanas litúrgicas e de pastoral. Os ventos do Concílio Vaticano II, que cresceram com ele, nunca os atraiçoou, apesar de não perder longas citações, em latim, sobre a liturgia transmitida no ecrã.
O aplauso global
O anúncio da queda de vínculo à TVI, com o consequente desligar das actividades, no meio que sempre liderou, deixaram-no em profundo abalo. Com o apoio da família, nos últimos meses, percorreu a cura para um cancro no estômago que o perturbava. Foi, em Mafra, na Casa de Cuidados Intensivos da Encarnação, que a morte o veio encontrar, por coincidência, no dia 13 de Outubro de 2024, a recordar mais uma transmissão do Santuário de Fátima, que estaria a seu cargo…
A hierarquia católica portuguesa já reagiu à sua morte com uma nota do patriarca de Lisboa e da Comissão Episcopal da Cultura, dos Bens Culturais e das Comunicações Sociais, considerando-o “um homem bom que deu a sua vida ao serviço da Igreja”.
Fico extasiado com as provas de respeito, admiração e veneração que vejo repetidas nas redes sociais, insistentemente.
Os pêsames à família e aos amigos. Nunca perderemos a originalidade de quem guardou para sempre o aforismo do programa do seu mestre realizador: “Toda A Gente É Pessoa”.
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