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domingo, 22 de novembro de 2020

A verdade nos libertará

A uma semana do primeiro turno das eleições, escrevo mas não publicarei este texto antes da proclamação dos resultados e tampouco o alterarei depois. Nestes últimos dias a temperatura  aumentou e tudo indica segundo turno. Pulverizadas as campanhas de ex-governadores e dois ex-ministros, restarão na arena um militar reformado, no estilo bateu-levou, cuja oratória é tão pobre quanto sua experiência como gestor, e literalmente um poste que tenta lograr a façanha da transferência de votos de um condenado por corrupção. Deploro a divulgação de pesquisas eleitorais, porquanto transformam o processo numa corrida de cavalos e confio nelas tanto quanto desconfio. Por óbvio, porém, não combato as pesquisas como instrumento legítimo da campanha de cada candidato, certamente úteis para a leitura da realidade e correção de rumos.

Gente que jamais envergou um adesivo de candidato agora brande a bandeira de Bolsonaro com o ardor dos primeiros na trincheira. Traduzem o antipetismo e o desânimo com a situação do país. Assim é que leio a liderança de um candidato cujo partido talvez seja ainda menor que o PRN de Collor. Que traduzo a possível escolha de um candidato que poderá restar rapidamente isolado, lançando o país numa bela turbulência. Por outro lado, é duro de engolir os petistas vendendo a ideia de que o país era feliz, descolando-se do poder que exerceram de forma corrupta. Se há desmemoriados, que tomem um remedinho para recordar Mensalão e Petrolão.

Mas não pretendo me ocupar das baixarias vigentes e das desgastantes discussões, que fazem lembrar aquela casa em que falta pão: todos gritam à mesa e ninguém tem razão. Deixemos que a crônica política se ocupe disto, coisa que aliás tem feito com notória parcialidade. Quero abordar as promessas da classe média alta e dos ricos, que andam a jurar que sairão do país se o petista vencer. Justificam sua decisão porque têm certeza da venezuelização se o poste vencer. Um deles me disse que os que votam no candidato do milagreiro, preso em Curitiba, não têm “célebro” e que está “anojado”. Notório monoglota, cogita em exilar-se no Uruguai. É inevitável lembrar da previsão de Mário Amato, em 1989, de que 800 mil empresários deixariam o país se o demiurgo - que se autoproclama o maior presidente que o Brasil já teve,- vencesse.

Por vezes o tempo não é senhor da razão, senão da incoerência. Em 2000, às vésperas do segundo turno da eleição para prefeito de São Paulo, Amato afirmou que “Se as pesquisas indicarem que Marta Suplicy ganhará com grande vantagem, eu votarei em branco. Mas se houver o risco de ela perder a eleição, votarei nela”. Amato foi além. Declarou à época que o PT não mais o amedrontava: “Felizmente, a maturidade obtida com a idade me faz reconhecer que onde o PT atua os escândalos de corrupção são menores ou não existem". Que romântico.

Será mesmo que os abastados do Brasil o deixarão? Duvido. Porque é aqui que conquistaram a condição de que desfrutam, os carrões em que desfilam, as vilegiaturas que empreendem para usufruir e muito pouco aprender, deslumbrados que são. É comum que revelem sua indignação prevendo que o povo é burro, cúmplice da patifaria, desonesto por natureza e que nunca seremos honestos como os alemães ou puros como os suíços. Sem aplaudir malfeitos ou ignorar virtudes que não temos, lembro que a Suíça guarda com zelo muito dinheiro sujo, de traficantes, governantes corruptos ou vendedores de armamento. Dinheiro não tem pátria, nem ideologia.

Cinco anos depois de proscrever a candidatura do filho corrupto de Garanhuns, Amato voltaria à cena. Disse que o atual hóspede da Polícia Federal caminhava para a “direita até com uma velocidade grande". À época confessou arrependimento por sugerir a fuga de empresários, dizendo que fora maldoso e desleal. Em 1997 expressaria a frase que pode resolver o enigma de Tebas: “Somos todos corruptos”. A afirmação nos relembra os banqueiros que financiaram Hitler. Incoerência é o que não falta no mundo, muito menos neste chão que teimamos em maltratar.

Não há solução para o país se os privilegiados também não assumirem suas faltas. Não daquele jeito calhorda de distribuir migalhas, com a perniciosa leniência que brota de sentimento de culpa, com a medíocre e falsa consternação ou mesmo a insuperável boçalidade. A solução passa necessariamente pela política, que não é suja. Como afirmou o Papa Francisco, a política é o melhor meio para a promoção do bem comum. Os bons não podem ausentar-se, não podem se abster e os ladrões do colarinho branco têm de ajustar suas contas com a justiça. Não há que migrar para o Uruguai, para Portugal ou para a Flórida. O país tem solução. 

J. B. Teixeira




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