A frase é de uma arrogância exemplar e está errada, afinal cicatriz traduz algo que fecha, que delimita, e a burrice é sangria mal atada, é ferimento talvez incurável. A sentença encontra-se em “Dialética do esclarecimento”, de Max Horkheimer e Theodor Adorno, parceiros na perniciosa Escola de Frankfurt. Há mais ou menos dez anos soube de sua existência. Estava em São Paulo e um livreiro acendeu minha curiosidade: “Esta turma é da pesada”.
No tempo da faculdade li “O dogma de Cristo”, de Erich Fromm. Verde, sequer sonhava quem era o autor. Por certo achei o título provocador e naquela altura devo ter pensado que ficaria menos idiota se o lesse. No prefácio Fromm já afirma que a religião é substituta da satisfação real e meio de controle social. Marxista, dirigiu o Frankfurter Institut für Sozialforschung, também conhecido como Escola de Frankfurt. Antes de abandonar a ortodoxia, quase se tornou rabino.
Curiosas viradas na vida espiritual, como esta de um judeu, não nos podem surpreender. No universo cristão não são poucas as heresias e instituições laicas que recrutam cristãos que se proclamam “traumatizados pelos erros da Igreja” e acabam se tornando inimigos figadais. Muitos passam a ser úteis para propósitos que jamais saberão. São os “quase inocentes úteis”.
Como me dizia um baiano bem humorado – perdão pela redundância,- é difícil ensinar papagaio velho a falar. Da mesma forma, ainda que Deus tudo possa, é tarefa ingrata pregar para os que envelheceram ateus ou agnósticos. Não pelo esforço que demandam, mas porque tapam os ouvidos. Com jovens ou mangolões infantilizados, entretanto, não podemos economizar o verbo.
Os jovens têm um arsenal de pedras: a Igreja é medieval, responde pela Inquisição, abrigou pedófilos e corteja o poder. Como não nos concedem muito tempo para responder cada um dos ataques e sobretudo porque atacam a Igreja e todo o cristianismo, passei a desinstitucionalizar a conversa, como quem precisa mexer as pedras do tabuleiro com séria desvantagem inicial.
Começo com os Apóstolos, convocando a atenção para os Evangelhos. Sugiro que se esqueça a existência da Igreja e fiquemos apenas com o Novo Testamento. Então pode surgir a clássica pergunta “quem escreveu os Evangelhos?”, obviamente sugerindo que foram redigidos e adulterados a várias mãos. Falo então sobre os manuscritos do Mar Morto, os textos encontrados incidentalmente em Qumran por um pastor. Foram escritos no século I e neles foram encontradas partes do Evangelho de Marcos. O que isto prova? Que os Evangelhos foram escritos quando os Apóstolos ainda viviam e portanto são o testemunho ocular da vida de Cristo.
Depois lembro que Pedro, aquele mesmo que negara Cristo três vezes antes que o galo cantasse, redimiu-se às margens do Lago de Genesaré. Cristo ressuscitado pergunta a Pedro “Tu me amas?”. Pedro responde que sim e Cristo insiste duas vezes mais. Na terceira o pescador de almas por fim percebe a similitude com suas três negações. E chora.
Prossigo e menciono que nem todos os Apóstolos eram pouco letrados: Lucas era médico, Mateus, cobrador de impostos, Judas, escriba. Traduzo então a decepção dos Apóstolos com a morte no Gólgota. Por que raios não se salvou? Por mais milagres que tenham presenciado, a fé fraqueja. Como se o Circo fosse desmontado e tudo não passasse de engano, nada restando a não ser admitir que foram histriônicos, que precisam enfiar a viola no saco e retomar suas vidas.
Dito isto pergunto aos que ainda escutarem se sabem como morreram os Apóstolos. Fosse tudo um engodo, um espetáculo circense que recruta palhaços e malabaristas, teriam os Apóstolos se deixado martirizar? Segundo a tradição, apenas João morreu de velho. Paulo foi decapitado e Pedro crucificado. Com um detalhe: Pedro pediu que o crucificassem de cabeça para baixo porque não era digno de morrer como Cristo. Pergunto então se estes homens eram idiotas. Por que raios não atiraram a toalha? Eram tolos, fanáticos cegos, alucinados? Teriam se submetido a tais sofrimentos se não houvessem testemunhado aquilo que se recusaram a negar?
O dano causado pela gente da Escola de Frankfurt e por todos aqueles que buscam de todas as formas destruir o cristianismo é grande, mas não é irreversível. Que um só escute até o fim a pregação, não importa. Será uma semente que poderá brotar e rasgar uma cicatriz na Terra.
J. B. Teixeira |
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